CLIMA

Yellow Zones: debates mais próximos das periferias de Belém

Conheça algumas “Yellow Zones” da capital, espaços criados para descentralizar os debates climáticos e que serão importantes na COP 30

Foto: Celso Rodrigues
Foto: Celso Rodrigues

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) se aproxima e, enquanto os olhos do mundo se voltam para Belém, um movimento ganha força na periferia da cidade: as Yellow Zones. Criadas pela sociedade civil local, baseadas no polígono “Territórios das Baixadas”, apresentado durante a 2ª Conferência COP das Baixadas, em março de 2024, essas zonas descentralizam o debate climático, levando informação e promovendo ações diretamente nas comunidades.

Mais do que um espaço de discussão, a iniciativa busca garantir um legado para os territórios periféricos, ampliando a participação social e a conscientização ambiental. O nome tem a tradução de “Zonas Amarelas” e faz referência às zonas que compõem a estrutura da conferência da Organização das Nações Unidas (ONU). Enquanto Blue Zone (ou Zona Azul) é um espaço restrito a chefes de Estado e delegações oficiais, e Green Zone (Zona Verde) é gerenciada pelo país anfitrião, as Yellow Zones foram concebidas para serem abertas ao público, proporcionando um ambiente de formação e articulação social.

YZ VILA DA BARCA

A Vila da Barca, localizada no bairro do Telégrafo, uma das maiores comunidades em palafitas da América Latina, é um dos quatro locais descentralizados criados, que se transforma em espaço de debate e construção coletiva. A coordenadora da Yellow Zone Vila da Barca, Suane Barreirinhas, 37, explica que a iniciativa surgiu em setembro de 2024 a partir da necessidade de tornar compreensível e acessível o debate para as comunidades que estão na linha de frente dos impactos ambientais, podem contribuir na construção de soluções adaptadas à sua realidade, mas pouco se tem voz.

“A COP das Baixadas é essa coalizão da qual fazemos parte. Já participava das conferências do clima antes mesmo de Belém ser anunciada como sede da COP 30. Entendemos que era essencial popularizar esse evento e criar um espaço seguro onde as pessoas pudessem se informar e participar ativamente. São cerca de 10 pessoas à frente disso nesta unidade”, pontua.

Além do debate sobre o clima, o espaço existe em coalizão com a Barca Literária, um projeto que existe desde 2019, o qual incentiva o contato com a literatura entre crianças e adolescentes da região, evidenciando tanto os desafios enfrentados pela comunidade quanto suas potencialidades e histórias. “As crianças que a gente atende vivem aqui, moram aqui, são felizes aqui. Lá fora estão destacando apenas a violência, mas queremos mostrar também o lado positivo desse território”, afirma Barreirinhas sobre o projeto, que já beneficiou mais de 5 mil pessoas.

O objetivo é expandir ainda mais o movimento da Zona Amarela, mantendo uma relação real com cada território. “Criamos esse espaço para dizer: ‘você pode entrar aqui, esse é um ambiente seguro, onde você vai encontrar pessoas capacitadas para falar sobre a pauta climática’. Também promovemos o turismo social com crianças e adolescentes, que mapeiam seus pontos de afeto dentro da comunidade”, destaca.

YZ ÁGUAS LINDAS

Refletir sobre soluções para um deslocamento mais acessível e sustentável na Região Metropolitana de Belém (RMB) é o ponto de partida para o nascimento da Yellow Zone de Águas Lindas. É o que diz Ruth Costa, 47 anos, diretora financeira do coletivo ParáCiclo e responsável pela unidade, que faz parte de um bairro que tem partes entre Belém e Ananindeua, e nasceu do desejo de trazer o debate ambiental através da pauta da mobilidade, em parceria com a YZ Vila da Barca. Atualmente, são cerca de 10 pessoas atuando nesta unidade.

O coletivo ParáCiclo surgiu oficialmente em 2017 e potencializa o uso de bicicletas como um meio alternativo de deslocamento. Engajando mulheres no processo de acessibilidade, mantém a campanha ‘Perifa na Pista’, visando entender as dificuldades deles em se deslocar pela cidade.

“Nossa atuação sempre foi voltada para a mobilidade urbana e incidência política nessa área. Mas me incomodava muito o fato de não levarmos essa discussão para a periferia. Então, quando começamos a realizar os Mini Fóruns de Mobilidade, especialmente no segundo, decidi que nosso espaço físico se tornaria uma Yellow Zone”, conta.

Investir em infraestrutura adequada para ciclistas é ter como resultado menos poluição e mais qualidade de vida para todos. “Belém já é uma cidade que pedala muito, mas falta mais estrutura cicloviária para que isso seja mais visível. No traslado rodoviário do Círio [de Nazaré], por exemplo, milhares de bicicletas surgem nas ruas porque o trânsito fecha, nesse momento elas são mais vistas, mas essas pessoas já pedalavam antes”, pontua Ruth.

