Um simples rolê por algum lugar pouco explorado da cidade pode ser o ponto de partida para uma forma de empreendedorismo que tem alcançado números cada vez mais expressivos no Brasil, a creator economy – ou economia dos criadores de conteúdo. De acordo com um estudo realizado pela plataforma Influency.me, o número de influenciadores digitais no país passou de 2 milhões neste ano, um salto de 67% entre 2024 e 2025.
Tendo como produto o próprio conteúdo criado para alimentar diferentes redes sociais de acesso gratuito, a creator economy encara os influenciadores como empreendedores, o que demanda uma atuação que vai além da criatividade para a produção de textos, imagens e vídeos. Envolve, também, conhecimentos sobre gestão, estratégia, planejamento e constância.
Em muitos casos, o ponto de virada chega quando a pessoa por trás da criação de conteúdo se pergunta: e se eu encarasse essa atividade como o meu trabalho? O que decorre depois desse questionamento é a profissionalização desse trabalho, que passa a ser encarada realmente como um negócio, um meio de empreender. É quando o número de seguidores começa a crescer, o engajamento ganha outra proporção e o retorno financeiro se torna palpável.
Para a paraense Katte (@generalmorango), 31 anos, o momento de ‘virada de chave’ chegou em meados de janeiro de 2024. Mas bem antes disso ela já criava conteúdos para as redes sociais. Psicóloga e mestre em teoria e pesquisa do comportamento, ela começou a criar conteúdos relacionados à sua profissão, ao mesmo tempo em que postava, em seu perfil pessoal, algumas dicas de lugares que gostava de visitar. Nesse processo, ela acabou se encantando pela criação de conteúdo.
“Eu gostei muito desse mundo de criação de conteúdo, de postar, ver como o algoritmo do Instagram funciona. E eu sempre gostei muito de conhecer novos lugares também, de fazer rolês, de descobrir coisas diferentes, lugares que ainda não eram muito conhecidos”, recorda. “Então, todo rolê diferentão eu estava e as pessoas começaram a me pedir dicas. Aí eu pensei: ‘Quer saber? Eu vou fazer um rolê e vou gravar’”.
Na época, Katte lembra que já tinha começado a acompanhar alguns vídeos no estilo review, formato em que o influenciador faz uma avaliação e fala sobre a sua experiência com o uso de algum produto, serviço ou de um lugar visitado. E foi esse o caminho encontrado por ela.
“Eu fui para um restaurante na Ilha do Maracujá com a minha família e gravei tudo, editei o vídeo. Depois eu fui para um outro rolê no Trapiche do Lulu, um rolê que você entra pelo Utinga, vai de bike por uma trilha, depois chega lá, toma banho de rio, come peixe com açaí. Já era um rolê conhecido, mas não por tanta gente como é agora”, lembra. “E acabou que eu criei um TikTok para postar esses vídeos e em menos de uma semana eu já tinha 10 mil seguidores. Os vídeos viralizaram muito e eu gostei de fazer isso. Eu comecei a fazer mais vezes e começaram a me convidar para conhecer os estabelecimentos”.
Foi quando os convites para conhecer outros locais, recebendo por isso, começaram a chegar, que Katte percebeu que estava diante de uma oportunidade real de ter um negócio próprio, onde o seu principal produto seria o conteúdo produzido para a internet. “Uma marca de cosméticos naturais que usam bioativos da Amazônia chegou em mim porque a dona dessa marca viu o meu vídeo no Trapiche do Lulu e ela me procurou porque queria um vídeo desse para a fábrica dela que fica em Icoaraci. E ela perguntou quanto eu cobrava. E eu: ‘Meu Deus, querem me pagar para ir lá fazer o vídeo, para editar, pra postar na internet’. E aí foi a minha primeira publicidade”.
Se até aquele momento, os conteúdos criados por Katte não tinham tanta constância, quando ela decidiu investir na atividade como uma forma de empreender, isso mudou. A partir de janeiro de 2024, ela passou a ser mais presente nas redes e a ter um planejamento para a publicação de seus vídeos, seguindo sempre o nicho voltado para as dicas de lugares e experiências a conhecer. “Eu comecei a me dedicar de fato no início de 2024 e os resultados começaram a vir. As pessoas começaram a me ver, eu comecei a ter mais seguidores”, lembra. “Hoje em dia é algo que eu dedico muito mais tempo do que ser psicóloga, por exemplo”.
