Praticamente metade das escolas de Belém (45%) não têm áreas verdes. Por que isso importa? Porque, para muitas crianças, a escola representa o principal local de experiências relacionadas a brincar e aprender ao ar livre – atividades nem sempre possíveis em outros ambientes. Essa ausência também não é compensada com praças ou parques próximos que possam ser acessados pelas crianças, já que 37,1% das escolas estão localizadas em regiões sem praças ou parques no entorno.
Os números fazem parte de uma pesquisa inédita do Instituto Alana a partir de dados levantados pelo MapBiomas e analisados conjuntamente com a Fiquem Sabendo. Foram pesquisadas 20.635 escolas públicas e particulares, de educação infantil e fundamental, para entender o acesso que as crianças e adolescentes têm a áreas verdes e a resiliência das escolas: quais e quantas são extremamente quentes ou correm riscos climáticos, por exemplo? E como essas informações se conectam com desigualdades raciais, territoriais e socioeconômicas?
O levantamento indica que cerca de 90% das escolas em áreas de risco estão dentro ou em até um raio de 500 metros de favelas e comunidades urbanas, e que 51% dessas escolas tem maioria de alunos que se declaram negros, percentual que cai para apenas 4,7% nas escolas com maioria de alunos que se declaram brancos, evidenciando a conexão entre desigualdades e fatores climáticos, bem como o racismo ambiental.
A pesquisa mapeou ainda que faltam áreas verdes, tanto dentro quanto no entorno das escolas, situação que é particularmente preocupante na educação infantil, com 43,5% das escolas sem áreas verdes. Nas capitais, 20% das escolas também não têm praças e parques no entorno de 500 metros, o que impacta diretamente mais de 1,5 milhões de alunos de 4.144 escolas. Ao contrário do senso comum, que considera escolas particulares em geral melhores do que públicas, nesse quesito a situação se inverte: apenas 9% das escolas particulares têm mais de 30% de área verde no lote, enquanto nas públicas o percentual é de 31%, o que revela uma grande oportunidade para os equipamentos públicos na ampliação do contato das crianças com a natureza.
A falta de verde nas escolas é agravada por desigualdades raciais e econômicas, sendo maior para estudantes que vivem em favelas e comunidades urbanas, bem como para alunos negros. São eles também os que estudam em escolas localizadas em áreas mais quentes: cerca de 36% das escolas com maioria de alunos negros estão em territórios com temperaturas 3,57ºC acima da média de temperatura da capital, enquanto 16,5% das escolas com maioria de alunos brancos encontram-se na mesma situação.
Considerando que 80% das crianças e adolescentes no Brasil vivem em centros urbanos e passam boa parte do seu tempo na escola, se o acesso a áreas verdes não ocorrer ali, a natureza pode não fazer parte de suas vivências. Está cientificamente comprovado que o contato com a natureza melhora todos os indicadores de saúde e bem-estar de crianças e adolescentes, como imunidade, memória, sono, alívio do estresse, capacidade de aprendizado, sociabilidade e desenvolvimento motor. Em cidades cada vez mais cimentadas, com trânsito intenso e insegurança, têm sobrado às crianças e adolescentes o confinamento em espaços internos – e o excesso de telas.
Ao mesmo tempo, o clima mudou e é preciso identificar as escolas mais vulneráveis às ondas de calor, alagamentos, enchentes e deslizamentos, agindo para prevenir e aumentar sua resiliência, já que as crianças e adolescentes estão justamente entre os mais afetados por eventos climáticos extremos.
“A natureza deve ser fonte de saúde e aprendizado, e não uma ameaça. Por isso, o papel das escolas é central para promover acesso a áreas verdes e adaptação às emergências climáticas. É preciso desconcretar a infância e adotar soluções baseadas na natureza — como jardins de chuva, captação e tratamento de água, restauração da vegetação nativa e compostagem — para prevenir enchentes, equilibrar o calor, aumentar a biodiversidade e, ao mesmo tempo, trazer benefícios para a saúde física e mental das crianças”, diz JP Amaral, gerente de Natureza do Instituto Alana.
Segundo Maria Isabel Amando de Barros, especialista do Instituto Alana que esteve à frente do trabalho, toda a comunidade escolar deve ser incluída nessa transformação das escolas em locais mais verdes e resilientes.
“Escolas são equipamentos numerosos, bem distribuídos pelo território, que funcionam como polos de irradiação de conhecimento e cultura em suas comunidades. Ter a natureza como centralidade e dar às crianças oportunidades para brincar e aprender com ela, contribui com a educação ambiental e climática, fomentando o protagonismo necessário para que crianças e adolescentes possam participar efetivamente da transição verde de nossas sociedades”, diz.