As florestas tropicais de todo o mundo, inclusive as mais conservadas, já estão sendo afetadas pelas alterações climáticas decorrentes do aquecimento global. Um estudo recente revelou mudanças significativas na temperatura média em aproximadamente 9 milhões de quilômetros quadrados de áreas florestais nos últimos trinta anos.
Publicado na revista Nature Climate Change e assinado por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, o artigo “Novel temperatures are already widespread beneath the world’s tropical forest canopies” analisou dados microclimáticos e registros de campo em 300 mil pontos de coleta em regiões tropicais, incluindo Brasil, Peru, Uganda, República Democrática do Congo e Malásia. A pesquisa contou com a colaboração da Rede Amazônia Sustentável (RAS), coordenada pela Embrapa Amazônia Oriental (PA), envolvendo mais de 30 instituições.
Os pesquisadores mediram as temperaturas abaixo das copas das árvores, praticamente no chão da floresta, de hora em hora entre 1990 e 2019. Descobriram que, nos últimos 14 anos, o regime de temperatura saiu da faixa histórica registrada entre 1990 e 2004. Muitas florestas tropicais não perturbadas experimentaram condições climáticas significativamente diferentes das médias históricas, com algumas apresentando temperaturas quase totalmente novas. Áreas afetadas incluem parques nacionais, reservas indígenas e grandes extensões de áreas ecologicamente intactas.
Desafios
O estudo desafia a ideia de que as copas das florestas tropicais podem mitigar os impactos das mudanças climáticas. “Nosso estudo desafia a noção predominante de que as copas das florestas tropicais irão mitigar os impactos das mudanças climáticas e nos ajuda a entender como priorizar a conservação dessas áreas-chave da biodiversidade de forma eficaz”, afirma Alexander Lees, co-autor do estudo e pesquisador da Universidade Metropolitana de Manchester. Ele ressalta a importância de compreender como priorizar a conservação dessas áreas para proteger a biodiversidade.
A América Latina, especialmente o sul da Amazônia e os Andes, experimentou as maiores mudanças em termos de temperatura. O estudo aponta a queima de combustíveis fósseis, desmatamento e queimadas como principais causas dessas mudanças.
Até recentemente, as temperaturas dentro das florestas eram estáveis, permitindo que a biodiversidade evoluísse em uma faixa estreita de temperaturas. No entanto, mudanças no microclima podem impactar diretamente a biodiversidade local e as funções ecológicas das áreas. As florestas tropicais abrigam uma grande parte das espécies de vertebrados e plantas do mundo e são extremamente sensíveis às mudanças climáticas.
“Essas florestas, que abrigam muitas das espécies altamente especializadas do mundo, são particularmente sensíveis até mesmo às pequenas mudanças climáticas. Para proporcionar às espécies a melhor oportunidade de se adaptar às mudanças, as florestas devem ser conservadas e protegidas frente à ação humana”, afirma Brittany Trew, principal autora do estudo e pesquisadora da Universidade de Exeter.
As mudanças, segundo o estudo, foram mais exacerbadas nas áreas de floresta mais conservadas quando comparadas às florestas fragmentadas e degradadas. “As áreas mais fragmentadas são mais ‘resistentes’ às variações climáticas”, explica Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental.
Em florestas fragmentadas, especialmente na África, os pesquisadores identificaram que as mudanças climáticas afetaram pouco as temperaturas médias. Esses locais devem ser considerados refúgios climáticos e são cruciais para esforços de restauração e conservação, recomendam os especialistas. Os cientistas observaram que grandes áreas na Amazônia também são importantes refúgios climáticos.
Ação urgente
Para Alexander Lees, além da necessidade urgente das reduções globais nas emissões de carbono, “a priorização e proteção de refúgios e a restauração de florestas altamente ameaçadas são vitais para mitigar maiores danos aos ecossistemas florestais tropicais globais”, destaca.
Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, alerta para o efeito cascata de perda de biodiversidade e aquecimento global devido à perda de integridade das florestas. “Os dados do trabalho fornecem novos indícios das mudanças no clima que estão ocorrendo em escala mundial, incluindo a Amazônia. São mudanças que implicam um efeito cascata de perda da biodiversidade e aquecimento global com a perda de integridade de nossas florestas. Essas evidências, juntamente às perdas humanas que estamos vivendo, haja vista a situação do Rio Grande do Sul, nos convidam a mudar a nossa abordagem frente ao problema. É tempo de falar sobre ele amplamente em nosso dia a dia. É tempo, especialmente, de mudar nosso modo de vida e agir para resolver esse problema”, finaliza Ferreira.
Este estudo oferece novos insights sobre as mudanças climáticas em escala global e destaca a necessidade urgente de ações eficazes para preservar e restaurar as florestas tropicais, essenciais para a biodiversidade e para a saúde do planeta.
(Com informações da Embrapa)