Em um país onde a abundância de alimentos convive lado a lado com a fome, o aproveitamento integral dos produtos surge como uma estratégia que une saúde, economia e sustentabilidade. O Brasil ocupa dois postos antagônicos: conhecido por sua vasta produção agrícola e a participação no ranking dos dez países que mais desperdiçam comida, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora os níveis de segurança alimentar tenham voltado a crescer, conforme o Instituto, 21,6 milhões (27,6%) dos domicílios no Brasil estavam com algum grau de insegurança alimentar no último trimestre de 2023.
Nesse cenário, a prática de utilizar todas as partes comestíveis de frutas, legumes e verduras – incluindo polpas, folhas, cascas, sementes e talos – surge como uma solução, não apenas para combater o desperdício, mas também para promover uma alimentação mais saudável e acessível. Vanessa Lourenço, professora da Faculdade de Nutrição (Fanut) da Universidade Federal do Pará (UFPA), destaca a importância de utilizar todas as partes comestíveis, contribuindo para o aproveitamento integral dos alimentos. “Muitas partes dos alimentos, como talos, cascas e sementes são ricas em vitaminas e minerais que normalmente não consumimos. O talo do brócolis, por exemplo, é uma excelente fonte de vitamina A e C, e pode ser facilmente incorporado em pratos como omeletes, arroz ou até mesmo feijão”, explica.
Desde sucos e sopas até bolos e tortas, as opções são infinitas. Outros exemplos, como a casca de abacaxi – rica em vitamina C e fibras, assim como talo de espinafre – com nutrientes que vão de vitamina A, ferro e potássio, são ótimas opções para incluir na dieta diária. Ela destaca, ainda, que a falta de hábito em aproveitar essas partes subutilizadas está profundamente enraizada na cultura alimentar brasileira.
“Casca de batata, de banana, de abacaxi, talos de couve-flor e brócolis são exemplos de partes frequentemente descartadas, mas que possuem grande valor nutricional”, ressalta. Além disso, ela aponta que o aproveitamento integral pode resultar em uma significativa redução de custos para as famílias, o que é crucial em tempos de oscilação na inflação dos alimentos.
Praticamente todas as frutas, verduras e legumes podem ser reaproveitados de maneira integral. Existem algumas exceções, como partes que realmente não são comestíveis ou que podem ser tóxicas, mas, em geral, a maioria dos alimentos pode ser aproveitada em sua totalidade. Para isso, a prática requer cuidados específicos, como a higienização adequada das cascas e a escolha de alimentos frescos e em bom estado de conservação.
“Nem todas as partes dos alimentos são recomendadas para consumo, e é importante saber identificar quando algo não está próprio para ser utilizado. Avaliar a cor característica, o cheiro e se o produto está firme ao apertar”, alerta a nutricionista.
Além dos benefícios para a saúde, a prática do aproveitamento integral também tem implicações econômicas e sociais significativas. Reduzir o desperdício de alimentos não apenas ajuda a economizar, mas também contribui para a segurança alimentar no país. “A incorporação de partes subutilizadas na alimentação diária pode auxiliar no fortalecimento da imunidade e na melhoria do funcionamento do organismo, além de promover uma consciência maior sobre o uso sustentável dos recursos alimentares. Do ponto de vista econômico, o aproveitamento contribui para a redução de gastos. Socialmente, ajuda a promover uma alimentação mais acessível e completa”, afirma.
NA PRÁTICA
Quebrar o preconceito de que essas partes não são úteis ou saborosas é o primeiro passo para adotar a prática da utilização integral dos alimentos. Para a aposentada Suely dos Santos, de 71 anos, o hábito de não desperdiçar nada já é regular. “Comecei a fazer isso quando tinha uns cinquenta anos, por orientação de amigos que me ensinaram a fazer chá de folhas para aliviar dores. Vi ali a oportunidade de aproveitar os nutrientes que antes não dava atenção”, conta.
Sucos feitos da casca de frutas como abacaxi e maracujá são alguns dos alimentos que ela prepara. Para Suely, além de ser uma forma de aproveitar integralmente os alimentos, essa prática ajuda a economizar nas compras semanais. “Quando venho à feira, costumo levar o necessário e aproveitar tudo o que compro, porque não está fácil ficar gastando muito”, comenta.
Já Maria Rita dos Santos, 73, aposentada, embora não tenha o hábito diário de reaproveitar cascas e talos em sua alimentação, o faz sempre que possível. “Antigamente eu costumava jogar fora, mas agora vejo como uma boa ideia reaproveitar esses nutrientes que, muitas vezes, estão nas partes que a gente não usa”, reflete Maria, que considera a prática importante não só pela economia, mas pelo impacto positivo na saúde.
RECEITA
FAROFA DA CASCA DA MELANCIA (Somente a parte verde):
Ingredientes:
l 5 colheres de sopa de óleo de coco
l 1/2 kg de flocos de milho pré-cozido ou farinha de milho
l 200g de cebola picada
l 3 dentes de alho
l Somente a casca (parte verde) ralada (no ralo grosso) de 1 melancia
l 1 prato de sobremesa de ervas medicinais cortadas (alfavaca ou sálvia ou manjericão, cebolinha, coentro ou salsa)
l sal a gosto
Modo de preparo:
l Primeiramente rale as cascas da melancia e deixe de molho na água quente por 10 minutos; refogue as cascas de melancia no óleo de coco; depois, adicione a cebola, o alho, e o sal. Em seguida, acrescente o floco de milho e misture. Desligue o fogo e adicione as ervas medicinais.
l A receita rende, em média, 10 porções.
SUCO DE MELANCIA COM SEMENTE (Detox):
Ingredientes:
l 2 fatias de melancia com semente
l Suco de 1 limão a gosto
l 2 cm de gengibre
l 3 ramos de hortelã
l Açúcar a gosto ou se preferir não coloque
Modo de preparo:
l Liquidifique a melancia com semente, gengibre e hortelã, coe em peneira fina. Adicione açúcar e suco de limão a gosto. Sirva gelado.
l Rendimento de 1 porção.
Fonte: Vanessa Lourenço