Entre os conteúdos que Katte sabe que vão ter uma boa receptividade pelo seu público, que atualmente soma 90,4 mil seguidores no Instagram, ela destaca os que destacam particularidades de Belém e do Estado do Pará. “Eu ia atrás de coisas que eu sabia que iam chamar a atenção do público. Eu comecei a viralizar, por exemplo, falando do picolé de tacacá, sorvete de açaí com camarão, coisas diferentes e regionais, porque o público daqui gosta bastante das coisas que são regionais e eu sou apaixonada por tudo aqui também. Eu moro em Belém desde 2010, eu sou de Parauapebas, no Sudeste do Pará”, conta.
“Então, eu fui aprendendo a me posicionar aos poucos. A me posicionar com os seguidores, a me posicionar com os empresários, com os clientes e aí as coisas melhoraram bastante, inclusive depois que eu comecei a ter contato com outros influenciadores”.
A trajetória de criadores de conteúdo paraenses
O compartilhamento das experiências vivenciadas em diferentes rolês também é o nicho de atuação da Byanka Martins Souza (@byankasouza_), 31 anos. Assim como Katte, a atuação como criadora de conteúdo também aconteceu quase por acaso para Byanka. Formada em estética e cosmetologia, ela lembra que começou a gravar e editar vídeos para a internet sobre temas ligados à maquiagem e dicas de beleza, mas as coisas mudaram realmente a partir de um conteúdo em que ela falou sobre a experiência de uma viagem.
“Eu comecei na internet com conteúdos de maquiagem, dicas de beleza, só que era algo que não me dava um retorno. Mas um dia eu fui fazer uma viagem para os Lençóis Maranhenses e a Eloísa, que hoje trabalha comigo, falou: ‘por que que tu não postas o conteúdo? Tá tão bonito’. E aí eu postei quanto eu gastei para ir de Belém para os Lençóis”.
Toda essa trajetória de Byanka começou há cerca de três anos e hoje ela já se dedica integralmente à atuação como criadora de conteúdo. Somando mais de 660 mil seguidores no Instagram e no TikTok, hoje ela tem o auxílio de uma assessora em Belém e de uma agência. “Eu larguei a estética para trabalhar só com a internet porque eu não estava mais conseguindo atender as minhas clientes. Então, eu resolvi apostar mesmo na criação de conteúdo e deu muito certo. Hoje eu me vejo como uma empreendedora, realmente”, conta. “Hoje eu tenho uma agência e tenho uma assessora, a Heloísa. A gente senta todo início de mês e monta um cronograma de 60 vídeos por mês. E haja criatividade para pensar em conteúdos diferentes, mas tem dado certo”.
A importância do planejamento
Aos 24 anos de idade, Ronaldy Silva (@ronydocs) também já precisou fazer a escolha de se dedicar exclusivamente ao empreendedorismo. Formado em publicidade, com pós-graduação em marketing, ele também começou criando conteúdo para a internet sem a intenção de atuar profissionalmente na área, mas foi exatamente por este caminho que a internet o levou.
“Eu sempre gostei muito dessa parte audiovisual e, primeiramente, eu criei conteúdo no YouTube e fiquei lá por 4 anos, mas nunca deu muito certo para mim porque o YouTube é uma rede muito difícil para crescer. Para crescer no Youtube é preciso fazer um conteúdo nacional e eu fazia muito conteúdo regional”, considera.
“Eu fazia o que eu chamava de minidocumentário. Eu saía por aí com a minha câmera, filmava o local de uma forma mais cinematográfica, fazia uma edição legal, uma narração com um roteiro. E durante a minha trajetória no YouTube eu acumulei um pouco mais de 2.100 seguidores”.
Desanimado por acreditar que seus conteúdos não eram tão visualizados como ele gostaria, Rony decidiu voltar para a cidade natal, Bragança, após a conclusão da faculdade. Ao mesmo tempo em que matava a saudade da mãe, ele fez a sua pós-graduação e, em Bragança mesmo, começou a gravar alguns vídeos de suas saídas para pedalar e a postar no TikTok. E tudo começou a dar muito certo. “Eu tive um retorno em tão pouco tempo que eu não tive durante os quatro anos que eu fiquei no YouTube. Eu voltava para Belém mensalmente e também comecei a fazer vídeos dos locais que eu ia em Belém, dos restaurantes e deu muito certo também. Eu cresci muito também por causa de Belém”.
