Laura Lewer
Folhapress
Durante o primeiro show da banda mexicana RBD em São Paulo em 15 anos, no último domingo (12), um dos integrantes, Christopher von Uckermann, pediu para que as pessoas da plateia que estivessem em uma apresentação do grupo pela primeira vez levantassem as mãos.
Um estádio do Morumbi lotado rapidamente se iluminou com as pulseiras de LED de quem ergueu os braços. Era a estreia de boa parte dos que estavam ali —e isso dá pistas das razões pelas quais um grupo saído de uma novela dos anos 2000 ainda causa tanto alvoroço.
Quando anunciou que faria a turnê de reencontro “Soy Rebelde”, em dezembro do ano passado, a banda havia acabado de ter uma sequência de provas de que era seu momento de surfar em uma onda que a indústria cultural viu eclodir na pandemia.
O isolamento fez as pessoas se voltarem a tempos mais simples —na música, os anos 1980 e o pop punk retornaram com força, e, no audiovisual, produções que já haviam visto seu fim, como “Friends” e “Gossip Girl”, foram revisitadas.
Foi nesta toada que, em setembro de 2020, plataformas de streaming deram fim a uma disputa por direitos autorais de anos que impedia que a discografia da banda fosse ouvida na internet.
O retorno mostrou uma fatia da demanda que existia ali. Sem nenhuma faixa inédita desde 2009, o RBD recebeu, em 24 horas, a maior quantidade de curtidas em sua playlist no Spotify, além de ter sido o artista mais tocado simultaneamente no dia de lançamento.
Três meses depois veio uma live paga com quatro dos seis integrantes dividindo o palco pela primeira vez em mais de uma década. De novo, a apresentação se tornou o show virtual latino de maior sucesso da história.
A cereja do bolo aconteceu no começo de 2022, quando a Netflix lançou uma versão repaginada de “Rebelde” que continuava os dramas do Elite Way School —internato onde se passava a novela mexicana exibida pelo SBT—, mas que mirava dilemas da geração Z.
O RBD via, ao mesmo tempo, uma expansão de seu público promovida pelo maior streaming do mundo, um aceno aos fãs que, agora adultos, poderiam pagar por ingressos, e mais uma prova de sua relevância. Era hora de agir.
Um site com um “prepare sua gravata”, uma menção aos uniformes da escola da produção, e ações em cidades como São Paulo e Rio foram as estratégias escolhidas para anunciar uma turnê de 26 shows com cinco dos seis integrantes originais. Os ingressos —1,5 milhão só nas primeiras 24 horas— se esgotaram rapidamente, e o grupo incluiu outras 28 datas na agenda.
“Para nós esse reencontro vai além dessa era nostálgica. Depois de anos longe do palco juntos, percebemos o quanto nossos fãs ansiavam por esse momento. É uma oportunidade única de celebrar essa conexão e dar essa despedida a eles”, diz Dulce María, uma das integrantes, em entrevista à Folha.
Mas o que tira o retorno do RBD do balaio do saudosismo é, ao mesmo tempo, a base de sua construção e sua perenidade. Se hoje artistas decolam impulsionados pelo streaming ou aplicativos como o TikTok, o grupo pode ser considerado um dos últimos fenômenos musicais pré-redes sociais.
Num cenário em que a indústria musical do México amargava em uma crise que só piorou com a chegada de uma nova forma de pirataria, com programas como o Napster, uma equipe que começou com menos de uma dezena de pessoas que pensavam a parte musical do projeto Rebelde logo inflou para mais de 200 integrantes responsáveis por uma turnê nacional com 80 shows esgotados.
A banda, que já havia se tornado o produto de entretenimento mais importante do país pouco depois do lançamento de sua primeira música, “Rebelde”, escoava seu trabalho para países como Colômbia, Argentina, Rússia e Estados Unidos. No Brasil, quebrou a histórica barreira com o espanhol de uma forma sem precedentes —ou sucessores.
ROMPENDO A BOLHA
Para César Figueiredo, CEO da Central Sonora —agência de gestão artística que intermedia os mercados da música feita em espanhol e em português— o sucesso pode ser explicado por uma construção cuidadosa que fez com que o então sexteto conseguisse romper a bolha de um mercado que só costuma vingar em português ou inglês.
“Todos os artistas que tiveram êxito no Brasil em língua espanhola, como Shakira e Enrique Iglesias, mostraram uma conexão com a cultura brasileira e letras mais fáceis, algo que um nome do tamanho do Bad Bunny, muitas vezes, não tem tempo e nem vontade de fazer”, diz. “Todas as letras do RBD têm uma facilidade e uma fluidez na interpretação da língua. Isso é fundamental porque o espanhol não é parecido com português, embora as pessoas pensem isso”.
Na prática, o sexteto gravou três versões brasileiras de seus álbuns, apareceu em dezenas de programas da TV nacional e chegou até a fazer um churrasco e bater uma bola com o presidente Lula no Palácio da Alvorada em 2007. Mesmo hoje, se comunica majoritariamente em português em suas apresentações e usa figurinos que homenageiam o país.
“Com os anos conseguimos entender a dimensão do vínculo que criamos com os brasileiros. Foi um país em que pudemos nos comunicar apesar do idioma e da distância, confiando que a música era uma linguagem universal”, conta a integrante Maite Perroni.
Na época, vingar no mercado fez com que o grupo entrasse em um modo de produção acelerado que garantiu uma expansão ainda mais veloz, mas também deixou parte das músicas fadadas à plasticidade de um produto feito em escala industrial, com composições terceirizadas.
Embora o RBD tenha antecipado em músicas como “Cariño Mío” tendências que explodiram anos depois, como o reggaeton, e tenha sido indicado ao Grammy Latino em duas ocasiões, seu forte foi mais retórico que musical.
“As letras das músicas tocavam em temas universais como amor, amizade e superação, e essas mensagens que transmitimos ressoou muito intensamente com o público”, diz Dulce.
Maite avalia que o vínculo também faz parte de um recorte geracional. “Nos conhecemos em uma idade em que estávamos nesta busca por identidade e por conexões, e acho que por isso conseguimos criar essa relação que não só superou o tempo, mas cresceu com ele”.
Agora, acompanhadas de Uckermann, Anahí e Christian Chávez —todos na casa dos 40 anos— elas já cantam sobre versões mais sofisticadas dos hits que tocaram incessantemente nas rádios brasileiras há mais de uma década. Linhas de funk, soul e reggae se misturam aos riffs de pop rock que preencheram uma lacuna na música mexicana da época, e os discursos também se adaptaram ao mundo que o RBD encontrou ao retornar.
Chávez, que passou parte da trajetória da banda escondendo sua sexualidade, agora fala sobre aceitação, HIV e a comunidade trans no palco, e as mulheres fazem acenos feministas mais claros.
“Hoje vivo uma nova fase da minha vida, sou mãe e não tenho mais 21 anos, então voltar ao palco com o RBD não significa só reviver aquela época, mas uma chance de mostrar o quanto evoluímos. São gerações se unindo, e isso é muito emocionante”, diz Dulce.