Pará

Amazonas já foi uma província do Pará; saiba o que gerou a divisão

Em 1850 o Amazonas foi desmembrado do território do Pará, e em 1853 o Paraná se separou de São Paulo, fazendo com que paraenses e paulistas abrissem mão de quase metade de seus territórios
Em 1850 o Amazonas foi desmembrado do território do Pará, e em 1853 o Paraná se separou de São Paulo, fazendo com que paraenses e paulistas abrissem mão de quase metade de seus territórios

Cintia Magno

Ainda no início da década de 1850, no território que hoje é o Brasil, ainda se vivenciava um período de consolidação do então Estado Imperial, com o fortalecimento de seu aparato administrativo e burocrático. É exatamente neste contexto histórico da formação do país que se desenrolam dois episódios que impactaram diretamente os territórios de dois estados brasileiros, sendo um deles o Pará: a criação das Províncias do Amazonas e do Paraná.

Nos primeiros anos do Brasil independente, o que hoje compreende o Estado do Amazonas ainda fazia parte do extenso território da Província do Pará, assim como o atual Estado do Paraná compunha a então Província de São Paulo. Passadas as primeiras duas décadas da Independência do Brasil, porém, sob o reinado de Dom Pedro II, o Brasil vivenciou um processo de redivisão interna que fez com que o Amazonas fosse desmembrado do Pará e que o Paraná se separasse de São Paulo.

Autor de uma tese de doutorado sobre a criação das duas províncias, o historiador e professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR), Vitor Marcos Gregório, explica que para entender como se deu essa redivisão e as consequências dela para os Estados do Pará e de São Paulo é preciso, acima de tudo, compreender que tal desmembramento foi resultado de um longo processo.

O professor explica que diferente do que se pode imaginar, no período do Império as decisões não eram tomadas de cima para baixo, com o Imperador definindo se uma província deveria ou não ser criada. A partir da Independência do Brasil, se vivencia um momento definidor no país no que se refere à formação do território brasileiro, e que vai influenciar a forma como se dará o processo decisório que levou à criação da Província do Amazonas e da Província do Paraná. “Depois da Independência, o que acontece é que o território já não é mais propriedade do Imperador. Nós estamos, portanto, em um regime constitucional, o território é o espaço de atuação soberana da sociedade brasileira que se constitui. Nesse sentido, não é mais uma questão do Imperador ordenar e aquilo ser feito automaticamente, você tem que passar por todo um processo decisório que envolve a realização de debates, muitas vezes acirrados, tanto na Câmara dos Deputados, quanto do Senado”.

Vitor Marcos Gregório, explica que para entender como se deu essa redivisão e as consequências dela para os Estados do Pará e de São Paulo é preciso, acima de tudo, compreender que tal desmembramento foi resultado de um longo processo.

Neste cenário, a decisão de se desmembrar os territórios do Pará e de São Paulo, criando duas novas províncias, se dá a partir de um processo lento, nada simples e que envolve vários elementos. “É um projeto político que envolve a construção do Estado Nacional Brasileiro, que está se consolidando precisamente no início da década de 1850”, pontua o professor. “Neste sentido, a criação da Província do Amazonas se explica por alguns elementos. O primeiro é exatamente a questão de se buscar aproximar a administração pública, o Governo Imperial, de uma área até então entendida como longínqua”.

Vitor Gregório lembra que, no século 19, a comunicação de Manaus para Belém levava vários dias de barco. Logo, diante de uma tomada de decisão em Belém, poderia demorar semanas e até meses para que a informação chegasse até a então comarca do Alto Amazonas, o que tornava a administração muito lenta. O professor reforça, inclusive, que essa dificuldade ficou muito evidente durante o episódio da Cabanagem. “Uma das dificuldades entendidas do ponto de vista do Governo Imperial para resolver a grave questão da Cabanagem era exatamente o fato das enormes distâncias e da dificuldade de articular os grupos que tinham que atuar para buscar reprimir os revoltosos. Então, a Cabanagem é um elemento que chama a atenção para o fato de que era preciso aumentar a presença, a eficácia do poder público na comarca do Alto Amazonas. Essa é uma questão interna, portanto, o fortalecimento do Estado Nacional Brasileiro nesse momento de consolidação”.

Em paralelo a isso, o cenário ainda envolvia a preocupação com as pretensões territoriais da Inglaterra e da França, o que fez com que o Governo Imperial do Brasil se mobilizasse para fazer frente a essas ameaças externas.

