BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal deflagrou na manhã desta terça (12) uma operação contra supostas ilegalidades na aquisição de coletes balísticos pelo governo brasileiro no ano de 2018, durante a intervenção federal no Rio de Janeiro.
Foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão em endereços vinculados aos suspeitos no Rio de Janeiro (10), Minas Gerais (1), São Paulo (3) e no Distrito Federal (2). O general Walter Braga Netto, na época interventor, teve o sigilo telemático quebrado pela Justiça. Ele estava à frente do Comando Militar do Leste e foi designado para a função pelo então presidente Michel Temer. Ele não foi alvo das buscas.
Ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Braga Netto foi candidato a vice na chapa encabeçada por Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Ambos são do PL.
Em nota, o ex-interventor afirmou que “os contratos do Gabinete de Intervenção Federal (GIF) seguiram absolutamente todos os trâmites legais previstos na lei brasileira”.
“É preciso destacar que a suspensão do contrato foi realizada pelo próprio GIF, após avaliação de supostas irregularidades nos documentos fornecidos pela empresa”, disse Braga Netto.
“Os coletes não foram adquiridos ou tampouco entregues. Não houve, portanto, qualquer repasse de recursos à empresa ou irregularidade por parte da administração pública. O empenho foi cancelado, e o valor total mais a variação cambial foram devolvidos aos cofres do Tesouro Nacional.”
De acordo com comunicado da PF, a investigação busca apura os crimes de patrocínio de contratação indevida, dispensa ilegal de licitação, corrupção ativa e passiva e organização criminosa supostamente praticadas por servidores públicos federais quando da contratação de empresa norte-americana para aquisição de 9.360 coletes balísticos com sobrepreço no ano de 2018.
Entre os alvos das buscas estão oficiais da reserva do Exército, suspeitos de atuar como lobistas junto a integrantes do GIFRJ (Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro), responsável pela contrato formalizado em dezembro daquele ano, após a dispensa de licitação, no valor de US$ 9,4 milhões.
Os autos fazem menção a pagamentos feitos a esses militares por intermédio de empresas de consultoria.
A empresa contratada pelo GIFRJ foi a CTU Security LLC, sediada em Miami e que, de acordo com a PF, tem como proprietário o venezuelano Antonio Intriago.
O pagamento, segundo informações do inquérito, foi efetivado no dia 23 de janeiro de 2019, no valor de R$ 35,9 milhões. O contrato foi posteriormente suspendo por determinação do TCU (Tribunal de Contas da União), e o valor estornado no dia 24 de setembro.
Auditores apontaram irregularidades importantes, tais como a possibilidade de sobrepreço nos produtos, conluio entre as empresas e que esta teriam tido conhecimento prévio da intenção da compra de coletes pelo GIFRJ. A corte de contas estimou um valor total global do potencial sobrepreço de R$ 4,6 milhões (no câmbio de 11 de dezembro de 2018, data da proposta da CTU).
A dispensa de licitação para aquisição dos coletes, destacou ainda o inquérito policial, ocorreu nos 15 dias finais da intervenção federal na Segurança Pública do Rio.
A PF afirmou que “havia constante comunicação entre o GIFRJ e a empresa CTU de modo que a empresa tinha sempre conhecimento prévio dos atos administrativos licitatórios antes de sua publicação, conforme será demonstrado ao longo da presente peça.
De acordo com a polícia, a apuração começou com a cooperação internacional da Agência de Investigações de Segurança Interna (Homeland Security Investigations – HSI) dos Estados Unidos.
“A autoridades americanas descobriram o crime no curso da investigação americana sobre assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse, em julho de 2021, na qual a referida empresa ficou responsável pelo fornecimento de logística militar para executar a derrubar Moïse e substituí-lo por Christian Sanon, um cidadão americano-haitiano”, afirmou no comunicado da PF.
A agência compartilhou informações com a área de combate à corrupção da PF em fevereiro de 2022, após encontrar, em apuração envolvendo a CTU, indícios de crimes contra a administração pública brasileira. Em outubro, o órgão enviou ao Brasil cópia de dados extraídos pelo serviço de migração norte-americano de um celular dos investigados, um brasileiro residente naquele país.
Foram encontrados em 582 gigabytes armazenados no aparelho 2850 conversas por aplicativos de mensagens, 109.077 imagens, 8.281 áudios, 4.602 vídeos e 6.775 documentos.
Após a suspensão do contrato pelo TCU no segundo semestre de 2019, apontam os autos da investigação, os representantes da CTU no Brasil tentaram reverter a situação buscando uma solução junto a integrantes do governo brasileiro, então comandado por Bolsonaro. Um deles fez menção a um almoço que teria tido com Braga Netto com esse objetivo.
O QUE FOI A INTERVENÇÃO FEDERAL NO RJ
A intervenção federal no Rio de Janeiro foi decretada às pressas em 16 de fevereiro de 2018, pelo então presidente Michel Temer.
Na época, em pronunciamento em rede nacional de TV, Temer afirmou que o crime organizado “quase tomou conta do Rio de Janeiro”.
“[O crime] é uma metástase que se espalha pelo país e ameaça a tranquilidade do nosso povo. Por isso, acabamos de decretar neste momento a intervenção federal na área da segurança pública do Rio de Janeiro”, disse.
O general Braga Netto foi nomeado como interventor das Forças Armadas no comando da segurança pública fluminense.
A medida foi tomada após a imprensa noticiar cenas de roubos pela cidade. O cenário era agravado pela grave crise financeira no estado e ameaça de atraso de salários de servidores, entre os quais policiais.
Quatro meses depois, um plano para o estado foi elaborado. Ao fim, a ação comandada pelo Exército acabou com redução em alguns índices criminais, como roubo de carga, mas sem alterar de forma significativa os números de mortes violentas -quatro militares morreram em confrontos.
Também não esclareceu o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido em março de 2018.
Ainda na intervenção, a Vila Kennedy, na zona oeste do Rio, foi tratada como um laboratório no combate ao crime organizado. Mas assim que os militares retiravam as barricadas -bloqueios para dificultar a passagem de veículos policiais- os obstáculos eram repostos por suspeitos de integrar a facção Comando Vermelho.
Moradores denunciavam que eram fichados pelos militares.
Para dar vazão ao dinheiro liberado à intervenção, foi montada uma força-tarefa. Para a ação, foram reservados R$ 1,08 bilhão em investimento, em valor atualizado, o que superou todo o gasto em segurança pública feito pelo estado de 2008 até aquele ano.
A intervenção teve fim em dezembro de 2018, mas o gabinete continua ativo para a entrega de alguns equipamentos, entre eles, um helicóptero.