*Desde 1997 até junho de 2023, mais de 140 mil transplantes de órgãos já foram realizados no Brasil, de acordo com levantamento da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO).
*Conhecido como ‘Setembro Verde’, o mês é dedicado ao fortalecimento das ações de conscientização sobre a importância da doação de órgãos no Brasil. No dia 27 comemora-se o Dia Nacional do Doador de Órgãos no país.
*No Brasil, quem autoriza a doação de órgãos é a família do doador. Por isso, é fundamental que a pessoa que tem o desejo de se tornar um doador de órgãos converse sobre essa decisão com a sua família.
*O Pará vem realizando transplantes de órgãos desde 1999, porém, até 2022 eram realizados apenas o transplante de rim e o de córnea. Em 2023 foi iniciado também o transplante de medula óssea e o transplante de fígado no Estado.
Cintia Magno
Diante do momento mais difícil de perda de um ente querido, algumas famílias têm a possibilidade de levar vida a quem aguarda por um transplante de órgão. Desde 1997 até junho de 2023, o ato de doação já foi responsável por mudar a história de mais de 140 mil pessoas que realizaram transplante de órgãos no Brasil, de acordo com levantamento realizado pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO).
Na busca de que mais pessoas e suas famílias tenham a possibilidade de ter a vida transformada, o mês de setembro é dedicado ao fortalecimento das ações de conscientização sobre a importância da doação de órgãos.
A coordenadora da Central Estadual de Transplantes da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), Ierecê Miranda, lembra que um transplante só pode ser realizado através da doação e, no Brasil, quem autoriza a doação de órgãos é a família do doador. Por isso, é fundamental que a pessoa que tem o desejo de se tornar um doador de órgãos converse sobre essa decisão com a sua família.
“A pessoa que quer ser doadora não precisa deixar nada por escrito porque isso não tem mais validade, e nem aquele RG antigo que trazia a informação se aquela pessoa era doadora ou não. No momento da morte de alguém é a família que vai ser informada sobre o processo da doação de órgãos e que vai ser consultada. Então, é essa família que vai autorizar a doação ou não”, explica.
“Por isso que é importante, para quem quer ser um doador, falar isso em vida para sua família, para que no momento da morte, a família possa então ter essa lembrança e optar por fazer a doação, já que você verbalizou antecipadamente para família que quer ser um doador. Basta avisar a família para que ela autorize a doação no momento da morte”.
Do outro lado dessa decisão estão milhares de pessoas que, na maioria das vezes, dependem do transplante para continuar vivendo. Dados da Revista Brasileira de Transplantes, organizada pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), apontam que em junho deste ano 57.347 pessoas aguardavam em listas de espera de transplante no Brasil, sendo 1.175 crianças.
Entre as filas, a de pessoas que aguardavam por um transplante de rim era a maior de todas, com 31.541 pacientes ativos, seguida pela fila do transplante de córnea, com 23.729 pacientes, e de fígado, com 1.343 pessoas.
Acompanhando o cenário nacional, no Estado do Pará a maior fila de pessoas que precisam de um órgão também é do transplante renal. “Hoje, no Brasil, existem cerca de 30 mil pessoas na fila do transplante de rim e só aqui no nosso Estado são 582 pessoas nessa fila. Em todo o mundo, o maior número de pessoas que precisam de um órgão para transplante são os renais crônicos, que precisam de transplante renal”, destaca Ierecê Miranda.
A coordenadora da Central Estadual de Transplantes da Sespa aponta que o Pará vem realizando transplantes de órgãos desde 1999, porém, até 2022 eram realizados apenas o transplante de rim e o de córnea. Em 2023 foi iniciado também o transplante de medula óssea e o transplante de fígado.
“Aqui no Estado do Pará são realizadas, hoje, quatro modalidades de transplante. A maioria desses transplantes são realizados na capital, apenas o transplante de rim e o de córnea são descentralizados”, explica. “O transplante de rim, além da capital, é realizado em Santarém, no Hospital Regional do Baixo Amazonas, e em Redenção, no Hospital Regional Público do Araguaia. Em relação ao transplante de córnea, além da capital, ele é realizado em Castanhal e em Ananindeua. Os outros transplantes, que são o de fígado e o de medula óssea, são realizados apenas na capital e são transplantes recentes, que começaram este ano”.
No que se refere ao transplante de rim, os dados da ABTO apontam que o Pará mais que dobrou o número de transplantes no primeiro semestre de 2023, quando comparado com o mesmo período do ano anterior. Entre janeiro e junho de 2022 o Estado realizou 16 transplantes de rim, enquanto no mesmo período deste ano já foram realizados 37 transplantes do órgão.