“Do ponto de vista externo você tem o período do imperialismo, em termos mundiais, e a necessidade de, na busca pela consolidação da soberania nacional sobre aquele território, aproximar a administração até para fazer frente a essa ameaça externa”, aponta.

Nos primeiros anos do Brasil independente, o que hoje compreende o Estado do Amazonas ainda fazia parte do extenso território da Província do Pará

“Então, não é uma questão tão simples apenas da ameaça de invasão. É uma questão de consolidação de fortalecimento do Estado Nacional do ponto de vista interno. É levar a ordem, levar o governo, levar a administração para regiões longínquas e, claro, também do ponto de vista externo, por essa questão da disputa territorial”.

Um contexto parecido também se desenrolava no Sul do país, levando à demanda pela criação da Província do Paraná. Do ponto de vista interno, a ocorrência de revoltas como a Revolta Liberal de Sorocaba em 1842 e a Farroupilha, que se dá no Rio Grande do Sul de 1835 até 1845, também remete à necessidade de aproximação do poder público, neste caso em específico através de uma negociação entre o Governo Imperial e os liberais da Comarca de Curitiba e Paranaguá.

“A negociação é no sentido de que, se esses liberais não apoiassem nem a Farroupilha e nem a Revolta Liberal de São Paulo, a comarca seria elevada à categoria de Província. Esse acordo é feito em 1842, os liberais cumprem a sua parte, não apoiam nenhum dos dois movimentos, e o Governo Imperial também cumpre a sua parte. Em 1843, um ano depois, o Governo Imperial propõe um projeto de criação da Província do Paraná em um momento no qual a unanimidade dos deputados é do mesmo partido do governo e, mesmo assim, o projeto é recusado e o Paraná vai ter que esperar 10 anos até ser emancipado, em 1853, num contexto completamente diferente”.

Entre os fatores que levam, inicialmente, a oposição à criação tanto da Província do Amazonas, quanto da Província do Paraná estão desde fatores econômicos, até políticos. “Enquanto a bancada paraense era a favor da emancipação do Amazonas, a bancada baiana e a mineira eram contra. O Amazonas tem pouca população, eles diziam, tem pouca produção econômica, eles diziam, e tem um território imenso cujo aparato administrativo, terá que ser construído do zero. E para fazer esta criação, para organizar esta nova província, vai precisar dinheiro”, aponta o professor, ao se referir aos argumentos utilizados pelos deputados mineiros e baianos, contrários a criação da Província do Amazonas.

“O que é um discurso absolutamente contrário ao do Paraná porque, quando se fala da emancipação do Paraná, os paulistas são absolutamente contra porque o Paraná tem população, tem produção econômica e aí os paulistas não querem perder a fatia econômica representada pelo Paraná, então, eles são contra. Também, neste caso, mineiros e baianos no primeiro momento serão contra também, mas menos porque o Paraná tinha condição de se sustentar”.

 

EFEITOS DESIGUAIS

Em termos econômicos, o historiador lembra que considerava-se que o Pará não perderia tanto com a emancipação do Amazonas, já São Paulo perderia muito com emancipação do Paraná, já que naquela região do Sul do país se tinha o desenvolvimento do uma economia muito forte ligada à erva-mate e à pecuária.

“Para além dessa questão econômica e para a óbvia questão territorial, em termos políticos ambos perderam. Isso foi um dos temas centrais do debate parlamentar acerca da criação das duas províncias porque os projetos que previam a criação do Amazonas e do Paraná previam que essas províncias novas passariam a ser representadas por deputados na Câmara e por senadores no Senado (sistema representativo)”, explica Vitor.

“Até aqui tudo bem, a questão é que o deputado do Amazonas deveria ser deduzido da bancada do Pará. A mesma coisa para o caso de São Paulo, os deputados do Paraná seriam deduzidos da bancada Paulista. Esse é o ponto no qual mesmo os deputados paraenses brigaram, eles diziam que tudo bem criar o Amazonas, mas sem tirar um deputado do Pará”.

Mesmo em meio a toda essa negociação e disputa, a divisão interna dos territórios foi inevitável. Em 1850 o Amazonas foi desmembrado do território do Pará, e em 1853 o Paraná se separou de São Paulo, fazendo com que paraenses e paulistas abrissem mão de quase metade de seus territórios.

Além do entendimento de como se deu parte do processo de formação do território nacional, o que o episódio deixa para a história é a possibilidade de compreender, na prática, o funcionamento do sistema representativo, em que o parlamento tinha um papel importante, não sendo um mero elemento decorativo. O Imperador tinha o poder moderador, mas não era onipotente.