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Café: bebida especial para todos os dias

Café: bebida especial para todos os dias
Fotos: Irene Almeida

Quando se pensa em apreciar um bom café, as opções disponíveis no mercado atualmente vão muito além do café simples coado. A bebida tradicional das refeições do início da manhã e também do final da tarde pode ganhar um sabor diferente com as muitas formas de preparo existentes e se considerado, sobretudo, as especificidades do café classificado como especial.

O Brasil não é apenas o maior produtor de café do mundo – com uma produção que chegou a 66,4 milhões de sacas de café em 2023 -, como também é o segundo maior consumidor da bebida, ficando atrás apenas dos Estados Unidos da América. Essa preferência dos brasileiros também tem se refletido, nos últimos anos, em um paladar cada vez mais exigente para a qualidade da bebida. Realidade que também é percebida na capital do Pará.

Atuando no mercado de cafés especiais desde 2008, em Belém, o empresário e criador do Alquimista Bebidas Especiais, Bruno Wariss, lembra que o cenário vivenciado no início é bem diferente do visto hoje.

“Quando a gente começou não tinha muita demanda pelos cafés especiais. Não tinham muitas cafeterias, então, a gente tentava focar em restaurantes”, recorda, ele que também torrefador de café, o terceiro da geração da família. “Mas, aos poucos, isso foi sendo revertido. Agora em 2024 o que acontece é o justo oposto, as pessoas estão fortemente em busca de café especial. A gente vende cerca de uma tonelada de café especial por mês”.

Além de representar uma marca de máquinas de café italianas, a empresa também compra café cru de várias regiões do Brasil – principalmente Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo -, torra em Belém e apresenta opções de cafés para cafeterias. Não apenas na procura pelos cafés, mas também na demanda por profissionais especializados na produção da bebida,

Bruno Wariss considera que Belém vivencia um novo cenário em que os cafés especiais são cada vez mais demandados. “Quando eu comecei, que eu tentava vender curso de barista, era impossível. Hoje a gente treina 2 mil pessoas por ano, entre baristas profissionais, que vão trabalhar na área; donos de cafeterias e coffee lovers, pessoas que querem fazer um bom café em casa”.

Bruno Wariss

PREPARO

Quando se trata de explorar as diferentes formas de preparo existentes da bebida, a figura do barista – como é chamado o profissional especializado no preparo de café de qualidade – também se destaca. Barista internacional, Cássio Marques explica que, mais do que saber como preparar a bebida, o barista precisa apresentar para o consumidor as características do café que é servido ao consumidor.

“Quando se fala de treinamento de baristas e de cafeterias que trabalham com café especial, o barista tem que saber que café ele está apresentando e a sua origem. Informações sobre o produtor daquele café, sobre a forma como ele cuidou, sobre a forma que ele colheu, sobre a forma que aquele café foi torrado porque isso vai dar notas sensoriais ao café”.

Cássio aponta que todos esses elementos interferem na qualidade e nas sensações que a bebida irá proporcionar a quem a consome. A própria moagem do grão, por exemplo, vai influenciar diretamente o melhor método indicado para a extração do café. “Por exemplo, eu tenho um moedor que é exclusivo para máquina de expresso porque a máquina de expresso funciona por meio de pressão, então, eu preciso de uma moagem mais fina para que a água tenha certa dificuldade de passar por meio do café, porém, os outros métodos não”, explica.

“Eu vou ter método que utiliza a gravidade, que é toda a forma de café em que você coloca o pó, joga a água e a água passa pelo café e cai embaixo. A forma de infusão é todo método em que você colocar o pó e deixar água lá por um tempo. E ainda tem os métodos híbridos, em que você coloca o café, coloca a água, deixa um tempo e depois pressiona, então temos infusão e depois pressão. Partindo disso, cada moagem é para um método específico”.

Mesmo no Método V60, que utiliza um utensílio mais conhecido da maioria da população em geral, o filtro de papel, os detalhes podem interferir no resultado final da bebida. Neste método japonês criado em 2005, o café é extraído por gravidade, sendo utilizado um porta-filtro que apresenta veios na sua parte interna que fazem com que a velocidade da descida da bebida até a xícara seja contínua e uniforme.

RECEITA

Cássio explica que, nesta forma de extração, é utilizada uma receita para que os detalhes da produção da bebida sejam controlados. A cada adição de água que se faz, uma característica específica presente no café é extraída. O barista aponta que a primeira etapa, chamada de pré-infusão, é a que possibilita que o café libere o aroma e os gases. Já na segunda adição de água se consegue fazer a extração da acidez; a terceira é para extrair a doçura e, por fim, eu lanço água novamente para extrair o amargor.