YZ JURUNAS

É dentro do Gueto Hub, uma casa lilás que funciona como uma biblioteca comunitária bem em frente ao Canal localizada na travessa Quintino Bocaiúva, entre a avenida Roberto Camelier e a travessa Honório José dos Santos, que nasceu uma das Yellow Zones do bairro Jurunas. Para o engenheiro cartógrafo Jean Ferreira, 30, à frente do espaço, “a proposta é trazer temas como justiça climática, direito à cidade e desenvolvimento sustentável para o território, engajando a comunidade em ações concretas”.

Ele relembra que a ideia começou a ser fomentada após a COP 27, do Egito, em 2022, quando foi percebido que as discussões nas conferências climáticas estavam focadas em alvos gerais. “As COPs fazem metas globais para os países, mas quase nunca discutem o que fazer na prática nos territórios; e os territórios têm suas urgências”, avalia. Com isso, surgiu a ideia de criar um espaço independente para discutir as questões climáticas com quem vive diretamente seus impactos, especialmente as periferias, mas também os ribeirinhos, quilombolas e indígenas.

O projeto das YZs tomou forma de maneira mais concreta a partir da COP 28, de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em 2023, quando a realização da COP 30 em Belém foi confirmada. Na época, as primeiras YZs pensadas foram a da Vila da Barca e a do Gueto Hub. “É um formato que além de discutir o clima no nosso próprio território, também traz algum retorno até mesmo filantrópico”, considera.

No núcleo específico da Gueto Hub são 10 integrantes atuando ativamente. As ações desenvolvidas já incluíram eventos sobre adaptação climática, ciclos de palestras científicas conduzidas por acadêmicos de origem periférica e festivais culturais para atrair e conscientizar a população sobre os desafios ambientais. Já foram discutidos temas desde coleta seletiva, energia renovável até segurança alimentar. “O importante é que sejam tratados de forma acessível para que a comunidade possa se engajar”, frisa.

“Não é só frear o aquecimento global, a emissão dos gases efeitos de estufa, mas também em adaptar os territórios para essa nova realidade. Queremos construir um legado para além da COP 30, mostrando que a periferia precisa ser protagonista”, ressalta Jean.

Também são organizadas ações práticas, como plantio de árvores e exposições sobre identidade dos territórios. A luta ambiental está diretamente ligada à memória coletiva, ao direito de permanência e à resistência contra as desigualdades socioambientais. Foi assim que surgiu o Espaço Eco Amazônias, onde funciona outra Yellow Zone do Jurunas.

A organização funciona de maneira colaborativa, com cerca de 15 pessoas envolvidas diretamente nas atividades. O Eco Amazônias foi inaugurado em setembro do ano passado e, posteriormente, a Yellow Zone que, ao todo, já ajudou pelo menos 500 pessoas. Joyce Cursino, 28, atua como guardiã do espaço, coordenando estratégias e parcerias.

“Nosso espaço funciona com base na permacultura popular, trazendo soluções sustentáveis para dentro da comunidade. A primeira ação aqui foi a construção da primeira fossa ecológica do bairro, feita em parceria com especialistas e com a participação dos moradores”.

Segundo Cursino, a YZ também abre espaço para outras organizações desenvolverem atividades na comunidade. “A gente quer que cada coletivo que passa por aqui deixe sua marca. Já realizamos oficinas de reciclagem, reaproveitamento de materiais e mutirões de limpeza. Tudo que é feito aqui é construído coletivamente, com materiais reutilizáveis e mão de obra da própria comunidade”, lembra.

Para todos, o primeiro ponto de qualquer discussão é ser ouvido. “Nós pautamos o poder público e já conseguimos avanços importantes para o nosso bairro. Vamos seguir crescendo como um ponto de mobilização e resistência, reafirmando o papel das periferias na discussão climática global”, conclui Cursino.

SERVIÇO

3º MINI FÓRUM DE MOBILIDADE DE BELÉM

l Neste sábado (22), na passagem Praiana, nº 55B, a partir das 8h, às Yellow Zones da Vila da Barca e de Águas Lindas sediarão o 3º Mini Fórum de Mobilidade de Belém, promovido pelo coletivo ParáCiclo. A participação é gratuita e as inscrições são online, no link disponível na biografia do Instagram @coletivoparaciclo. Além do lançamento da 2ª edição da revista ‘Vozes da Vila’, produzida pela comunidade da Barca Literária.

YELLOW ZONES

l Para participar das discussões das Yellow Zones, é possível acessar o site geral de articulação (yellow-zone.org) e pelo Instagram conjunto @yellowzones; ou a partir dos demais projetos, através do Instagram:

l Barca Literária – @barcaliteraria

l ParáCiclo – @coletivoparaciclo

l Gueto HUb – @guetohub

l Eco Amazônias – @espacoecoamazonias