Hoje, os conteúdos postados por Rony no Instagram chegam aos seus 46,8 mil seguidores. Na rede, ele compartilha conteúdos ligados a turismo, experiências e dicas.
“Confesso que eu nunca pensei que ia dar certo viver da criação de conteúdo. Os meus planos depois da faculdade eram fazer mestrado e doutorado, eu me espelhava muito na minha mãe, e trabalhar no mercado. Só que quando eu comecei a postar os vídeos no Instagram, os estabelecimentos começaram a me chamar, me pagar, eu pensei ‘e se eu dedicar mais tempo para isso?’ Eu realmente gosto de fazer isso, me encontrei na criação de conteúdo”, avalia. “Agora eu vejo a criação de conteúdo, realmente, como o meu futuro e invisto nisso. Até um mês atrás eu estava empregado como CLT e saí. Estou totalmente focado na internet agora e eu consigo tirar uma renda mensal que me mantém”.
Com as oportunidades proporcionadas pela atuação nas redes, Rony lembra que também veio a responsabilidade. “No início, muitas pessoas começam de forma aleatória, postando a sua rotina e as pessoas começam a te seguir porque elas gostam de você. Mas depois que você vê que começa a dar certo, quando você começa a ganhar dinheiro, a gente tem que ter de fato um planejamento. Planejar as nossas postagens da semana, as nossas pautas, ver o que dá certo para o nosso público, o que não dá. Por exemplo, com o meu público dá muito certo conteúdos sobre museus e rolês gratuitos. Eu já sei que se eu postar um vídeo sobre esses assuntos, vai viralizar. Mas eu não posto só isso porque eu quero atingir outros públicos também”.
Oportunidades para pequenos negócios
Se as redes sociais são espaço fértil para quem deseja empreender como criador de conteúdo, elas também podem ser aliadas de empreendedores que atuam em outros segmentos e que precisam consolidar a sua marca e alcançar novos públicos.
O gerente de Relacionamento Empresarial do Sebrae no Pará, Antônio Romero, avalia que as estratégias de marketing digital têm sido cada vez mais utilizadas pelos pequenos negócios.
“A gente tem percebido, cada vez mais, e inclusive em pesquisas como a Pulso dos Pequenos Negócios que o Sebrae conduz, a utilização, empreendedores, das estratégias de marketing digital como um todo, através das redes sociais, aplicativos ou até mesmo da inteligência artificial”, aponta.
“Pelo menos 80% dos empreendedores, hoje, aqui no Pará, já fazem a adoção de alguma estratégia e ferramenta para utilização como canal de venda, como criação de conteúdo, como abordagem realmente dentro do atendimento dos clientes ou até mesmo do modelo de negócio como um todo, que, em muitos casos, já nasce dentro do ambiente digital”.
Entre as estratégias que podem ser adotadas pelos empreendedores, Antônio Romero destaca a criação de conteúdo relevante, autêntico e que tenha a capacidade de envolver o público-alvo. “Boa parte hoje dos algoritmos das principais redes que estão disponíveis favorecem a utilização de conteúdos que sejam relevantes para o público, que haja uma interação, que haja o favorecimento de uma conversa”, avalia.
“Para fins de consolidação de marca de todo e qualquer negócio, isso é fundamental porque você entende como o pequeno negócio começa a se posicionar pensando nas necessidades do cliente, tendo uma visão muito mais ampla de uma relação de fato com aquele público para que o engajamento seja maior, para que o alcance seja maior e a recomendação também seja maior”.
Nesse sentido, o gerente de Relacionamento Empresarial do Sebrae no Pará destaca que é interessante pensar na adoção de estratégias que são utilizadas dentro do ambiente digital, se posicionar de forma equilibrada e utilizar uma linguagem adequada para cada tipo de plataforma.
“O Instagram tem um apelo muito visual, o TikTok tem um conteúdo que precisa ser mais dinâmico, autêntico. O LinkedIn tem outra abordagem, muito mais informativa. Então, cada nicho de negócio, cada segmento de negócio acaba tendo uma adequação e uma vocação muito maior para um determinado tipo de plataforma, mas é importante observar o comportamento desse público para que eu possa adequar de forma mais correta a minha comunicação e a minha linguagem, a maneira como eu produzo o conteúdo”, orienta.
“Nesse processo, você também conta com apoio de pessoas, por meio de colaborações com influenciadores digitais e de parcerias que podem ser feitas com outros profissionais ou outras empresas para uma construção e ampliação da marca”.