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Vitórias do governo com voto de desempate no Carf já superam R$ 12 bi

FOTO ANDRÉ CORRÊA/AGÊNCIA SENADO
FOTO ANDRÉ CORRÊA/AGÊNCIA SENADO

Eduardo Cucolo/Folhapress

 

O governo obteve uma série de vitórias nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) realizados após o retorno da regra que determina o voto de desempate por um representante da União. São pelo menos R$ 12 bilhões em autuações da Receita Federal confirmadas por um representante da Fazenda no conselho de recursos, em 13 processos sobre dois temas controversos: tributação de lucros no exterior e amortização de ágio em operações societárias.
Os três maiores casos envolvem a estatal Petrobras (R$ 6,5 bilhões), a empresa do Grupo Mover (ex-Camargo Corrêa) Intercement (R$ 3,4 bilhões) e a Arcelormittal (R$ 1,3 bilhão).
O Carf é a segunda instância para questionar as autuações da Receita no âmbito administrativo. Essas empresas ainda podem recorrer ao próprio conselho e ao Judiciário.
Também podem fechar acordo para pagar os valores com desconto.
A maioria dos casos julgados é de grandes teses tributárias, aquelas em que empresas e Receita fazem interpretações divergentes sobre a mesma legislação.
São questões que dividem os membros do Carf e também não estão pacificadas no Judiciário, daí a expectativa de que esses contribuintes recorram. A Petrobras, por exemplo, já informou que avalia questionar a decisão.
Nos anos de 2020 a 2022, muitas empresas obtiveram vitórias no Carf nessas mesmas discussões com base na norma que determinava o desempate pró-contribuinte. Neste mês de outubro, voltou a vigorar a regra em que um representante do governo pode decidir a questão quando não há maioria nas turmas do conselho.
A mudança na regra é parte da estratégia do governo para zerar o déficit no Orçamento de 2024. O Ministério da Fazenda conta com R$ 54,7 bilhões a partir das decisões do conselho, dentro de uma receita extra total de R$ 168 bilhões na área tributária. O Carf possui um estoque de R$ 1,1 trilhão.
A nova regra do Carf foi sancionada no final de setembro. No início de outubro, o conselho colocou em julgamento exatamente casos controversos em que o governo teria chances de vitória pelo voto de desempate.
“Foram muitos casos decididos por voto de qualidade [jargão para voto de desempate]. Com o retorno da pauta presencial, os casos de alto valor e que tendem a gerar empate foram levados para julgamento”, afirma Gisele Bossa, sócia da área tributária do Demarest e ex-conselheira do Carf.
“Era uma pauta bem estratégica, só de casos que historicamente são decididos por voto de qualidade, temas divididos no tribunal. Com a mudança de critério, muitos deles foram decididos em favor da Fazenda. Essa foi a grande virada”, afirma Rodrigo Massud, advogado do escritório Choaib, Paiva e Justo que acompanhou alguns desses julgamentos na semana passada.
Massud afirma que essas vitórias não devem se converter em arrecadação de maneira automática e imediata. Como são matérias divididas também no Judiciário e que envolvem grandes valores, há um incentivo para o contribuinte recorrer.
“Isso vai ser determinante para a estratégia dos contribuintes de caminhar para uma judicialização ou aproveitar a contrapartida que veio com o retorno do voto de qualidade, com a possibilidade de pagamento sem juros e multa, com a possibilidade de parcelamento.”

PETROBRAS
Livia Germano, ex-conselheira do Carf e especialista na área tributária do Barros Pimentel Advogados, afirma que, nos processos que discutiam lucros do exterior, como o da Petrobras, houve decisões por maioria em favor dos contribuintes em meados de 2022. Na época, o presidente do conselho votou a favor das empresas nessa matéria.
“A mudança da jurisprudência não se deve apenas ao retorno do voto de qualidade, mas à alteração de composição da turma, o que incluiu a alteração do presidente do Carf”, afirma.
Segundo a tributarista, o resultado recente é o mesmo de fevereiro de 2023, quando dois casos da Petrobras foram julgados pela Câmara Superior na vigência da medida provisória que fez o voto de desempate valer temporariamente no início deste ano.
Na semana passada, a Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf negou recurso da Petrobras contra uma autuação que soma atualmente R$ 6,5 bilhões.
A decisão foi tomada por meio de voto de desempate do presidente da turma, com base na legislação sancionada no dia 20 de setembro, após empate entre os julgadores -quatro representantes da Fazenda e quatro dos contribuintes.
A disputa entre Petrobras e governo se refere à tributação dos lucros de uma subsidiária na Holanda, referentes aos exercícios de 2013 e 2014.
Em nota, a estatal afirma que avaliará a adoção das medidas cabíveis com vistas à defesa de seus interesses, inclusive no âmbito judicial. Também há a possibilidade de recorrer ao próprio Carf, por meio de embargos de declaração.
“A expectativa de perda dessa contingência é considerada possível, sendo objeto de nota explicativa nas demonstrações financeiras, e a decisão do Carf não implica provisionamento nas demonstrações da companhia”, diz a estatal.
O entendimento da Receita é que a cobrança de imposto sobre o lucro da subsidiária no exterior não viola os tratados internacionais para evitar a dupla tributação. Para o Fisco, o Brasil não está tributando os lucros da sociedade domiciliada fora do país, mas sim os lucros auferidos pelos sócios brasileiros.
Além disso, a legislação brasileira permite à empresa o direito de compensar o imposto pago no exterior, ficando, assim, eliminada a dupla tributação, independentemente da existência de tratado, argumenta a Receita nas ações.
Nos casos que tratam de amortização de ágio -diferença entre o valor de mercado da empresa adquirida e o preço efetivamente pago pelo comprador, esse custo adicional (calculado com base na expectativa dos lucros futuros a serem gerados pela companhia comprada) pode ser abatido pelo novo controlador da base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL.
A legislação do Imposto de Renda permite tal dedução, mas o Fisco utiliza critérios próprios para avaliar se não houve abuso de planejamento tributário.
A Receita Federal entende que muitas dessas operações não têm fundamentação econômica, o que justifica a multa. No Carf, representantes de contribuintes e do Fisco têm se colocado em campos opostos nessas discussões.