PESQUISA

Parque do Utinga: microrganismos têm grande potencial biotecnológico

Pesquisadores do Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) Guamá identificaram um potencial inédito no solo do Parque Estadual do Utinga.

Belém, Pará, Brasil. Cidade. Parque do Utinga, que é uma Unidade de Conservação, com enfoque no fato de ter em sua área uma floresta nativa em pleno centro urbano da cidade-sede da COP 30 e o lago Bolonha, que é usado para abastecer a rede de água de Belém. 28/02/2025. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará
Belém, Pará, Brasil. Cidade. Parque do Utinga, que é uma Unidade de Conservação, com enfoque no fato de ter em sua área uma floresta nativa em pleno centro urbano da cidade-sede da COP 30 e o lago Bolonha, que é usado para abastecer a rede de água de Belém. 28/02/2025. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

Belém - Pesquisadores do Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) Guamá identificaram um potencial inédito no solo do Parque Estadual do Utinga, uma das maiores unidades de conservação ambiental em áreas urbanas do Brasil, com 1.300 hectares, em Belém. Os microrganismos encontrados demonstram grande potencial para o desenvolvimento de produtos biotecnológicos.

Entre as aplicações estão antimicrobianos, que combatem bactérias e fungos; enzimas industriais, utilizadas em setores como alimentos, detergentes e biocombustíveis; e ativos cosméticos, que promovem hidratação, rejuvenescimento e proteção da pele. Em parceria com o Grupo de Descoberta de Fármacos, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), de São Paulo, o Laboratório de Engenharia Biológica (EngBio) da Universidade Federal do Pará (UFPA), residente no PCT Guamá, mapeou moléculas produzidas por bactérias do Utinga.

Belém, Pará, Brasil, CIDADES. Carolina Miranda, bio médica, UFPA. Descoberta de microorganismos no solo do Parque Ambiental do Utinga. 12-03-2025 Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

Os primeiros resultados foram publicados na revista Microbiology Spectrum, em dezembro de 2024, por meio do artigo científico “Uma abordagem metabologenômica revela o potencial biossintético inexplorado de bactérias isoladas de uma Unidade de Conservação da Amazônia”. O periódico publica pesquisas de todos os domínios das ciências microbianas básicas, aplicadas e clínicas.

Como parte do doutorado da biomédica Ana Carolina Miranda, pesquisadora do EngBio, o estudo começou com a coleta de amostras de solo no Parque do Utinga no ano de 2021. “O Parque do Utinga é um importante local de pesquisa científica. Lá tem a questão da preservação de espécies, identificação de novas espécies, de plantas e tudo mais. E ele se tornou também um ambiente de estudo para nós porque tem mata preservada e o solo é rico em matéria orgânica. É um espaço ideal justamente para colonização de microrganismos”, comenta a pesquisadora.

Os pontos de coleta escolhidos no Parque seguiram o critério de ter pouca circulação de pessoas para evitar contaminação cruzada com o manejo antropológico. A partir da definição dos pontos de coleta, as amostras de solo foram obtidas para estudo em laboratório por meio do cultivo dos microrganismos. Após isolamento em laboratório, três cepas bacterianas (Streptomyces, Rhodococcus e Brevibacillus) foram selecionadas pelo potencial de produzir compostos bioativos.

A partir desta etapa, os pesquisadores sequenciaram o DNA das bactérias e identificaram 64 grupos de genes biossintéticos, responsáveis pela produção de moléculas bioativas. Mais da metade desses genes estavam ligados a substâncias inéditas, com potencial para novos antibióticos e tratamentos.

“O nosso objetivo principal era ver quais moléculas eram produzidas pelas bactérias daqui e se essas moléculas poderiam ter alguma aplicação biotecnológica. Ou seja, se poderiam ser antibióticos, antifúngicos, antitumorais ou anti-inflamatórios, ou moléculas utilizadas como estimuladores de crescimento para agricultura ou utilizadas em cosméticos e indústria”.

Para analisar essas potencialidades, as bactérias foram cultivadas em diferentes condições laboratoriais, estimulando a produção de compostos variados. As substâncias foram extraídas e analisadas por espectrometria de massa (técnica analítica física para detectar e identificar moléculas de interesse), revelando uma ampla diversidade química. Algumas moléculas, como antimicina e deferoxamina, conhecidas por propriedades antibióticas e antitumorais, já são utilizadas na medicina, enquanto muitas outras são inéditas, destacando o potencial inexplorado da biodiversidade amazônica.

“Com a combinação de duas tecnologias (Genoma e Metaboloma), nós conseguimos ver que de fato as bactérias que nós identificamos daqui do Utinga produzem moléculas que já são bem estabelecidas estruturalmente quanto ao mecanismo de ação dela, atuando como antibióticos, antitumorais e anti-inflamatórios”.

De acordo com Miranda, o achado principal foi que quase 70% de todas as moléculas identificadas possuem um potencial. Ou seja, não possuem nem a característica, nem o mecanismo de ação conhecido, tornando essas moléculas ótimos candidatos para a linha de descoberta de fármacos. “Nós vamos incluir essas moléculas agora desconhecidas em uma outra etapa que é caracterizar melhor todo esse portfólio de moléculas para ver se elas são candidatas para descobertas de novos fármacos a partir da nossa região”.

Passos

Com a publicação do artigo científico, há dois passos que devem ser seguidos: aumentar o quantitativo de microrganismos e de moléculas a partir da nossa região. “A continuação vai ser justamente pegar esses genes desconhecidos e caracterizar o produto deles para saber se há características e funções que são adequadas para entrarem na linha de pesquisa de descoberta de fármacos. A etapa agora é essa”.

Daí a importância da parceria com o CNPEM, pois conforme explica Miranda, no local há toda uma linha desenvolvida até a etapa final, envolvendo patente farmacêutica. “Quando a molécula já é conhecida, já é bem estruturada, ela começa a entrar em linha de bioensaio. Ou seja, vai ser verificado se ela tem atividade antibiótica, atividade contra câncer, atividade de encontrar alvos de doenças inflamatórias ou neurológicas”.

Uma outra linha importante é verificar se a ação do fármaco é segura para uso humano, a partir das futuras pesquisas. “A nossa esperança, tanto a partir do meu trabalho quanto dos que vierem em seguida, é conseguirmos ter uma biblioteca de moléculas aqui da nossa região e disponibilizá-la para testes, para que essas moléculas sejam compostos biotecnológicos interessantes na indústria. E assim conseguirmos reverter todos esses achados para fazer com que os royalties dessas patentes sejam justamente para as comunidades locais da nossa região”.

A pesquisadora ressalta que a pesquisa científica sempre precisa de muito investimento e valorização, tanto pela parte pública quanto do próprio setor privado, sendo importante manter a relação com instituições parceiras para, a partir das amostras locais, utilizar tecnologias que são capazes de revelar todo o potencial que a região possui.

“Nós somos um local que possui uma biodiversidade imensa. A biodiversidade amazônica aqui é tanto em relação a plantas e animais, e agora em relação a microrganismos. É necessário conhecermos melhor a microbiota da nossa região e o que ela pode nos fornecer. Então, nós temos essa chance de divulgar nosso trabalho, justamente para mostrar o quanto o tema ainda é subexplorado na nossa região”.