Belém

Pedro Miranda, a via que liga o passado e o presente na Pedreira

Conheça a origem da avenida Pedro Miranda em Belém. Saiba como a expansão da cidade e o período da Belle Époque contribuíram.

Quem hoje vê a larga via que corta o bairro da Pedreira não imagina o cenário que marcava a avenida Pedro Miranda algumas décadas atrás. Inicialmente marcada por um caminho modesto e alagadiço, a via passou por um intenso processo de transformação ao longo do tempo, que também esteve relacionado à expansão da cidade para além do centro.

Para compreender como se dá o surgimento da via que daria origem à atual avenida Pedro Miranda, o historiador Jaime Cuéllar Velarde aponta que é preciso retroceder até o primeiro grande Ciclo da Borracha na Amazônia, período intimamente ligado ao projeto de embelezamento e urbanização da metrópole.

O professor destaca que na obra ‘Produzindo Riquezas na Belle Époque: Belém e o Pará (1870-1920)’, a historiadora Maria de Nazaré Sarges analisa as marcas econômicas e sociais de Belém e do Pará durante a Belle Époque. “Ela é quem melhor detalha o contexto de um momento de nossa história em que os políticos e elites econômicas, colonizados pelos ideais de modernização europeia, ousaram importar o glamour de Paris para Belém (PA)”, explica, ao apresentar o contexto em que Belém passa pelas transformações urbanísticas empregadas pela gestão do então intendente Antônio José de Lemos, que foi de 1897 a 1911.

Ainda que a administração e idealização da capital paraense fosse do intendente, Jaime Cuéllar Velarde explica que a responsabilidade de prestar suporte científico e de executar o saneamento das áreas de palafitas da cidade ficou a cargo do sanitarista e amigo próximo de Antônio Lemos, o Doutor Pedro Miranda. Influenciado pelo saber médico cartesiano europeu, Pedro Miranda foi o responsável pela implantação de uma rede de esgotos e um sistema de abastecimento de água potável. “Entretanto, os mosquitos abundantes em regiões alagadiças foram o principal obstáculo do doutor Pedro Miranda. Daí a necessidade de aterrar e/ou pavimentar as ruas esburacadas e alagadas em vários setores. Um grande problema, haja vista as chuvas e canais transbordando em Belém”, explica o historiador.

Diante deste contexto – que não deixou de enfrentar resistência por parte da população – e das medidas urbanísticas empregadas por Antônio Lemos, os trabalhadores, sobretudo as populações afroindígenas de Belém, foram sendo afastadas do centro urbano para áreas mais distantes da cidade.

“Sobre o surgimento do bairro da Pedreira e, por conseguinte, da avenida Pedro Miranda, o historiador Vicente Juarimbu Salles, ao abordar o cotidiano das populações afroindígenas de Belém, aponta pistas valiosas sobre como estas pessoas foram se afastando do núcleo urbano para áreas mais distantes. O motivo: a área hoje conhecida como Umarizal sofrendo colonização em seus comportamentos, foi se aburguesando e limitando também outras práticas culturais. Com isso, caboclos buscavam espaços para seguir seus modos de vida, em especial as práticas de religiões de matriz africanas-indígenas”, explica o historiador Jaime Cuéllar Velarde.

O professor lembra ainda que Belém também vivenciou o advento da construção da estrada de ferro de Bragança, em 1884, o que também influenciou a maior ocupação da área do bairro da Pedreira. “A partir deste momento, a área da ‘Pedreira do Guamá’ foi ganhando mais trabalhadores e moradores. Os vários ‘caminhos’ já existentes, que depois foram ruas e avenidas, foram ganhando densidade populacional. Dentre estas vias, uma que percorria em paralelo à estrada de ferro. Mais tarde, chamada de Avenida Pedro Miranda, em homenagem ao sanitarista homônimo”.

