Instalada no último dia 24, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de Belém (CMB) criada para investigar possíveis irregularidades do contrato da Ciclus Amazônia S.A., empresa de coleta e gestão de resíduos sólidos, ou seja, de lixo, com a prefeitura da capital paraense, tem sua segunda reunião de trabalho marcada para o último dia de expediente legislativo da casa neste primeiro semestre: 30 de junho, segunda-feira. O regimento interno da casa não prevê o funcionamento de CPIs durante o recesso, então depois dessa data os trabalhos param e só voltam em agosto.
O propositor e membro-nato da Comissão, vereador Michell Durans (PSB), confirmou que, ainda na reunião de instalação, protocolou plano de trabalho com fundamentos técnicos, objetivos e estratégia metodológica, pensando no curto tempo de duração da CPI – 60 dias, prorrogáveis por mais 30. Na segunda-feira, a intenção é já fazer encaminhamentos para serem cumpridos assim que as atividades da CMB forem retomadas, no semestre que vem.
“Em função deste pouco tempo, propus uma distribuição temática por sub relatorias e ainda um cronograma, e ao final cada membro faz seu relatório para subsidiar a relatoria final”, detalhou. O relatório conclusivo será levado ao plenário da Câmara, ao Ministério Público e ao prefeito de Belém, Igor Normando (MDB).
A CPI da Ciclus tem na presidência o vereador Felipe Vinagre (União Brasil), Zezinho Lima (PL) como vice-presidente, e Jorge Vaz (PRD) como relator. Além de Durans, é membro Josias Higino (PSD), e são suplentes Marinor Brito (PSOL) e Augusto Santos (Republicanos). Caso haja interesse, outros vereadores podem pedir participação no andamento dos trabalhos, mas sem direito a voto.
Sob investigação
Michell Durans garante que há muitas respostas a serem dadas por parte da empresa, que já foi denunciada ao menos duas vezes pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (Semmac) por crimes contra o meio ambiente. Ele também quer saber o motivo de a Ciclus ter hoje um quantitativo menor de funcionários em relação ao que estava previsto no contrato firmado, ainda na gestão do ex-prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL), em abril de 2024.
“Pediremos cópias das guias de recolhimento do FGTS emitidas desde o ano passado até agora, e também queremos ouvir algumas pessoas que podem ajudar a entender como esse contrato tem sido executado, e já em agosto, como o diretor Rodrigo Pinheiro, o ex-procurador e signatário do contrato, Fernando Quintas Alves Filho, e o gerente geral de operações, Teodoro Rodrigues”, antecipa o parlamentar.
Não estão descartadas as convocações de ex-integrantes da prefeitura de Edmilson Rodrigues, mas Durans enfatiza que, se ocorrer, será com base em análises e justificativas técnicas. Também estão previstas visitas ao antigo Lixão do Aurá, na divisa entre Belém e Ananindeua, porque há condicionantes no contrato envolvendo assistência a famílias, cooperativas e catadores que ali atuam, mas que nunca saíram do papel.
“Outro encaminhamento que queremos formalizar é a abertura de um canal de denúncias dentro do site da Câmara Municipal de Belém para que a população possa fazer relatos, contar a situação daquele local”, informa o vereador.
Órgãos municipais estão em cima e tem dúvidas sobre manutenção do contrato
Responsável pela fiscalização do contrato, a Agência Reguladora Municipal de Belém (Arbel) está acompanhando de perto a operação da empresa, fortalecendo o supervisionamento, e mantendo diálogo com os órgãos de controle. O objetivo é assegurar que a cidade não seja prejudicada, especialmente em um tema tão sensível quanto a gestão de resíduos.
“A Arbel vê a investigação com naturalidade e considera a CPI uma medida legítima da Câmara Municipal de Belém. É fundamental que todo contrato público passe por avaliações transparentes, especialmente quando há indícios de falhas operacionais e ambientais”, enfatiza o titular da Agência, Ricardo Coelho.
De acordo com o gestor da Agência, em parceria com a Secretaria Municipal de Zeladoria e Conservação Urbana (Sezel), a prefeitura de Belém tem sido bastante vigilante, realizando notificações, autuações e vistorias técnicas. “Acreditamos que isso reforça a segurança jurídica e o compromisso com o interesse público”, justifica Coelho.
Ele confirma que o contrato entre Ciclus e o município de Belém segue em vigor, mas sob acompanhamento rigoroso. A empresa já foi notificada diversas vezes e autuada por problemas como transporte irregular de resíduos, presença de lixo hospitalar e falta de funcionários. As falhas, insiste Ricardo Coelho, comprometem diretamente a eficiência do sistema de coleta, colocam em risco a saúde pública e geram desgaste na relação com a população.
“Por isso, além da fiscalização técnica, a prefeitura também tem colaborado com os órgãos de investigação para que tudo seja apurado com transparência”, complementa.
O que pode acontecer
Já o titular da Sezel, Cleidson Chaves, não arrisca palpites sobre desdobramentos das investigações. No entanto, admite que a manutenção do contrato depende de mudanças efetivas por parte da empresa. Há inclusive um plano de reestruturação sendo apresentado, com promessas de contratação de mais pessoal e regularização de pendências.
“A prefeitura quer garantir que a população não seja penalizada com descontinuidade dos serviços. Mas é importante frisar: se não houver mudanças reais, o contrato pode sim ser revisto. Nosso foco é garantir que os serviços funcionem e que o modelo de parceria público-privada seja uma solução, e não um problema”, defende o secretário.
Para Coelho, neste momento CPI é essencial para avaliar se o modelo atual ainda é sustentável e eficiente. “A prefeitura está colaborando com dados, propostas técnicas e uma agenda integrada com o governo do estado para planejar a nova política de resíduos. Temos a responsabilidade de pensar a cidade a longo prazo, especialmente com a COP30 se aproximando. O que está em jogo é o futuro da política ambiental de Belém”, encerra o titular da Agência Reguladora de Belém.
Entenda o caso
Relatórios técnicos da prefeitura de Belém e da Sezel apontam falhas reiteradas na prestação dos serviços contratados, além da não execução de itens obrigatórios, como o Centro de Tratamento de Resíduos (CTR) e o sistema de gestão integrada. A empresa também foi multada em R$ 35 milhões pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), por crimes ambientais, como descarte irregular de lixo no antigo Lixão do Aurá. De acordo com Michell Durans, pelo menos mais de 200 notificações já foram emitidas por conta de supostas irregularidades cometidas pela Ciclus.