HISTÓRIA

Fragmentos da história de Belém vêm à tona

As peças encontradas serão catalogadas. O trabalho pretende resgatar histórias que vão além dos grandes marcos da cidade.

Fragmentos da história de Belém vêm à tona

Durante as obras de revitalização da Praça da Bandeira, no bairro da Campina, em Belém, iniciadas no dia 23 de julho, escavações arqueológicas revelaram mais de 500 fragmentos históricos – entre cerâmicas, moedas, garrafas e pedaços de louça – que ajudam a reconstruir o cotidiano de diferentes épocas da capital paraense. 

O achado arqueológico, que ocorre em paralelo ao projeto de requalificação do espaço para a instalação da Freezone Cultural Action – instalação artística a ser apresentada durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em Belém – transforma a intervenção urbana em um mergulho na memória da cidade, com expectativa de deixar um legado cultural para além da COP.

O projeto foi dividido em duas etapas: a primeira, voltada à realização da Freezone durante a COP 30; e a segunda, de requalificação definitiva da praça, prevista para o período pós-evento. Antecedendo todos eles, ocorre a estratigrafia, chamada de “pacote cultural”, afirma o arqueólogo Kelton Mendes, da equipe da Amazônia Arqueologia.

“O espaço da Praça da Bandeira é um lugar marcado por diversos usos ao longo dos séculos. Já foi ponto de mobilização militar, espaço de comércio, festividades e marca da expansão urbana. Desde o início das escavações, encontramos materiais ligados a esse cotidiano: louças, cerâmicas, moedas, pisos antigos como as pedras de Lioz… moedas dos séculos 17 e 18, também. Só nesta fase inicial, já identificamos entre 500 e 600 fragmentos. Mas acredito que já tenhamos ultrapassado mil”, explica sobre os resultados das três escavações.

De acordo com Kelton, as escavações começaram na última quinta-feira (24) e se estenderam por quatro frentes de trabalho. Para obter os resultados já encontrados, segundo o especialista, logo nos primeiros níveis já foi possível encontrar material arqueológico. 

“Já com 10 a 20 centímetros de profundidade, a gente já começa a encontrar esses materiais. Principalmente por conta que, começamos a observar que em alguns pontos da praça não tiveram tantas intervenções recentes de engenharia, de reformas. Estamos conseguindo chegar a quase um metro de profundidade com estruturas de solo relacionados à ocupação antiga da cidade e materiais arqueológicos”, detalha.

A última deve ocorrer nesta sexta-feira, 1º de agosto. “Elas são para a gente poder ter um controle estratigráfico do sítio para tentar entender, como se nós estivéssemos fazendo uma leitura de um livro, de trás para frente”, ressalta.

Após essa fase de campo, todo o material será higienizado em laboratório, segundo as normas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), após o início das análises. “As peças serão catalogadas e os dados interpretados para compor estudos científicos. Depois disso, serão encaminhadas para a reserva técnica, que aqui temos o Museu do Estado do Pará”, conta.

Ainda segundo o arqueólogo, o trabalho pretende resgatar histórias que vão além dos grandes marcos. “A narrativa oficial costuma dar destaque aos casarões e eventos históricos. Mas é importante entender como viviam as pessoas comuns, o que usavam no dia a dia. Queremos construir uma narrativa mais próxima da população, e esse tipo de achado nos ajuda a fazer isso”, pondera.

Freezone

A instalação artística Freezone Cultural Action, que motivou a revitalização da praça, será uma das grandes atrações da COP 30, com programação voltada especialmente ao público jovem. A proposta do Instituto Cultural Artô, idealizador do projeto, é criar um espaço aberto de participação, fora das zonas oficiais do evento, como as já conhecidas – a Blue Zone e Green Zone –. A requalificação está sendo realizada por meio de uma parceria também com o Comando Militar do Norte e a Prefeitura de Belém, com apoio da empresa Arruda Arquitetura e Restauro e da equipe da Amazônia Arqueologia, responsável pelo acompanhamento arqueológico.

“Nós nos perguntamos: por que o público jovem não está inserido no debate climático? Eles são os herdeiros de tudo isso. Então criamos a Freezone, um espaço aberto, democrático, de debate e arte. E queríamos que isso acontecesse em local popular, de fácil acesso, que precisasse de revitalização. Foi aí que chegamos à Praça da Bandeira”, diz Giovanni Dias, presidente executivo do Instituto Artô.

Segundo Giovanni, o espaço vai contar com arenas para fóruns de debates e espetáculos com temas ambientais e educacionais. “Teremos fóruns internacionais com jovens lideranças de vários países, teatro de arena, apresentações infantis, domos imersivos e um palco. Tudo isso com o objetivo de conectar arte, educação e sustentabilidade”.

O espaço contará com grandes domos, estruturas de até 25 metros de diâmetro e mais de 12 metros de altura, que abrigarão fóruns de debate, espaços culturais e experiências imersivas. Dois fóruns principais estão previstos: o “COP 30: o diálogo é de todos”, com foco em educação e participação ampla, e um fórum jovem, em parceria com a Cojovem, com lideranças globais como Malala Yousafzai. Haverá também um teatro de arena com espetáculos diários, como o “Crono Ecológico”, que narra a trajetória humana até os desafios climáticos atuais. 

Para o público infantil, apresentações como “A Árvore”, de Alessandra Negrini, e shows musicais com Palavra Cantada estão no cronograma. Artistas paraenses como Pinduca, Lia Sophia, Félix Robatto, Dona Onete, Arthur Espíndola são alguns dos nomes que compõem a programação musical, ao lado de atrações nacionais e internacionais em negociação. “Queremos que a Freezone seja um espaço de encontro, educação e arte, que realmente dialogue com a urgência do nosso tempo. Daqui 20, 30 anos, eles [os jovens] é que vão estar nas frentes políticas, sociais, no mercado de trabalho, então temos que introduzi-los”, afirma Giovanni.

Arquitetura

A transformação da praça também contempla cuidados técnicos com o patrimônio histórico. A arquitetura contempla dois momentos: o primeiro, processo de restauração e o segundo, de montagem para o evento. A arquiteta restauradora Tainá Arruda, da consultoria Arruda Arquitetura e Restauro, explica que os monumentos existentes serão preservados; para isso, só é possível através de um trabalho conjunto e multidisciplinar, que envolve arqueólogos, arquitetos, engenheiros, instituições públicas e organizações culturais.

“Todos os monumentos da praça estão sendo realocados temporariamente para restauração. Hoje em dia, eles estão com muitos danos. Alguns já apresentavam perdas, lacunas e danos estruturais”, comenta. Ao final da revitalização, os monumentos serão reintegrados ao espaço urbano, “valorizados nesse contexto, reintegrando ali e dando uma nova vida àquele espaço”.

O processo também passa por dificuldades de encontrar materiais mais robustos de estudo. “Mesmo com ajuda dos órgãos de patrimônio nesse processo, inclusive eles auxiliaram no processo da gente encontrar pessoas que já trabalharam no período. Tivemos o testemunho de pessoas de para poder a gente gerar documentos, ou seja, estamos gerando uma documentação que hoje a gente não encontra a nível de busca de pesquisa para embasar e respeitar o nosso processo histórico”, considera a arquiteta.