VINICIUS SASSINE
MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – O rio Negro atingiu nesta segunda-feira (16) seu nível mais baixo em 120 anos de medição em Manaus. A marca quebra o recorde negativo de 2010 e confirma a seca de 2023 como a mais severa dos últimos tempos nesse ponto da amazônia brasileira.
Dados de medição do Porto de Manaus, levados em conta em análises e estudos do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), mostram que a cota do rio nesta segunda é de 13,59 m. Em 24 de outubro de 2010, a cota foi de 13,63 m, a pior medição registrada até então.
“O rio deve descer ainda mais”, afirma Renato Senna, climatologista e pesquisador do Inpa. “Pelos dados históricos, as grandes secas se prolongaram pelo fim de outubro e início de novembro.”
A estiagem histórica transformou as paisagens e a vida das pessoas que dependem do rio na capital do Amazonas.
Na Marina do Davi, por exemplo, de onde saem embarcações para praias no rio e para comunidades mais próximas dos núcleos urbanos, o clima é de desolação. Embarcações flutuantes que antes eram pontos de venda de passagens e de embarque de passageiros estão ilhadas no seco, não servem para mais nada. Outros flutuantes estão encalhados na lama.
Para chegar ao rio, é preciso caminhar por passarelas de madeira improvisadas, colocadas em lugares onde antes só existia água. Nas comunidades e nas praias, os relatos são de isolamento, lama e desabastecimento.
No ano passado, o dia mais seco do rio Negro em Manaus foi 28 de outubro, quando a cota foi de 16,19 m, segundo as medições diárias do Porto de Manaus. A seca de 2022 havia sido considerada severa.
Além de 2010, o ano de 1963 também teve um momento em que o rio ficou abaixo de 14 m. Foi em 30 de outubro, com 13,64 m.
Situações extremas de seca vêm se repetindo em outros pontos da Amazônia neste ano. No médio Solimões, igarapés secaram por completo, o que obriga ribeirinhos a buscarem as torneiras de Tefé (AM) para terem água potável. Eles precisam caminhar por quilômetros com galões de água nos ombros, em razão da impossibilidade de acesso das embarcações.
Nas imediações das Terras Indígenas Porto Praia de Baixo e Boará/Boarazinho, também na região de Tefé, o Solimões virou um deserto, com bancos de areia a perder de vista. Os indígenas não conseguem escoar as produções de farinha e banana. Em algumas comunidades, o consumo da água parada em igarapés provoca surtos de diarreia, vômito, febre e dor de estômago.
Pela primeira vez, foi necessário empurrar botos vermelhos, os botos cor de rosa e tucuxis, uma espécie de boto, de menor porte, para fora de uma enseada rica em peixes nas proximidades do porto de Tefé. Foi a forma que pesquisadores encontraram para garantir a sobrevivência dos animais. Em setembro, mais de 140 morreram no lago, cuja temperatura da água chegou a 39 graus.
Extremos também vêm sendo registrados no alto Solimões, onde estão Tabatinga (AM), Benjamin Constant (AM) e Atalaia do Norte (AM), e no rio Madeira, onde estão Nova Olinda do Norte (AM) e Humaitá (AM).
No curso do Madeira, a usina hidrelétrica Santo Antônio, a quarta maior do país, já em Rondônia, suspendeu operações.
Dos 62 municípios do Amazonas, 50 estão em situação de emergência e 10 em alerta, conforme a Defesa Civil do estado. Merece mais atenção, segundo os especialistas, o que se passa no rio Jutaí, no oeste do Amazonas, por vivenciar uma seca não vista há 15 anos.
Em Manaus, a estiagem extrema ganhou visibilidade por causa da fumaça por semanas seguidas na cidade. Oriunda de queimadas da floresta, a fumaça invadiu as casas em bairros ricos, de classe média e pobres.
O baixíssimo nível do rio, no entanto, afeta principalmente comunidades ribeirinhas e indígenas que dependem de um fluxo mínimo de embarcações para trabalhar, pescar e acessar mantimentos básicos.
As medições do Porto de Manaus mostram que o nível do rio Negro seguiu baixando em ritmo acelerado nos últimos dias.
Na última sexta (13), a cota foi de 13,91 m. No sábado, 13,78. No domingo, caiu para 13,69, até o nível histórico nesta segunda, com 13,59 m.