O Terreiro de Mina Dois Irmãos, localizado no bairro do Guamá, completou no último sábado 135 anos de história. Fundado em 23 de agosto de 1890, ele é reconhecido como o mais antigo em funcionamento no Pará, com um legado consolidado em ancestralidade, liderança feminina, cultura afro‑amazônica e resistência religiosa. A data foi marcada por uma procissão em homenagem a São Benedito das Flores, saindo da Rua Barão de Mamoré, 543 – Vila Nossa Senhora das Graças, até o terreiro, na Passagem Pedreirinha, no Guamá.
“A procissão começou no ano que a Mãe Josina fundou essa casa, ela é minha bisavó de santo. Então, essa procissão tem a mesma idade do terreiro, 135 anos. É muito improtante para nós, pela nossa resistência, estou dando continuidade a tudo que ela cosntruiu dentro dessa casa, sou a quarta geração levando esse legado. Tudo que ela construiu, deixou, fez, a minha avó deu continuidade, sendo a segunda geração, depois a minha mãe, a terceira geração, também deu continuidade e eu, a quarta geração, também dou continuidade toda à programação de todos os festejos, rituais da casa que mãe Josina deixou”, disse Mãe Eloísa de Badé, que está à frente do terreiro desde de 2013.
Segundo Mãe Eloísa, é muito importante para os filhos do terreiro manter essa tradição de 135 anos, pois São Benedito era o santo de devoção de mãe Josina. “Este São Benedito que acompanha a procissão foi ela que trouxe, é um santo de madeira, que passou de geração a geração na família dela, e quando ela veio do Maranhão para Belém, trouxe esse São Benedito enrolado numa toalha branca no colo. Então, damos continuidade e do mesmo jeito que ela fazia. E me sinto muito feliz, é uma honra para mim dar continuidade a tudo que ela deixou, procuro não mudar nada”, acrescentou mãe Eloísa.
Em 2010, o espaço centenário foi tombado pela Secretaria de Estado de Cultura do Pará (Secult) como patrimônio histórico e cultural do Pará. Apesar do reconhecimento sempre é tempo de resistir diante da intolerância religiosa que sofrem.
“Na época de Mãe Josina, foi onde sofreu mais intolerância por ser mulher, negra, que era tachada de bruxa, feiticeira, macumbeira. Mas mesmo assim, ela com a fé, amor, resistiu a todas as barreiras. À minha avó também, minha avó Amelinha, também passou por muitas intolerâncias. A minha mãe passou por algumas, comigo já foi mais brando, passei acho que por duas intolerâncias em relação ao terreiro e à procissão. Mas com fé, amor, resistência, principalmente amor ao nosso sagrado e à fé remove as montanhas. Com fé, garra, vamos para cima mesmo dessas pessoas que são intolerantes e nos posicionamos, Deus é um só em todas as religiões, respeito todas as religiões, mas também exijo ser respeitada, exijo que minha casa seja respeitada, minhas procissões quando estão na rua sejam respeitadas”, destacou Mãe Eloísa.
O Babalorixá Alexandre Ifagbamila veio de São Paulo especialmente para acompanhar a procissão e os festejos do tambor de mina paraense, pois esteve em Belém há uns quatro meses conhecendo o terreiro, porque além de sacerdote é historiador de religiões afro e o tambor de mina sempre chamou sua atenção.
“Sempre me encantou, e falei ‘preciso ir lá na fonte e conhecer o terreiro da Mãe Eloísa’ e aí marquei com ela, vim e ficamos umas 5 horas conversando sobre, ela me deu uma pequena entrevista porque estou fazendo um trabalho de conclusão de curso de uma pós-graduação em teologia de religiões africanas e nos tornamos grandes amigos, foi quando ela me convidou para essa grande festa. E não tive dúvida nenhuma, comprei passagem, porque para mim, primeiramente é uma honra poder participar desse grande festejo de um terreiro tão antigo que cultua uma das religiões mais importantes da nossa história de religiões de matriz afro. Não tenho nem palavras, a essa oportunidade que o Olodumar me deu de estar aqui hoje”, disse o Babalorixá.