“O café é muito complexo, os detalhes fazem a diferença. Então, nós precisamos de receitas para o preparo de um café especial. É por essa razão que utilizamos a balança”, pontua. “É muito importante sabermos a quantidade de pó que vamos usar, a quantidade de água, o espaço de tempo que a água vai ser despejada, porque os detalhes influenciam o sabor do café. Nós costumamos usar a receita de a cada uma grama de café, 14 ml de água”.

Todo esse conhecimento envolvido na preparação de um café especial também atraiu o barista Andrez Ricardo para a profissão, além do gosto pessoal pela bebida. Andrez lembra que trabalhava na área de bares e restaurantes em Belém, quando teve a oportunidade de ir trabalhar em Salvador, na Bahia. Lá ele se formou como barista e, quando precisou retornar para Belém, encontrou na profissão a oportunidade que buscava. “Em 2020, naquela loucura da pandemia, eu retornei para Belém e como eu tinha feito o curso de barista e sempre gostei e gosto muito de café, eu quis seguir nesse mundo. Eu conheci o Moage, que estava abrindo em 2020, e nós começamos a fazer um serviço diferenciado no atendimento do café”.

Andrez Ricardo

DEMANDA

Na cafeteria voltada para cafés especiais, o barista também vem observando uma demanda cada vez maior em Belém e considera que o profissional da área também tem o compromisso em apresentar novas experiências e formas de preparo aos clientes. “Tem várias formas de você apresentar, não somente servir um cafezinho quente, mas fazer café quente e café gelado. Uma coisa que as pessoas estão começando a conhecer aqui em Belém é o café gelado”.

Não apenas o modo de preparo escolhido, mas sobretudo os cuidados pré e pós colheita também interferem no resultado final da bebida. Andrez explica que um café especial tem que ter procedência.

“A procedência é muito importante para o café especial, saber qual foi a região que ele foi plantado, qual foi o produtor e até quem torrou o café. E, além do mais, tem as variedades de café, as diferentes notas sensoriais. Tudo isso faz diferença no sabor”.

Como são definidos os cafés

Os chamados cafés especiais não recebem esse nome à toa. Bruno Wariss, explica que existe um órgão internacional chamado SCA (Specialty Coffee Association, em inglês) que determina tudo o que acontece no mundo dos cafés especiais, desde a hora em que ele é plantado, até a hora em que ele chega à mesa do cliente.

Para se definir a classificação de determinado café é utilizado um protocolo aplicado por um profissional chamado quality grader (ou avaliador de qualidade, em tradução livre) que é associado à SCA após ser aprovado em uma prova que precisa ser renovada a cada três anos.

“O café produzido por uma fazenda que tomou vários cuidados para apresentar o melhor que tem a oferecer vai para a mesa do quality grader, que prova o café e tem uma ficha onde ele vai avaliar o café considerando critérios como o corpo, o sabor, a doçura do café, a acidez, a finalização e, ao final dessa avaliação, ele dá uma pontuação para o café que vai de zero a 100 pontos”, explica.

Os cafés que recebem pontuação de 80 pontos para cima são classificados como especiais. Porém, do 80 ao 100 existe uma infinidade de sabores e notas sensoriais proporcionados pelos cafés especiais.

“Quando eu pego um pacote de café especial que eu nunca vi, eu penso em que notas sensoriais esse café pode dar, pode ser notas de chocolate, notas de caramelo, baunilha, açúcar mascavo, rapadura. Podem ser notas mais complexas também como uva, pêssego, maçã. Então, existe um espectro sensorial muito grande que o café pode nos dá”.

Bruno explica que abaixo do café especial, vem a classificação chamada ‘gourmet’, abaixo dela a classificação ‘superior’, depois a ‘tradicional’, muito encontrada nos supermercados, em seguida a classificação ‘extraforte’ e, por fim, há uma classificação chamada ‘impróprio para o consumo humano’. Na classificação ‘extraforte’, portanto própria para o consumo segundo os órgãos fiscalizadores, é permitido 20% de impureza em um pacote de 250 gramas.

No caso dos cafés especiais, não se encontram essas chamadas impurezas. “Quando se está abaixo desse nível se começa a encontrar níveis de impureza, como grãos defeituosos, grãos verdes, que não tiveram a maturação correta, grãos que foram acometidos por pragas”.