Pará

7 de Setembro: As curiosidades sobre a Independência do Brasil

Esquadrilha da fumaça durante o desfile cívico-militar de 7 de setembro. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR.
Esquadrilha da fumaça durante o desfile cívico-militar de 7 de setembro. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR.

Cintia Magno

A imagem da bandeirinha do Brasil tremulando nas mãos da população que, aglomerada, acompanha o desfile que toma as principais avenidas do Brasil é historicamente associada às comemorações da Independência do Brasil, proclamada em 07 de setembro de 1822. Junto à programação oficial que ainda marca o feriado em diferentes capitais brasileiras, o sentimento atribuído é o de nacionalismo e amor à pátria. Mas com tantos acontecimentos vivenciados desde o grito do Ipiranga até os dias de hoje, será que a noção patriótica continua a mesma?
Diferente do que ocorreu na maior parte da América, no Brasil a independência se deu não a partir de uma declaração, mas sim de uma proclamação, onde, às margens do Rio Ipiranga, o então príncipe regente D. Pedro I proclama a independência. Os desdobramentos que sucederam o episódio que ficou conhecido como o Grito do Ipiranga até os dias atuais demonstram como o sentimento de patriotismo foi construído ao longo dos anos e, mais do que isso, como o conceito é maleável e ganha diferentes desdobramentos a partir do contexto histórico de cada época.
A historiadora e professora da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA), Magda Maria Oliveira Ricci, lembra que, de forma prática, o que ocorreu após a Proclamação da Independência foi um racha entre poderes da época nas respectivas províncias que compunham o então Reino Unido de Portugal e Brasil.
“De prático, o que Pedro I faz é mandar um ofício para Lisboa e para o pai dele [o Rei de Portugal, Dom João VI] avisando que, a partir daquele momento, ele não era mais o Príncipe Regente em nome do Dom João VI e que passou a ser, a partir daquele momento, o Imperador do Brasil. Então, era um ato de rebeldia e era, ao mesmo tempo, uma proclamação de independência bastante ímpar na história das independências”.
Principal ministro do Dom Pedro I, José Bonifácio é encarregado de enviar cópias desse ofício tanto para presidentes de província, que eram os governadores de então, quanto para as câmaras de vereança, mas a reação das autoridades a esse informe não foi homogênea em todo o Brasil.
“Pedro I e José Bonifácio já sabiam que poderia ter uma relutância entre os presidentes de província, já que quem os nomeava era o Rei, o Dom João VI, especialmente na parte mais do Norte do Brasil. Então, eles enviaram os ofícios também para as câmaras de vereança, que tinham uma autonomia muito maior do que hoje”, explica a historiadora. “Nesse sentido, muitas câmaras responderam positivamente e, às vezes, em conflito com o Presidente da Província. Então, de prático, o que aconteceu foi um racha logo de cara”.
Independência ou Morte (1988): obra de Pedro Américo reproduz declaração da Independência
Na Província do Pará, o presidente de província era o general português José Moura, que foi contra a adesão à independência do Brasil, assim como a câmara de vereança, embora parte das câmaras dos vereadores, em especial o padre Batista Campos e o seu grupo, estivessem mais inclinados à independência.
Mesmo antes da Proclamação da Independência por Dom Pedro I já haviam movimentos que pediam a Independência no Pará, como a grande Revolução dos Soldados em Muaná, no Marajó, porém, naquele primeiro momento, esses movimentos não deram certo.
“Havia uma grande concentração de militares portugueses aqui, era muito difícil convencer as pessoas que tinham ligações políticas, econômicas e familiares com Lisboa de se separar. Então, de imediato, mudou muito pouco e houve uma reação negativa à Proclamação, o que só vai mudar mais tarde, já em 1823”.
PATRIOTISMO
Em meio a esses conflitos, Magda lembra que o que foi proclamado em 7 de setembro foi a criação de um estado separado, um território que viria a ser governado a partir do Rio de Janeiro e não mais a partir de Lisboa, em Portugal. Então, a historiadora considera que não se cria, imediatamente, um sentimento patriótico, mas a intenção desse sentimento já existia.
“Dom Pedro I mesmo fez alguns movimentos para fazer isso mudar. Por exemplo, ele alterou as datas cívicas, instituindo que as maiores datas cívicas, além do 7 de setembro, deveriam ser o Dia do Fico – que é quando ele resolveu ficar, antes da Proclamação da Independência – e o próprio aniversário dele, 12 de outubro. Antes, a terceira maior data era o aniversário do pai dele, em 13 de maio, então, quando ele aboliu o 13 de maio e colocou a data de aniversário dele próprio, estava chamando para o patriotismo no Brasil, em que ele simbolizava esse patriotismo”.
