Círio de Nazaré
Círio de reflexões, ágil e de bênçãos
Luiz Octávio Lucas
Primeiras horas do domingo, 8 de outubro de 2023, o sol nem raiou e as ruas do entorno da Catedral Metropolitana de Belém estão tomadas de gente. Muitas com cadeiras e até barracas de camping, outras deitadas na grama das praças Frei Caetano Brandão, Dom Pedro II e do Relógio. São romeiros economizando energia para a caminhada de 3,7 km do Círio de Nazaré de número 231.
Abençoados pela Santa Missa celebrada por Dom Alberto Taveira, arcebispo metropolitano de Belém, desde às 6h, a multidão se apronta com o badalar dos sinos da Sé e os primeiros raios de sol para seguir em procissão, acompanhar emocionados a passagem da Berlinda com a Imagem Peregrina da Virgem de Nazaré, para pagar promessas, rezar ou apenas agradecer.
Termina a celebração e a Berlinda decorada com flores nas tonalidades rosa e roxo recebe a pequena imagem sob aplausos e ganha as ruas por volta de 7h25. Ainda sem a corda, é como se a Imagem Peregrina navegasse suavemente em um mar de fé. Com um ex-voto de cera em formato de seios, Catarina Miranda acompanha tudo de máscara, cheia de gratidão. “Vim de Macapá (AP), foi Ela que me trouxe aqui. Fui diagnosticada com um tumor maligno na mama e fiz meu tratamento por aqui. Estou aqui por causa dela”, testemunhava com o sorriso de quem está em plena recuperação da saúde.
O relato da visitante de fora, uma das 80 mil que chegaram de outros Estados, segundo o Dieese-Pa, faz parte de um universo de 2 milhões de testemunhos do público que acompanhou a procissão. São graças manifestadas das mais diversas formas: nas camisas com dizeres bíblicos e relatos de superações de problemas, nos gestos de doação de água, nos semblantes emocionados, nos louvores marianos entoados em todo o trajeto, no sacrifício dos promesseiros da corda.
E por falar em corda, ela, a grande novidade deste segundo ano de Círio pós-pandemia, foi fabricada no Pará pela primeira vez. Mais macia, confeccionada com fibra de malva e juta, o ícone da fé mais uma vez foi disputado palmo a palmo pelos promesseiros em seus 400 metros de extensão. Disputa que terminou novamente com o seu corte antecipado, por volta das 10h, ainda na Avenida Presidente Vargas, onde a corda, aparentemente, mais frágil, se rompeu nas estações 2, 3 e 4.
Nada que tirasse o ânimo dos fiéis e de Dom Alberto Taveira. O arcebispo metropolitano de Belém, sorridente, mais uma vez abençoou os romeiros com água benta em frente ao Colégio Santa Catarina de Sena, auxiliado por diáconos.
Para quem temia o calor, São Pedro tratou de interceder pelos romeiros. A temperatura elevada dos últimos dias foi amenizada com sol entre nuvens e um céu nublado que virou chuva forte, depois de semanas de seca, pouco tempo depois do fim da procissão.
A Berlinda, a Santinha e o povo devoto, extasiado, chegaram à Praça Santuário por volta de 11h40. Um Círio rápido no tempo, mas daqueles para se guardar na memória, como sempre acontece em cada edição e o balanço, “sempre é positivo”, conforme destaca o diretor de procissões Franco Maciel Barreto. “É uma grande manifestação religiosa. Sobre o corte da corda, a gente pede sempre que não deixem cortar, é um símbolo de fé do povo paraense, mas é alheio à nossa vontade, tem promesseiros que fizeram suas promessas durante o ano todo e vêm para cumpri-las, mas acontece”, considerou. “O balanço sempre é positivo, todo Círio é de amor, é de paz, feito para Nossa Senhora”.
Paz, mas também reflexão. Com a descriminalização do aborto em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), bandeiras com mensagens contra o procedimento e em defesa da vida, desde sua concepção, foram balançadas durante todo o percurso, deixando clara a posição da Igreja Católica em relação ao delicado tema.
O Círio 231 foi assim, de reflexões, de bençãos, de renovação da fé que dias melhores virão. Os devotos, em estado de graça, ainda tiveram forças para acompanhar a missa da chegada, presidida pelo bispo auxiliar de Belém, Dom Antônio de Assis Ribeiro. Momento final de uma epopéia de fé, que se repete todos os anos em Santa Maria de Belém do Grão Pará. Que venha o Círio 2024!