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Cores do Museu de Arte Urbana começam a tomar Ver-o-Rio

Arte de Ramon Martins (MG) no Museu de Arte Urbana de Belém Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.
Arte de Ramon Martins (MG) no Museu de Arte Urbana de Belém Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

TEXTO: ALINE RODRIGUES

Um museu a céu aberto, democrático e na beira do rio está ganhando forma no complexo do Ver-o-Rio. Assim é o Museu de Arte Urbana de Belém (MAUB). Em pleno domingo, 10, quem foi passear na área se deparou com a arte ganhando cor, forma e se surpreendeu com o que viu.

“Quem percebeu foi minha filha de oito anos, ela foi na gangorra, olhou e disse: ‘mamãe, que lindo’. Estou achando uma inciativa excelente, poderia não ser só nesse ponto, mas em vários na cidade. Ela gostou muito da arara, ela gosta dos animais e ficou muito encantada com a paisagem”, disse a servidora pública Ana Lúcia Mendes Gondim.

Já o também servidor público Mauro Guimarães achou que o Museu de Arte Urbana de Belém vais ser um atrativo a mais para a cidade. “É um atrativo a mais, muito bacana. Não sou muito fã de arte, mas a gente vê que é muito bonito e para a cidade também dá uma cara mais bonita. E aqui as atrações são carentes, qualquer coisa que tenha já é bem-vinda”, falou.

Os carros que passavam pelo local diminuiam a velocidade para os passageiros olharem os painéis que estão sendo pintados por 21 artistas visuais que participam do projeto. A iniciativa é voltada para a valorização e fortalecimento do movimento conhecido como Street Art – arte urbana, mas também integra uma série de eventos que vêm aquecendo o turismo na região amazônica em ritmo de prévia do que será a COP 30, a conferência mundial sobre o clima da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorrerá em Belém, em 2025.

“Está embelezando o que já é belo, está muito lindo, desde o começo da entrada do Ver-o-Rio, os muros até aqui com essa paisagem maravilhosa perto do lago. Belém é uma cidade tão bonita e está precisando de iniciativas como essa”, opinou o servidor público Anderson de Jesus.

UM DOS MAIORES MUSEUS A CÉU ABERTO DO PAÍS

O projeto foi aprovado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura e patrocinado pelo Instituto Cultural Vale e pelo Nubank, e conta com o olhar do fotógrafo e curador de arte William Baglione.

Os trabalhos no local vão durar cerca de 15 dias de grafitagem para dar vida ao MAUB, que promete ser um dos maiores museus a céu aberto do país. Os artistas que terão sua arte gravada nos espaços foram selecionados via edital público. E tem talento de vários lugares do país: Amanda Nunes (DF), And Santtos (PA), Cely Feliz (PA), Derlon (PE), Ghasper (PA), Jamaira Pacheco (BA), Julia Furuyama (SP), Kadois (PA), Luma Bastos (PI), Moka (AC), Campis (PA), Luis Jr (PA), Mama Quilla (PA), Pati Rigon (RS), Pri Barbosa (SP), Ramon Martins (MG), Santo (PA), Sebá Tapajós (PA), Thaizis (AM), Thiago Nevs (SP) e Wira Tini (AM).

No último domingo, vários artistas estavam dedicados a executar o seu trabalho. Era o caso de And Santos, que numa colaboração com o artista paulistano Thiago Nevs, dará vida ao maior mural do projeto, com 22 metros de altura por 56 de largura.

“Ele é um baita artista também, já tem uma carreira muito consolidada aí no mundo da arte. A gente dividiu esse muro e ele vai fazer a parte de cima, com a alusão à arte dele e eu vou fazer a parte de baixo, representando o odivelismo amazônico”, disse And, que adiantou que a ilustração dele para o mural vem de uma ideia da Amazônia.

CENA FEMININA BEM REPRESENTADA

Vamos representar nesse painel a nossa fauna, com essa arara azul, o peitoral de ouro, que é a arara, representando os nossos povos tradicionais, uma garota indígena, e do outro lado também tem um pirarucu representando a nossa gastronomia. A expressão toda vem do odivelismo, que é um dos conceitos que defendo muito, que é essa nossa regionalidade, falando um pouquinho mais da nossa culturalidade paraense”, explica And Santos, sobre o painel, um dos maiores painéis que já pintou. Ele disse ainda que está extremamente feliz em participar do projeto e que a vontade de apresentar um bom resultado final supera qualquer dificuldade.