Aldeia Cabana, palco dos desfiles em Belém. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

O início da ocupação daquela região se deu, justamente, ao longo do caminho que hoje se chama de avenida Pedro Miranda. “Se observarmos, a linha percorre todo o bairro. Isso significa que ao longo dela se estabeleceram pontos comerciais, como venda de peixes, frutas diversas, tecidos, panelas, potes, cordas, redes etc. O comércio do bairro ganhou vigor desde o século XIX para poder atender as demandas diárias de consumo”, pontua o historiador. “O vigor das atividades comerciais era tamanho na avenida Pedro Miranda que chegou a inspirar a inauguração do primeiro supermercado de Belém, o Carisma. Por sua vez, no mesmo prédio, o poderoso grupo Y. Yamada seguiu a venda à varejo”.

Na memória da aposentada Terezinha Nogueira, 83 anos, as lembranças da avenida Pedro Miranda datam da época em que a via ainda era marcada por uma parte alagadiça, em que as pessoas precisavam transitar por cima de palafitas, já às proximidades da travessa Perebebuí. A moradora do bairro lembra que, há pouco mais de 30 anos, o espaço que hoje abriga a estrutura da Aldeia Cabana era bem diferente.

Na memória da aposentada Terezinha Nogueira, 83 anos, as lembranças da avenida Pedro Miranda datam da época em que a via ainda era marcada por uma parte alagadiça, em que as pessoas precisavam transitar por cima de palafitas Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

“O que eu lembro, de quando eu cheguei aqui (para o bairro da Pedreira) em 1978, é que a Pedro Miranda era lama, a gente tinha que andar em cima de tábua, por cima das pontes, com medo de cair”, recorda. “Agora mudou muito. Tem a Aldeia Cabana, o tempo todo é movimento de carro”.

O movimento que hoje marca a larga avenida é aproveitado pela autônoma Rosângela Soares, 59 anos. Responsável por uma venda de mudas de plantas ornamentais na avenida, ela também recorda do período em que os carros não conseguiam sequer transitar pela via. “Era muito diferente, só água. Teve um tempo que a Pedro Miranda era só igapó”, recorda, ela que mora no bairro da Pedreira há 40 anos. “A gente andava por cima das pontes porque não tinha o canal (Canal da Pirajá) feito ainda, então alagava mesmo. Agora mudou muito”.

CULTURA E SAMBA

Além do período de transformações urbanísticas, a avenida Pedro Miranda também teve a história marcada pela cultura e pelo samba. O historiador Jaime Cuéllar Velarde lembra que, mesmo passada a pujança do período da borracha, a avenida Pedro Miranda recebeu o Cine Paraíso, em fevereiro de 1956.

“O Cine Paraíso contava com equipamento estadunidense, assim como as cadeiras importadas. Demonstração da força cultural daqueles moradores e do forte apelo comercial do bairro. Na entrada, para acessar a sala, plantas ornamentais e a frase ‘Faça deste cinema o seu Paraíso’, acolhia os frequentadores. Com igual importância, houve o Cine Rex (depois chamado de Cine Vitória)”, aponta.

“O fundador do Cine Paraíso, o senhor Manoel Moreira, era de origem portuguesa. Em meados de 1927 transferiu-se com a família para Belém a bordo do navio Hillary. Empreendeu no comércio varejista e logo criou o cinema. Juntou alguma fortuna, mas a arte e cultura do bairro o seduziram a investir em campeonatos de pássaros e grupos juninos. O mesmo Manoel Moreira está dentre aqueles que fomentaram o futebol e a criação do time Esporte Clube Pedreirense Santa Cruz”.

Outro marco cultural da avenida foram as casas noturnas. “Mesmo aquelas sem fins comerciais, sempre foram espaços de visitas de compositores, artistas do samba, bailarinas e malandros. A capoeira, importante símbolo da resistência africana no Brasil, não poderia faltar. Bares, bebidas, boemia, festas, passaram a ser atividades da identidade do bairro e de sua principal avenida”, pontua Jaime.

“Os bares faziam parte da ecologia boêmia. Bem próximo ao Mercado Municipal da Pedreira, na esquina da Travessa Angustura, se localizava o Shan-Grillah, uma das casas de shows do bairro e da cidade. Sua fama rendia comparações com outras casas de Belém, como o Palácio dos Bares, por exemplo. O samba, a música e a poesia faziam parte da atmosfera da Pedro Miranda, tanto que naturalmente foi criada a escola Império Pedreirense, o grande orgulho do bairro”.