RUAS HISTÓRICAS

Alcindo Cacela: Como o lixo criou uma das vias importantes de Belém

A avenida Alcindo Cacela iniciou a partir da criação da Usina Crematória de dejetos criada por Antônio Lemos

Comércio é forte na via FOTOs: mauro ângelo
Comércio é forte na via FOTOs: mauro ângelo

Muito diferente do cenário visto hoje na avenida Alcindo Cacela, no período de mudanças promovidas pelo então intendente de Belém Antônio Lemos, que governou a cidade entre 1897 e 1910, a extensa avenida ainda atendia pelo nome de 22 de Junho.

Na Belém do final do século XIX e início do século XX, a via ainda era considerada afastada do centro urbano de Belém e foi justamente ela a escolhida para receber, em 1901, a implantação da antiga Usina Crematória de Lixo de Belém, construção que está diretamente ligada ao surgimento do próprio bairro da Cremação.

Marcado pelas ideias de modernização, civilização e higienização da cidade, o governo de Lemos viu na questão do lixo e do mau odor provocado pelo seu despejo irregular pelas ruas de Belém um motivo para a construção de uma Usina de Cremação de Lixo em uma área mais afastada da cidade à época.

No momento em que Antônio Lemos decide construir um forno em que fosse possível cremar todo o lixo da cidade e também os corpos de animais mortos, a área onde hoje se vê a avenida Alcindo Cacela, era inabitada. Mas é a partir dali que se inicia uma nova expansão da cidade de Belém.

Professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), o historiador Diego Pereira Santos lembra que quando se considera essa dimensão em que a avenida Alcindo Cacela passa a ter um significado histórico mais significativo para o desenvolvimento da cidade, é o momento em que essa rua é inaugurada, ainda com outro nome.

“Na verdade, essa rua foi inaugurada com o nome de Rua 22 de Junho, que fazia referência à data de promulgação da Constituição do Estado do Pará no ano de 1891. E ela é inaugurada pelo Intendente Antônio Lemos, não a Alcindo Cacela, mas a Rua 22 de Junho”, explica.

“Essa rua tem um significado importante porque ela passa a interligar o bairro de Nazaré ao forno crematório. Então, essa dimensão alargada da cidade passa a se constituir. Enquanto essa Primeira Légua Patrimonial, é uma cidade que se expande tanto para o interior, especialmente a partir do final do século XIX e início do século XX, e nesse sentido é ligada à intendência do Antônio Lemos”.

Neste cenário em que Belém vivencia um momento de expansão, em termos de organização espacial, aquela região da Rua 22 de Junho é uma área que começa a se tornar um pouco mais central. O professor lembra que ainda era uma área relativamente afastada do centro naquele contexto, mas que já estava vivenciando esse processo de expansão que posteriormente veio resultar na atual configuração daquele trecho da capital paraense.

O atual nome da avenida que hoje recebe um fluxo intenso de veículos e que passa não apenas pelos bairros da Condor e Cremação, mas também por Nazaré e Umarizal, foi dado anos mais tarde e faz referência a um importante personagem. “O nome Alcindo Cacela tem a ver com um personagem muito importante da nossa história, que foi Prefeito de Belém em 1935, e o governo dele vai durar até 1939”, explica o historiador.

“O Alcindo Comba do Amaral Cacela é um sujeito muito importante. Há um diálogo dele muito forte com o processo de arruamentos e de expansão da cidade não somente do centro de Belém, mas do seu entorno também, no caso do Mosqueiro”.

O professor relata, ainda, que é Alcindo Cacela quem também vai inaugurar o Laboratório de Farmacologia da Faculdade de Medicina, no ano de 1938. “Ele constituiu e montou todo o laboratório que, inclusive, tem o nome em homenagem a ele. E tem a ver com essa memória histórica da própria medicina no Estado do Pará. Ele também é uma figura interessante porque a sua imagem passou a uma dimensão também memorial, que está inclusive hoje presente no Museu de Arte de Belém, em uma tela que foi pintada por uma artista chamada Antonieta Santos Feio. Não à toa também foi um dos membros do Instituto Histórico e Geográfico do Pará”.

Foi quando a larga avenida já atendia pelo nome de Alcindo Cacela que o autônomo Raimundo Nonato Souza, 77 anos, teve a sua história ligada à rua. Há 37 anos ele tem a avenida como local de trabalho, já no bairro do Umarizal, quase chegando na avenida Pedro Miranda.

Ele lembra que quando decidiu montar sua venda de bombons no local, a universidade particular que hoje se encontra no perímetro ainda atendia pelo nome de UNESpa, em meados da década de 80. “Nesse tempo as coisas mudaram muito, o movimento das pessoas já foi muito maior. Mas ainda é bom para trabalhar”.

Ainda que nas últimas décadas o cenário urbano de Belém já fosse parecido com o que se vê hoje, algumas mudanças ainda foram acompanhadas por quem, assim como Raimundo Nonato, convive diariamente com a avenida Alcindo Cacela. O também autônomo Gil Negrão trabalha na via há 26 anos e lembra das mudanças sofridas no trânsito nos últimos anos.

“Antes essa avenida era duas mãos, depois que passou a ser uma mão só. Esse trânsito já mudou umas duas vezes. Por último, agora, só é permitido estacionar de um lado da pista”, recorda. “Quando eu comecei a trabalhar aqui ainda era a UNESpa e algumas ruas aqui do entorno não eram nem asfaltadas ainda, só da Alcindo Cacela pra frente. Então, mudou muito”.

PARA ENTENDER

A USINA de cremação

l Mandado fazer em Paris pela então Intendência Municipal, o Álbum de Belém de 1902, que faz parte do Acervo Digitalizado de Obras Raras da Biblioteca Pública Arthur Vianna, registra parte da história da Usina de Cremação de Belém.

l A publicação descreve a construção como ‘um grande forno com várias bocas dispostas de modo a nelas se justaporem os veículos que transportam o lixo da cidade. Além disso, a máquina crematória incinera por modernos processos os animais mortos que se lhe às fornalhas, o que constitui para a higiene pública uma sólida garantia’.

l O livro destaca, ainda, que à época a usina estava ‘situada a curta distância da cidade, em um trecho pouco edificado, permitindo a facilidade dos transportes de lixo e animais mortos, cuja incineração ali se faz de modo mais prático e pelos processos regulados pela moderna higiene’ e que a estrutura era ‘imprescindível numa capital populosa com tendência a diariamente crescer’.

REGISTROS

l O Álbum de Belém de 1902 mantém um dos raros registros dos primeiros anos de funcionamento da Usina de Cremação de Belém, feito pelo fotógrafo Felipe Augusto Fidanza. Na foto é possível ver a parte administrativa da usina, preservada até hoje, e ao fundo a chaminé do forno crematório.

l Em um postal registrado pelo álbum ‘Belém da Saudade’, é possível ver a Rua 22 de Junho (hoje Avenida Alcindo Cacela) sob a perspectiva tomada no cruzamento com a Avenida Gentil Bittencourt, em direção ao bairro da Cremação. Hoje a asfaltada Alcindo Cacela recebe um grande fluxo de veículos e é repleta de prédios, casas e comércios.

Uzina de Cremação, na antiga avenida 22 de Junho. Foto: Reprodução Álbum de Belém de 1902
Uzina de Cremação, na antiga avenida 22 de Junho. Foto: Reprodução Álbum de Belém de 1902