De todos os transplantes realizados no Brasil desde 1997 até junho de 2023, a grande maioria foi renal, um total de 95.202 transplantes. Em seguida vêm os transplantes de fígado, que somam 34.143 até junho deste ano, e o de coração, que foram 6.309.
Analisando a série histórica, se observa que o número de transplantes de rim realizados no Brasil apresentou uma queda no período marcado pela Pandemia da Covid-19, mas que já começa a se recuperar. Em 2019, portanto antes da pandemia da Covid-19, o número de transplantes de rim chegou a 6.302 no Brasil. Em 2020 o número caiu para 4.826 e em 2021 para 4.779, mas voltou a subir em 2022, chegando a 5.317. No primeiro semestre de 2023, já foram realizados 2.847 transplantes do órgão no país.
Apesar da retomada do crescimento não apenas no transplante renal, mas também de outros órgãos, o país ainda precisa avançar muito na conscientização sobre a importância da doação a fim de reduzir o percentual de recusa das famílias de possíveis doadores. Ainda de acordo com o levantamento da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, dos 6.793 potenciais doadores identificados no Brasil entre janeiro e junho de 2023, apenas 1.930 se tornaram doadores efetivos.
Entre as causas de não concretização da doação neste período, o principal motivo foi a recusa da família, o correspondente a 49%. Somente no Estado do Pará, segundo o levantamento, das 67 notificações de potenciais doadores registradas entre janeiro e junho de 2023, 45% dos casos não concretizados foram por recusa e 28% por contraindicação médica.
Vida devolvida através da doação
No momento em que achava que não teria mais do que seis meses de vida, a assistente social Ana Gabriela Mesquita, 40 anos, ganhou uma nova oportunidade. Portadora de uma hepatite autoimune que evoluiu para cirrose hepática, doença incurável, ela dependia de um transplante para continuar vivendo. O gesto que, como ela própria descreve, lhe devolveu a vida completa sete meses no próximo dia 27, mesma data em que é celebrado o Dia Nacional do Doador de Órgãos no Brasil.
Ana Gabriela lembra que já convivia com o diagnóstico de hepatite autoimune há 13 anos, porém, os últimos seis anos foram, sem dúvida, os mais difíceis. Mesmo fazendo uso dos medicamentos que controlavam a doença, a assistente social conta que acabou desenvolvendo um quadro de cirrose, que é irreversível.
Foi quando ela viu a rotina ser drasticamente modificada, tendo que passar boa parte dos seus dias no hospital. “Eu passei a ter muitas ocorrências que me levavam para o hospital, então, eu entrava e saía de internações, de UTI. Esse último ano foi terrível para mim, eu passei praticamente o ano todo internada”, lembra, ao contar um pouco sobre o seu estado de saúde antes do transplante.
“Em janeiro desse ano eu passei o mês todo internada, fui para o hospital logo depois do Natal. Eu tinha várias ocorrências, todas em razão da cirrose: a minha barriga ficava grande porque o meu fígado não estava mais funcionando; eu tinha encefalopatia, que é uma condição no cérebro e entrava em coma, então, eu precisava do transplante”.
Ainda antes da pandemia da Covid-19, Ana lembra que chegou a ser inscrita na fila do transplante de fígado em Fortaleza, porém, naquela época, ela conta que o seu MELD – indicador que classifica a urgência de transplante de fígado – ainda estava baixo, mesmo com as ocorrências frequentes que a levavam para o hospital. Isso significava que haviam ainda muitas pessoas à sua frente na fila para o transplante.
“Eu fiquei em uma posição muito longe na filha de Fortaleza porque tinha muita gente, ia gente de todo o Brasil para lá e inclusive os pacientes do Pará iam todos para a fila de Fortaleza”, lembra. “Só que eu já fazia tratamento na Santa Casa (Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará) e o meu médico falou que já iriam começar a fazer o transplante de fígado também aqui no Pará, na Santa Casa”.
Foi então que Ana Gabriela passou a integrar a recém-criada fila de transplante de fígado do Estado do Pará e, enquanto ela e outros pacientes aguardavam o surgimento de um possível doador, a assistente social teve mais outra complicação que acabou lhe levando ao coma e fez com o que o seu MELD subisse bastante, tornando-a a primeira da fila do transplante no Estado do Pará. No dia 25 de fevereiro de 2023 ela recebeu a ligação que deu início ao processo que fez com que Ana Gabriela se tornasse a primeira transplantada de fígado da Santa Casa e de um hospital público do Pará.
“Quando o meu médico disse que já iam inaugurar o transplante de fígado no Pará, eu pensei que isso só aconteceria depois do primeiro semestre desse ano, eu não imaginava que seria logo. Então, eu fiquei muito apreensiva porque eu já estava muito debilitada. Eu tenho 1,70 metros e estava pesando 54 kg na época”, lembra. “Mas no dia 25 de fevereiro o meu médico ligou e quando eu vi a ligação dele, eu pensei ‘Meu Deus, é o fígado’”.
