FERNANDA PERRIN
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Enquanto Israel faz uma nova incursão terrestre em Gaza, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou nesta sexta (27) uma resolução exigindo um cessar-fogo humanitário imediato. O documento foi capitaneado pela Jordânia, em conjunto com os países árabes e islâmicos, e apoiado por 47 Estados-membros, incluindo a Palestina. O texto, no entanto, tem caráter apenas recomendatório, não mandatório.
O placar foi de 120 votos favoráveis, 14 contrários e 45 abstenções. Para ser aprovada pela Assembleia-Geral, que abrange os 193 membros da ONU, uma resolução precisa do apoio de dois terços dos Estados presentes e votantes, que somavam 179 nesta sexta.
O Brasil votou favoravelmente. Votaram contra Áustria, Croácia, República Tcheca, Fiji, Guatemala, Hungria, Israel, Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru, Papua Nova Guiné, Paraguai, Tonga e Estados Unidos.
Em comparação com as quatro resoluções apresentadas no Conselho de Segurança, que falhou em aprová-las, o texto da Jordânia se aproxima mais dos elaborados pela Rússia, ao pedir um cessar-fogo imediato, e não uma pausa humanitária. Ele também tem uma linguagem mais dura contra Israel (veja a íntegra abaixo).
O documento também não cita o Hamas, cujos ataques foram condenados e classificados como terroristas nas resoluções brasileira e americana.
Uma emenda apresentada pelo Canadá, e com apoio de 36 Estados, como europeus e americanos, pediu a inclusão de um trecho em que o grupo terrorista é condenado pelos ataques de 7 de outubro e o sequestro de reféns. O adendo também pedia sua soltura imediata a incondicional. A emenda, no entanto, foi rejeitada ao não obter dois terços de apoio: teve 88 votos favoráveis, incluindo do Brasil, 55 contrários e 23 abstenções.
O texto final aprovado exige ainda o respeito ao direito internacional, enfatizando a proteção de civis e objetos civis, e o suprimento de bens e serviços básicos, como água e combustível, à Faixa de Gaza.
Chamando Israel de “Poder Ocupante”, a resolução exige que Tel Aviv revogue a ordem de evacuação do norte de Gaza e “rejeita firmemente qualquer tentativa de transferência forçada da população civil palestina”.
O embaixador israelense na ONU, Gilad Erdan, chamou a resolução de “ridícula”, a exigência de cessar-fogo, de “audácia”, e disse que o país continuará a se defender e usar todos os recursos ao seu alcance para tal, indicando que a votação desta sexta não vai alterar em nada as operações de Tel Aviv.
Ele voltou a atacar as Nações Unidas, dizendo que este dia será lembrado como uma infâmia pela história, e que é a prova de que a organização não tem mais “um pingo de legitimidade e relevância”.
“É dever desse órgão nomear terroristas pelo nome. Por que vocês estão defendendo assassinos? Por que vocês estão defendendo terroristas? O que está acontecendo aqui?”.
Diante da preocupação verbalizada por diversos países, inclusive pelos aliados americanos, com a situação humanitária em Gaza, Erdan afirmou que o país está monitorando a situação de perto, e que não há uma crise segundo os parâmetros do direito humanitário.
Ele criticou ainda oficiais da ONU e outros Estados por acreditarem nos números divulgados por autoridades palestinas que, segundo ele, são controladas pelo Hamas.
A convocação da Assembleia-Geral acontece diante da paralisia do Conselho de Segurança, instância máxima das Nações Unidas, formado por 15 membros, sendo 10 eleitos e 5 permanentes, estes com poder de veto. Responsável pela garantia da paz e segurança internacional, o grupo fracassou até o momento em dar uma resposta à escalada de violência no Oriente Médio.
Quatro resoluções foram postas para votação, duas pelos russos, que não obtiveram o mínimo de votos necessários, uma pelo Brasil, que teria sido aprovada não fosse o veto dos Estados Unidos, e outra por Washington, que também teria passado, embora com menos votos do que a brasileira, mas foi vetada por Rússia e China.
“Nós ainda acreditamos que nossa primeira proposta de resolução poderia ter sido o melhor resultado possível para o conselho quando nós a apresentamos”, afirmou nesta sexta o embaixador brasileiro na ONU, Sérgio Danese, durante a sessão da Assembleia-Geral.
O diplomata não pediu um cessar-fogo imediato, como outros países que apoiaram a resolução fizeram. “Uma cessação das hostilidades é urgentemente necessária, para que condições para um cessar-fogo completo, durável e respeitado sejam criadas”, afirmou.
A representante americana, Linda Thomas-Greenfield, fez duras críticas à resolução votada pela assembleia nesta sexta, sobretudo pela falta de menções ao Hamas e aos reféns. Ela ainda usou o púlpito para atacar os russos, que, segundo ela, apresentaram textos unilaterais e de má-fé no Conselho de Segurança. “Resoluções parciais são documentos puramente retóricos que buscam nos dividir em um momento em que devemos nos unir”, afirmou.
A diplomata ainda ressaltou que o país apoia pausas humanitárias, algo que inicialmente Washington objetava, mas teve que ceder após pressão de demais membros do conselho. Ela não defendeu o cessar-fogo exigido pelo texto aprovado nesta sexta.
“Diante do cerco, dos assassinatos e do fracasso da comunidade internacional em pedir um cessar-fogo para permitir a entrada de ajuda humanitária, nós expressamos nosso descontentamento com a parcialidade e a seletividade ao lidar com essa crise, e lamentamos a hesitação de apoiar o direito do povo palestino de viver uma vida digna”, afirmou o representante da Arábia Saudita em um duro discurso.
O representante da União Europeia, Olof Skoog, por sua vez, criticou o uso de vetos pelos membros permanentes e o fracasso do conselho em cumprir sua missão. Ele ainda fez um apelo contra a desinformação e conteúdos ilegais espalhados nas redes sociais sobre o conflito, apontando que as plataformas digitais têm uma responsabilidade legal em combater esse problema.
Diferentemente da assembleia, uma resolução aprovada pelo conselho tem caráter mandatório, ou seja, quem descumpri-la pode ser punido. O Brasil trabalha agora em uma quinta proposta, em conjunto com os demais membros não permanentes, na tentativa de driblar um veto de EUA, Rússia e China, França e Reino Unido também têm poder para derrubar resoluções, mas não fazem uso dele desde 1989.
A resolução foi aprovada como um produto da décima sessão de emergência, iniciada em 1997 a pedido do Qatar e convocada de modo intermitente em momentos de agravamento do conflito entre Israel e Palestina desde então.