Para Alexandre, as religiões de matriz afro precisam se unir mais, pois as religiões, os vários cultos, não são unidos e com isso nem os sacerdotes também, o que enfraquece a história, enfraquece a luta.
“É muito importante em um momento como esse, ter essa questão de todos os sacerdotes e de todos os simpatizantes. É isso que vai fortalecer a nossa luta, que é tão difícil, porque a discriminação acontece aqui no Pará, em São Paulo, Rio de Janeiro, é muito difícil, viiajo o Brasil inteiro para conhecer casas, para conhecer a luta de todo mundo, posso afirmar: todas as casas que visito, em todos os estados têm essa dificuldade de manter essa história que é tão bonita e faz parte da história de todos os brasileiros, não é da história só dos negros, só dos brancos, faz parte da história do Brasil e da formação da sociedade brasileira. Quer queira, quer não, todos nós temos um pezinho na África, todos nós temos um pezinho nessa senzala que fez com que esse povo brasileiro se tornasse tão religioso”, destacou ele.
Já Rodrigo Sampaio, assistente social, faz parte da história do terreiro e se sente muito feliz por fazer parte da casa, que o acolheu. “Muitas pessoas que vem aqui vem procurando ajuda, auxilio, cura, e a casa está aberta para qualquer pessoa e é muito importante que depois que encontramos ajuda e nos recuperamos valorize o nosso sagrado, a nossa fé. Para mim foi uma experiência muito boa esse processo de vir aqui conhecer, nunca tinha ido em nenhum outro terreiro, esse é o primeiro que faço parte e aqui já estou há três anos e me sinto muito agradecido em poder honrar o nosso sagrado e nossa fé”, falou ele, que se desloca do bairro do Umarizal para o local.
No Carnaval do Rio de Janeiro deste ano, o Terreiro de Mina Dois Irmãos foi uma das referências para a construção do enredo da escola de samba Grande Rio, que levou para a avenida o tema “Pororocas Parawaras”. A agremiação homenageou a espiritualidade afro amazônica e levou o segundo lugar do campeonato. O Terreiro recebeu inclusive a visita de membros da diretoria e da atriz Paola Oliveira, que na época era rainha de bateria da agremiação.
“Quando o Carnaval do Rio de Janeiro fala do Pará, ele sempre falou do Círio, do Marajó, de outras culturas do Estado, mas nunca falou da nossa afro-religiosidade. Então, mostrar a nossa casa, religião, a riqueza da nossa encantaria, foi muito importante para as pessoas verem que nós existimos, que nós somos religiosos, somos afro-religiosos. Para nós foi muito importante e com certeza isso quebra muitas barreiras”, contou mãe Eloísa, que desfilou em destaque na Marquês de Sapucaí. Já em 2026, a Associação Carnavalesca Bole Bole, de Belém, vai prestar uma homenagem inédita à fundadora do Terreiro de Mina Dois Irmãos, a Mãe Josina, com o enredo “Mãe Josina do Guamá, solo sagrado da cultura popular”.
“A diretoria da escola esteve aqui e conversamos, eles vieram convidar o nosso povo, a nossa casa, que o enredo de 2026 vai falar do Guamá, de Mãe Josina, do terreiro dos irmãos, falar da chegada de Mãe Josina em Belém, especificamente na Pedreirinha, que pra nós é uma honra muito grande, dois anos consecutivos falar da nossa casa: esse ano no Rio de Janeiro, ano que vem vai ser da nossa escola aqui, da nossa rua, da nossa comunidade. Para nós é muito importante, vai ser um grande desfile, dia 6 de setembro vai ser o lançamento do samba na quadra da escola”, adiantou ela.