Na correria da avenida Almirante Barroso, onde o barulho dos carros e o ritmo acelerado do cotidiano costumam dominar, um espetáculo silencioso tem chamado a atenção de quem passa: a floração dos ipês. Cobertas da cor roxa, as flores transformam o cenário urbano em contemplação, despertando olhares e os celulares que buscam, ainda que timidamente, registrar a beleza da estação.
O ipê é uma árvore Handroathus, um gênero de plantas arbóreas nativas da América do Sul e encontrada em todo o território brasileiro. Esse vegetal pode chegar a 25 metros de altura, considerado como símbolo nacional do Brasil, em 1961. Se trata de uma árvore de tronco resistente, conhecida por perder as folhas para florir em cores vibrantes, podendo ser em tons de amarelo, rosa, roxo e branco.
De acordo com o professor Doutor em Ciências Agrárias da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), Cândido Neto, o processo de floração é induzido por diversos fatores climáticos, como temperatura, pluviosidade, seca e questão hídrica. Nesse processo, a idade, a quantidade de luz e a saúde da planta também são fatores essenciais que influenciam no florescimento da árvore.
“A idade da planta influencia também nesse processo de floração. A saúde da própria árvore, como é que essa árvore se encontra, se ela se encontra saudável ou não, se ela está atacada ou com alguma praga, alguma doença, ou também se ela está com uma nutrição adequada, se ela está bem adubada, a parte da quantidade de luz, o período de luz também [é importante]. A gente sabe que para cada região, o fotoperíodo muda de 8 horas, 10 horas, 12 horas, 14 horas. Então, se esse tempo muda, a intensidade de luz também, que é um dos fatores que também influenciam na floração”, aponta.
Dependendo do regime de sol e chuva, responsável por um período florido longo ou mais curto, os ipês costumam seguir um calendário de florescimento em função da temperatura de cada região brasileira. Sendo assim, os primeiros a brotar são os ipês roxos, seguidos do amarelo, rosa e o branco. A diferença de floração ocorre devido a diferença das espécies, o que evita a concorrência pelos polinizadores.
Na região amazônica, especificamente em Belém, o processo de floração inicia em julho estendendo-se até agosto, e, posteriormente, entre o final de setembro e começo de outubro, as flores começam a cair. Na capital paraense, o principal fator que induz a floração é o processo fisiológico, causado pelas altas temperaturas e o status hídrico.
“O período que chove menos em Belém, uma estação mais seca é aí que a planta, como sinal fisiológico, verifica que está começando a faltar água naquele meio que ela está. Imediatamente, as folhas começam a cair para evitar a perda de água e, consequentemente, ela começa a induzir a floração como se fosse uma saída para produzir as suas flores e posteriormente as suas sementes para perpetuar a espécie. A seca é indutora da floração dos ipês aqui”, explicou o doutor.
Este ano, alguns ipês da avenida Almirante Barroso floresceram em setembro, diferentemente dos períodos anteriores, quando o vegetal deu flor em agosto. Segundo Cândido Neto, este fenômeno está atrelado à questão das mudanças climáticas, especificamente ao regime de chuvas, que podem alterar o calendário padrão dos períodos de floração tradicionais.
“A gente verificou que este ano a gente teve período que choveu bastante em junho, julho ainda teve algumas pancadas de chuva. Então, como eu falei anteriormente, em Belém, a floração dos ipês é induzida principalmente por essa falta de chuva, por esse estresse hídrico. Consequentemente, essas mudanças climáticas, essas mudanças na pluviosidade da nossa região, ela pode, sim, causar essa floração mais tardia, mais desordenada, inclusive entre as espécies de ipê”, esclareceu.
CORES
Ainda conforme Neto, em Belém os ipês rosas são maioria por se mostrarem mais tolerante ao clima tropical e o solo mais pobre da região amazônica. “A quantidade maior que nós visualizamos aqui, basicamente em função do plano histórico da arborização nossa cidade, são os ipês rosa, em função das suas características de resistência mais próxima para tolerar a nossa região, mas também a gente encontra bastante também o roxo, o amarelo, e alguns brancos”, disse.
IMPACTOS
Apesar de embelezar a cidade e promover a socialização, os ipês não são muito adequados no processo de arborização urbana. Isso porque, durante a flora, a árvore perde a sua copa vegetativa, já que as folhas caem quase completamente, restando apenas as flores, que duram cerca de cinco dias. A perda das folhas ocasiona na diminuição da sombra e, no período mais quente, Belém precisa de árvores com copas permanentes.
“A gente pode usar o ipê sim, mas de uma forma mais adequada, em um local mais para paisagismo, em praça, em algumas ruas, mas que misture com plantas de copas perenes, com folhas que não caem. A gente já fez um levantamento ali no Almirante Barroso, quando as plantas estão todas no estágio vegetativo, todas com as folhas, a temperatura é X. No período que flora e cai as flores e as folhas, a temperatura pode aumentar ali, naquele corredor, de 1 a 2,5 graus. Ou seja, há um aumento da temperatura porque se perdeu as copas dessas plantas”, concluiu.
COLORIDO
A Almirante Barroso é caminho diário da babá Kátia Correa, 57, que trabalha em um edifício próximo a avenida. Em contato direto com os ipês, ela conta que a floração da planta proporciona uma vista incrível do apartamento onde trabalha, como um grande corredor florido. Apesar disso, ela diz que este ano a floração foi “devagar”, o que lamenta, já que os ipês colorem a avenida nesta época do ano.
“Tá devagar, geralmente é mais florido. Eu gosto de ver quando tá florido, a gente bate foto lá de cima, fica muito bonito. Eu trabalho lá no último andar e de lá dá pra ver benzinho. Eu acho que esse ano não vai mais florir como antes, por causa do clima muito seco. Acho que esses ipês dão um pouco de beleza pra rua, mas deveria ter mais”, disse.
Caminhando pela Almirante Barroso, o economista Sérgio David, 65 anos, se deparou com o florido dos ipês bem em frente ao Bosque Rodrigues Alves. Admirado, ele aproveitou para tirar uma foto do contraste entre as plantas floridas e os vegetais do jardim botânico, que apresentam uma diferença significativa entre o porte e o tipo de folhagem. Para ele, os ipês embelezam uma das principais vias da cidade, tendo sido a plantação das mudas uma escolha apropriada para o espaço.
“Eu não tenho esse hábito de tirar foto, mas os ipês me chamaram atenção, principalmente pelo contraste com as plantas do Bosque. Eu já passo há muito tempo por aqui e achei muito interessante por que essas flores são típicas dessa época. Eu acho que embeleza muito a cidade, deixa muito mais colorida essa avenida. Foi uma escolha muito bem acertada ter esse tipo de planta nesse local”, ponderou.