“Participando desse projeto, vejo que é também uma voz, a gente precisa dessa voz do artista amazônico. Além de estar representando essa voz, também falar que a gente precisa evidenciar o artista local. E é uma voz para chamar atenção das grandes empresas, para estarem motivando e incentivando esse tipo de ação. A gente precisa desse elo: artista e empresa privada, para estar ilustrando e mostrando o que precisa de voz”, pontuou And.

Quem passa pelo local, fica admirado com as artes sendo feitas ao vivo pelos artistas. “Tem os passantes que não imaginam o que está acontecendo e de repente se deparam com o projeto, e é muito legal a reação, interagem, buzinam, perguntam o que é. Mas tem também as pessoas que vêm através das nossas redes sociais, seguidores que vêm aqui somente para olhar como estão os murais que os artistas divulgaram. E é muito legal esse contato com a população”, falou a artista Mama Quilla, que sempre aborda em seus trabalhos a mulher enquanto deusa, a Amazônia e o autismo, que para ela, apesar de serem assuntos distintos, são temáticas interligadas no seu dia a dia.

“Aqui estou falando sobre o hiperfoco, que é uma das características das pessoas que estão dentro do espectro autista. Nem todos apresentam essa característica, mas o meu filho apresenta e um dia que a gente estava plantando em casa, ele ficou preso a um mínimo detalhe de uma sementinha, com o rosto bem próximo ao chão, onde ele teve um hiperfoco. E eu trouxe uma releitura dessa fotografia para cá, trazendo elementos da fauna e da flora amazônica”, falou ela sobre o seu mural.

Para Mama Quilla, além do projeto trazer arte para a comunidade, o museu proporciona também uma conexão grandiosa entre os artistas que participam dessa inciativa. “São 60% de artistas do Norte, a maioria é da cena feminina, mas acontece ligação além disso. Por exemplo, tenho os assistentes, o Álvaro e o Nilo, conheci eles a partir do evento. Contei a história do meu mural e eles se emocionaram, gostaram e estão aqui me ajudando. Tem artistas do Brasil inteiro. Aqui tem vários estilos: tem artista street art , realismo, surrealismo e por aí vai. Então, misturar tudo isso é muito legal e entregar para população é melhor ainda”, disse Mama Quilla.

ARTE DEMOCRÁTICA E PARA TODOS

O paulistano Ramon Martins, que teve sua primeira experiência com Belém em 2017, onde teve seu primeiro contato com a cultura, as pessoas, a floresta, assim que foi convidado para integrar o projeto pensou logo em retratar a brasilidade.

“Quis criar uma figura feminina, que é o tema do meu trabalho, não pinto figuras masculinas. Inspirado nessa mistura entre negros, índios, orientais e várias culturas, englobando o que realmente a gente é, um brasileiro multiplural, multicultural, multi tudo, em qual você não precisa definir o que é essa raça, o que é essa pessoa, nós somos a mistura. Esse foi o meu ponto de partido da criação”, contou ele, que fez questão de falar sobre a importância da arte urbana ao definir a sua participação no primeiro Museu de Arte Urbana que Belém ganhará no próximo dia 24, com a inauguração do espaço.

“É difícil dizer sem levar em consideração a importância da arte urbana no sentido dela ser pública, de levar para todos, ser democrática. É o trabalho em que as pessoas passam e querendo ou não, vão ver a arte, vão ter um contato com a sensibilidade e para mim é muito importante, cresci na favela, na quebrada, e a primeira vez que eu vi um grafite foi quando comecei a querer fazer grafite. Então, às vezes imagino que uma criança que vai crescer, que vai passar aqui na rua, ela vai ver uma obra de arte, não vai sentir que aquilo é inacessível para ela, vai sentir que ‘se aquela pessoa fez eu também consigo’. A arte traz incentivo, é transformadora, é um dos um dos veículos mais forte de resgate”, finalizou ele.