Sistema de produção de alimentos que integra a criação de peixes e o cultivo de plantas, a aquaponia é capaz de proporcionar não apenas uma diversificação do cultivo de pequenos produtores, como ainda permite reduzir cerca de 90% o consumo de água em comparação com outros sistemas produtivos convencionais e contribui com a redução do uso de fertilizantes e agrotóxicos. Já utilizada em muitos países, a tecnologia vem sendo pesquisada na Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), onde um modelo inovador e totalmente adaptado à realidade da região foi desenvolvido.
Professor da Ufra, o biólogo e doutor em Ciência Animal, Glauber Palheta, explica que a aquaponia consiste em um sistema em que se consegue integrar a produção de um animal aquático, geralmente peixes, com a produção de vegetal. “De maneira geral, essa técnica não é tão nova, mas aqui na Ufra a gente conseguiu adaptar essa técnica para funcionar na Amazônia. Nós adaptamos outros elementos na aquaponia que, hoje, não tem em outro lugar”.
Como o sistema de aquaponia é fechado, a água não sai, sendo constantemente reintegrada no ciclo. Na prática, o sistema é composto por um tanque no qual são produzidos os peixes. Ao serem alimentados com ração, os peixes liberam dejetos ricos em nutrientes na água e essa água é inicialmente filtrada e depois bombeada para um outro reservatório para nutrir os vegetais. Uma vez em contato com as plantas, as raízes retiram os nutrientes que precisam, purificam a água e ela é direcionada de volta para o tanque onde são produzidos os peixes, mantendo-se sempre em circulação pelo sistema.
A lógica de funcionamento é a mesma do modelo instalado no Laboratório de Biossistemas Aquícolas Amazônicos (Bioaquam) da Ufra. A diferença está no insumo utilizado para fazer a filtragem da água e na introdução de outras culturas ao sistema.
Inovação e sustentabilidade na aquaponia da Ufra
“No caso da Ufra, a gente tentou adaptar para integrar outros elementos ao sistema, que não só o peixe e a hortaliça. A gente utilizou, como inovação, o caroço de açaí para fazer a filtragem da água. A gente faz um processo de separação e utiliza o farelo para uma coisa, dá para usar ele como composto, e o caroço a gente utiliza no sistema”, explica Glauber. “E depois a gente começou a pensar em produzir também mudas florestais, além das hortaliças, pela necessidade de recuperação de áreas degradadas, por exemplo. A gente já conseguiu produzir várias mudas de espécies nativas da Amazônia, tanto florestais, como outras que também são frutíferas”.
Utilizando o caroço de açaí no processo de filtragem da água, além de dar uma solução para um resíduo que é abundante na região amazônica, ainda é possível reduzir a quantidade de amônia presente na água que alimenta o sistema. No modelo de produção sustentável desenvolvido na universidade, o peixe produzido é o tambaqui, por ser nativo da Amazônia, mas o sistema pode ser utilizado também com outras espécies de pescado.
Adaptação do sistema aquapônico à realidade amazônica
O professor de aquicultura da Ufra que também atua no projeto, Fábio Carneiro Sterzelecki, explica que os modelos de aquaponia já existentes e utilizados em outros países nem sempre se adéquam à realidade amazônica, daí a necessidade de se desenvolver um modelo adequado para a região. “Enquanto um sistema comercial para filtrar a água custa mais de R$1.000 o metro cúbico, esse aqui é de graça porque utiliza o caroço do açaí que já ia ser descartado. Além disso, aqui a gente consegue integrar a produção de peixe, das hortaliças e das mudas florestais para ajudar no reflorestamento. Isso não existe no mundo, em outros sistemas eles utilizam só a hortaliça”.
Além de utilizar uma quantidade menor de água, o sistema ainda possibilita produzir em uma área menor e em velocidade acelerada. O professor Fábio explica que os testes realizados no sistema já demonstraram que as mudas estão crescendo em metade do tempo do processo convencional. “Enquanto uma muda demora 8 meses para crescer, aqui, com esse sistema, estamos conseguindo que ela cresça com 4 meses. Nós já testamos mudas de açaí, de cacau, de cupuaçu, de Ipê, de Mogno e agora estamos testando o Pau-Brasil”.
Cada tipo de muda demanda uma tecnologia, daí a necessidade do se realizar os testes. É a partir deles que os pesquisadores conseguem identificar qual é a melhor estrutura ou suporte para obter o crescimento de cada espécie de muda.
No caso das hortaliças, o professor aponta que já foi testado o cultivo de alface, jambu, tomate-cereja, cheiro-verde. Entre eles, o que apresenta colheita mais rápida é o cheiro-verde, em torno de 18 dias. “Em um sistema como esse modelo que temos aqui, a gente estava calculando um rendimento de cerca de R$2 mil por mês só com as hortaliças”, estima Fábio Carneiro Sterzelecki. “O ciclo do peixe é mais longo, mas ele vem acrescentar no futuro também. Nesse sistema é possível produzir 10 Kg de tambaqui por metro cúbico”.
Expansão do projeto e próximos passos
A tecnologia vem sendo trabalhada pelos pesquisadores, em conjunto com os alunos de cursos relacionados ao tema, desde 2019. Na fase atual do projeto, os professores pretendem começar a instalar o sistema em alguns Estados da Amazônia. “A nossa ideia é que esse sistema possa ser utilizado para produções coletivas, associações. Temos um projeto já aprovado pelo CNPQ para fazer a instalação do sistema em seis lugares da Amazônia, sendo três no Pará, um no Amazonas, um no Amapá e um em Roraima”, pontuou Fábio.