RUAS DE BELÉM

Resistência e abastecimento fazem parte da história da Estrada da Ceasa

Conheça a história desta via de Belém que era um território de resistência durante o processo de colonização do país e que hoje é ponto de ligação para a Central de Abastecimento

Estrada da Ceasa - Curió-Utinga. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará
Estrada da Ceasa - Curió-Utinga. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

A chegada dos portugueses à Amazônia, ainda no século 17, resultou na ocupação do território com fins de exploração colonial e de defesa da região que já despertava interesse de outros países que ameaçavam o domínio português.

Naturalmente, este processo de ocupação enfrentou resistência por parte dos povos indígenas que já viviam no que hoje conhecemos como Belém, resistência essa que deu origem à formação de territórios que até hoje estão presentes na cidade, como é o caso da área acessada a partir da popularmente conhecida Estrada da Ceasa.

O doutor em história social e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Amilson Pinheiro, explica que durante este processo de colonização do século 17, a principal mão de obra usada pelos portugueses era a escrava e indígena, que buscou se afastar do ponto de maior concentração dessa ocupação da cidade como uma forma de se proteger contra tal exploração.

“Nesse processo de ocupação desse núcleo de Belém e áreas próximas, muitos indígenas vão tentar resistir, fugir dessa exploração de sua mão de obra e da escravização e vão se afastar desse núcleo inicial e ocupar outras áreas. É nesse sentido que nasce essa região onde hoje é o Rio Guamá e que ficou conhecido no início do século 17 como um território Murutucu. Essa região que nasceu dessa questão de ser um lugar de refúgio e resistência indígena a essa colonização portuguesa”.

Refugiados na região que até então era muito afastada do núcleo inicial de formação da cidade, as populações indígenas ainda tiveram que vivenciar a chegada ao território das chamadas missões religiosas que, durante o processo de colonização, vinham com o objetivo de promover a evangelização e a catequização.

O doutor em história social e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Amilson Pinheiro
O doutor em história social e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Amilson Pinheiro

“No início do século 18, exatamente em 1711, a Missão Religiosa dos Frades Carmelitas chega a essa região que era ocupada já por esses indígenas que resistiram. Essa missão religiosa dos Carmelitas vai construir uma capela, a Capela de Nossa Senhora da Conceição nessa região. É essa capela que é a origem das atuais ruínas do Engenho do Murutucu que a gente ainda consegue ver hoje”.

Em outro momento, aproximadamente a partir de 1776, outro fato importante envolve a história da área do Murutucu, a chegada do arquiteto italiano Antônio Landi, que teve uma importância muito grande no processo de urbanização de Belém.

Estrada da Ceasa – Curió-Utinga Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

“Nessa época da segunda metade do século 18 ele vai chegar nessa região e vai estabelecer uma relação de proximidade, ele gosta dessa região e faz uma série de reformas nessa construção arquitetônica que havia lá. E ele vai fazer, inclusive, a reforma da capela, dando características muito particulares ao estilo arquitetônico e artístico que ele imprimia nas suas obras, como elementos neoclássicos”, explica Amilson Pinheiro.

“Então, com o uso da mão de obra indígena escravizada, Antônio Landi faz uma reforma dessa capela e passa, inclusive, a morar nesse Engenho do Murutucu, tanto é que há vestígios, e o Augusto Meira Filho fala sobre isso no seu livro, de que é lá no Engenho do Murutucu que Landi vai viver e inclusive vai morrer, já no final do século 18”.

Neste contexto, como havia a ocupação, primeiro, desse refúgio indígena e, depois, da missão religiosa dos Carmelitas e da transformação desse engenho e a reforma da capela pelo Landi, surge um ramal chamado de ramal do Murutucu.

“É esse ramal terrestre que vai dar origem à atual Rodovia Murutucu ou popularmente conhecida como Estrada da Ceasa. Então, a comunicação do engenho com a capital da província, principalmente na segunda metade do século 18, era realizada através do Rio Guamá e também por esse ramal”, explica. “Esse engenho e esse ramal levaram a uma atividade ali naquela região, por isso que se construiu o porto que a gente chama de Porto da Foz do Igarapé do Murutucu”.

Engenho do Murutucu - Foto de Filipe Augusto Fidanza. Reprodução Biblioteca Nacional
Engenho do Murutucu – Foto de Filipe Augusto Fidanza. Reprodução Biblioteca Nacional

CABANAGEM

O historiador Amilson Pinheiro explica, ainda, que outro momento histórico marca o processo de ocupação da área do Engenho do Murutucu, a Cabanagem. O professor explica que após a morte de Antônio Landi, ocorre um certo abandono do território do Engenho Murutucu, que só reaparece com uma grande importância para a história a partir de 1835, quando ocorre a Cabanagem.

“Quando começa a revolução Cabana, a Cabanagem, de uma certa maneira o Murutucu renasce como um território de resistência popular. A gente tem documentos e registros que falam de um lugar de resistência e que foi um núcleo de ocupação de forças revolucionárias indígenas, negras, tapuias, caboclas e ribeirinhas, que através de canoas e batelões se deslocavam do conflito de Belém até o acampamento desse território Murutucu”, relata.

“Então, o ataque a Belém se dava pelo Rio Guamá. Havia esse ‘quartel-general’ das forças revolucionárias da Cabanagem que foi o Engenho Murutucu e eles se deslocavam de lá para realizar ataques em Belém. Então, ele vai ter uma importância muito grande como um lugar de apoio e de articulação dessas forças revolucionárias cabanas ao longo do século 19”.