Apesar de muito esperado, a notícia foi recebida com apreensão. Apesar de confiar na equipe médica que sempre lhe acompanhou, Ana conta que sentiu medo de como o seu corpo reagiria ao novo fígado que seria transplantado. Ao chegar na sala de cirurgia para fazer o procedimento que mudaria a sua vida, a paciente se deparou com uma equipe enorme, formada pelos profissionais da Santa Casa e também por uma equipe do Hospital Albert Einstein que acompanhou o transplante.
Depois de concluída a cirurgia, já na UTI, Ana Gabriela teve a dimensão, pela primeira vez, do que estava passando. “Quando eu acordei eu tive uma sensação de alívio, de ter passado por tudo. Eu já estava saturada porque foram anos entrando e saindo de hospital, de UTI, então, eu já não aguentava mais, mas foi tranquilo porque quando eu acordei eu senti que já estava tudo nas mãos de Deus”.
Foram três dias de UTI e mais 10 de internação no quarto, até que Ana recebesse alta. O primeiro mês foi o mais difícil, em decorrência das dores que sentia em meio à recuperação, mas já no segundo mês ela percebeu a mudança que o recebimento daquele órgão tinha proporcionado em sua vida.
“Antes a minha vida era em hospitais, eu não podia comer nada que tinha desidratação, diarreia, era terrível. Agora não, graças a Deus eu estou vivendo uma vida normal”, conta.
“Eu tenho formação em serviço social e também estava fazendo faculdade de psicologia, mas eu precisei interromper. Agora eu estou voltando a estudar, a fazer concursos. Eu também pinto e antes eu não conseguia mais pintar porque dava câimbra na minha mão e eu não conseguia segurar o pincel por causa da encefalopatia, e agora eu voltei a pintar, já fiz uns quadros para vender, então, a minha vida voltou. Eu não tenho nem palavras para expressar a gratidão porque a família dessa jovem me devolveu a vida”.
Como é de regra nos procedimentos de transplante realizados no Brasil, Ana Gabriela não conhece a identidade da pessoa que foi a doadora do fígado que, hoje, segue vivo em seu organismo. Ela só sabe que se tratava de uma jovem de 14 anos, que faleceu em decorrência de um acidente vascular encefálico (AVE) e cujos pais tiveram o grande ato de generosidade de fazer a doação de seus órgãos.
“Eu tinha pouco tempo de vida, acho que eu teria seis meses de vida apenas se não fosse o transplante, então, a gente só tem muito a agradecer, muito mesmo porque sem doação não tem transplante. Não há um ato de caridade maior do que a doação de órgãos”.
TRANSPLANTES NO BRASIL
2023
Número de transplantes de órgãos sólidos e tecidos (Jan-Jun/2023)
Órgãos
Coração – 208
Fígado – 1.103 (85 de doadores vivos e 1.018 de doadores falecidos)
Multivisceral – 1
Pâncreas – 56
Pulmão – 32
Rim – 2.847 (382 de doadores vivos e 2.465 de doadores falecidos)
Total (órgãos) – 4.247(467 de doadores vivos e 3.780 de doadores falecidos)
Tecidos
Córnea – 7.868
Medula Óssea
Medula Óssea – 2.067
2022
Número total de transplantes de órgãos realizados no Brasil em 2022
Coração – 356
Coração/Pulmão – 3
Fígado – 2.135
Multivisceral – 2
Pâncreas – 135
Pulmão – 103
Rim – 5.317
CAUSAS
Causas da não concretização da doação de potenciais doadores notificados (Jan-Jun/2023)
49% – Recusa da família
17% – Contraindicação médica
7% – Parada cardíaca
7% – Morte encefálica não confirmada
16% – Outros
Fonte: RBT – 2023 – (JAN/JUN) – ABTO.
SETEMBRO VERDE
Conhecido como ‘Setembro Verde’, o mês de setembro é marcado pela intensificação da disseminação de informações sobre a doação de órgãos, com campanhas sendo realizadas em todo o Brasil. Especificamente no dia 27 de setembro é celebrado o Dia Nacional do Doador de Órgãos no país, mesma data em que se comemora o Dia de São Cosme e Damião.
De acordo com a coordenadora da Central Estadual de Transplantes da Sespa, Ierecê Miranda, essa data foi a escolhida em decorrência da lenda que considera que os irmãos médicos Cosme e Damião foram os responsáveis por realizar o primeiro transplante da humanidade. “Por esse motivo, neste mês de setembro se intensifica essa mobilização e a disseminação de informação sobre a doação de órgãos. Então, converse com a sua família, seja doador de órgãos para a vida continuar”.