TRADIÇÃO

Cosme e Damião: Santos gêmeos têm dois dias de festa

Devotos das religiões de matrizes africanas e católicos celebram os santos em dias diferentes.

Foto: Ricardo Amanajás / Diário do Pará
Foto: Ricardo Amanajás / Diário do Pará

No candomblé e umbanda, o Dia de São Cosme e Damião – associados com Ibeji, uma entidade infantil – é celebrado no dia 27 de setembro. Já para a Igreja Católica, a partir de uma reforma no calendário católico, o dia dos santos é comemorado antes, em 26 de setembro. Nas duas formas, a data enraíza tradições em terreiros, bairros e ainda movimenta o comércio com a prática de distribuição de saquinhos de doces para as crianças. Há 9 anos, o Pai Denilson, da casa ‘Ylê Axé Oxum e Obaluauê’, no bairro da Sacramenta, em Belém, mantém a tradição de realizar uma grande festa no terreiro, com direito a procissão e distribuição de guloseimas para as crianças da comunidade em homenagem aos irmãos – tradição essa iniciada por sua bisavó Geiza, que faleceu aos 80 anos, a qual ele faz questão de honrar e manter o legado. Atualmente, cerca de 200 pessoas participam da comemoração.

Os preparativos no terreiro começaram na última segunda-feira (23). No dia da celebração, nesta sexta-feira (27), às 12h, será realizado o almoço, aberto a todos, e a partir de 17h é feita a distribuição dos doces, também no conhecido ‘pisão’. A saída com as imagens é feita logo após, este ano com a participação de uma banda de fanfarra, e a festa termina por volta de 22h.

“É uma data muito esperada por vizinhos e crianças. Para mim é uma felicidade só, ter Cosme e Damião é alegria de viver, a casa entra em festa. Na hora da entrega dos doces, faço a oração do Pai Nosso com as crianças, oração que Deus ensinou a todos e batemos aquela salva de palmas a São Cosme e Damião. Nisso a gente também explica o porquê da entrega dos doces, no contexto da fé”, ressalta.

Foto: Ricardo Amanajás / Diário do Pará

COMÉRCIO

A data também aquece as vendas em lojas especializadas em doces na Grande Belém. Na avenida Pedro Miranda, a gerente de vendas Bianca Silva, 33 anos, comenta que neste período as vendas aumentam entre 30% a 40%.

“Desde o dia 15 a procura por balas começa a ficar mais intensa e até o dia 28 de setembro ainda tem gente comprando para esses fins de distribuição. Por agora já dá para dizer que as vendas estão superando as do ano passado”, frisa.

Numa loja do mesmo ramo, em São Brás, a gerente de vendas Juliana Maia, 29 anos, afirma que este período é chamado de “Natal dos Caramelos”, justamente por conta do aumento das vendas de balas e doces. Segundo ela, por lá, a procura se intensificou logo no início deste mês. “Tem gente que se adianta e vai assim até o fim do mês mesmo. Os produtos mais procurados são pipocas, balinhas de iogurte e bombons sortidos”, explica.

Santos atendiam gratuitamente as pessoas

São Cosme e Damião eram irmãos gêmeos e são venerados como santos mártires na Igreja Católica, considerados patronos dos médicos e dos farmacêuticos, e protetores das crianças e dos gêmeos. A tradição católica conta que eles nasceram na Arábia, por volta de 260 d.C., e atendiam gratuitamente as pessoas e os animais, pregando o Evangelho durante os atendimentos

O historiador e cientista da Religião, Marcio Neco, explica a diferença entre as comemorações do catolicismo para as religiões de matrizes afro-brasileiras começando pelas datas. A reforma no calendário litúrgico da Igreja Católica foi promovida em 1969 pelo Papa Paulo VI, trazendo o dia de São Cosme e Damião para o dia 26 de setembro com a realização de missas, procissões, novenas e orações.

Contudo, essa mudança não se reflete na cultura popular e continua-se distribuindo bombons no dia 27 de setembro, celebrados por adeptos do candomblé e umbanda, por exemplo. “Nas religiões de matriz africana, temos nos terreiros, nos espaços de devoção dessa religião, a distribuição de bombons, muito ligada também ao chamado caruru, que é uma comida ritualística muito importante nas religiões de matriz africana, sobretudo no candomblé”, explica.

Márcio Neco analisa que a alegria deste dia se reflete na periferia da cidade com a caridade que Cosme e Damião sempre estimularam. “Como também nos libertarmos dos preconceitos da intolerância religiosa, em achar que esses bombons contém um mal, um feitiço. Simboliza somente a alegria, somente coisas boas e tem um rico e vasto significado ritualístico e religioso para a nossa cultura popular”, destaca.