Dom Pedro I também promove mudanças na bandeira e, em seguida, faz a letra do hino do Brasil, que naquela época era o que hoje é o hino da Independência. “Na bandeira ele muda as cores para o verde e amarelo e dentro tem um brasão que era parecido com o português, mas que tinha uma série de simbologias brasileiras, então, essas coisas já nasceram na época da independência, outras coisas, algumas muito importantes, não”, considera Magda Ricci.
“É importante notar que o atual significado da palavra ‘patriota’, por exemplo, nasce com a Revolução Francesa, depois de 1789. Entre 1789 e 1820, no Império Português, pátria significava duas coisas: amar o rei e amar a igreja, porque a Monarquia era católica. Qualquer coisa fora isso era rebelião, motim, conjuração, eram patriotas desviados”.
Já quando se tem a Independência do Brasil, a palavra patriotismo se atrela a um outro conceito, o de ter uma lei máxima, uma constituição. Então, naquele momento, ser patriota era ser constitucionalista. “Até aí não se falava em se sentir brasileiro. Esse sentimento de ‘todo mundo junto’ tentou-se, mas foi um grande fracasso, tanto que em 1831 o Imperador abdica e todo mundo achava que o Brasil ia virar, como virou a América Latina, vários países separados, cada um brigando por uma parte do território”, explica.
“Foi com o Pedro II que se conseguiu essa nova união e muitos historiadores acreditam que a ideia de uma nação nasça a partir do Segundo Reinado, depois de 1840. Outros já acreditam que essa ideia só se solidificou mesmo depois da Guerra do Paraguai, quando todo mundo lutou contra o inimigo, que no caso era o Paraguai”.
O que tais fatos demonstram é que foi necessário um longo percurso para que se chegasse à noção de ‘se sentir brasileiro’ e, neste caminho, ocorreram várias revoltas e levantes que afastam por completo a ideia de uma independência pacífica.
DESFILES
O desfile militar virou tradição. Foto: Wagner Almeida/Diário do Pará
No que se refere à tradição dos desfiles de 7 de setembro, a historiadora Magda Ricci aponta que até existiram algumas manifestações de rua em decorrência da Proclamação da Independência, em 1822, mas os desfiles começam a se tornar mais populares apenas em 1831, justamente quando o Imperador Dom Pedro I abdica.
“O jornal carioca Liberal Aurora Fluminense, em 1832, um ano depois da abdicação, faz uma grande matéria em ocasião do 7 de setembro e vai dizer que o céu estava todo turvo, que parecia que uma tempestade ia acabar com tudo, mas que, de repente, eis que entra no desfile uma criança, que era o Pedro II, em um cavalo enorme e, então, o céu se a aclara e todos aqueles que estavam contra a Monarquia se ajoelharam perante a passagem do Imperador”, relata.
“Em cima do cavalo, o Pedro II estava vestido com a farda da Guarda Nacional, que deu origem à Polícia Civil, não era ainda militar. Então, a Guarda Nacional simplesmente passou a ser chamada de Guarda Pedro II em praticamente todo o Brasil, imediatamente, e nas Províncias todo mundo imitava esse grande desfile de 1832. Então, começa a ter uma tradição de atrelar o patriotismo a uma figura simbolicamente fardada, mas que ainda era a farda civil da Guarda Nacional”.
A associação mais próxima dos desfiles com o Exército só de dá a partir do fim da Guerra do Paraguai, em 1870, quando o Exército e a Marinha vão para as ruas para comemorar o resultado do conflito. Já no século XX, outros acontecimentos acabam também reforçando a importância de tais desfiles, as ditaduras vivenciadas no país.
“A partir da Guerra do Paraguai marca-se o desfile militar no 7 de setembro como algo essencial. E depois da Primeira Guerra Mundial, a partir de 1918, e da Segunda Guerra Mundial, em 1945, isso se tornou muito forte, praticamente uma obrigação”, aponta a professora. “Então, o patriotismo vai ser muito construído e, com as ditaduras que nós vivemos – a Varguista de 1937 a 1945 e depois a Militar de 1964 até 1988/1989 – há um reforço muito grande das figuras dos grandes homens nos desfiles cívico militares”.
A professora lembra, ainda, que coincidiu com a ditadura militar a comemoração dos 150 anos da Independência do Brasil, em 1952, em pleno o Governo Médici. Ocasião em que se promoveu uma grande programação em todo o país, com os restos mortais de Dom Pedro sendo levados por diferentes capitais.
“Tem grandes desfiles cívicos militares para a comemoração do 7 de setembro, em que eles vão marcar a figura do Pedro I como o líder que faz a independência sem derramamento de sangue, como se não tivesse acontecido aqui muitas mortes por conta desse processo de independência, como se não tivesse acontecido o Brigue Palhaço, aqui no Pará, logo em seguida, o que fez a Cabanagem acontecer 20 anos depois”.
Para a cientista política e professora universitária Karen Santos, o maior atrelamento dos desfiles e da noção de patriotismo à imagem das Forças Armadas é fruto de uma construção. Porém, não se deve esquecer que há diferença entre patriotismo, nacionalismo e parada cívico-militar.
“Quando a gente olha para o que se tornou o 7 de setembro no Brasil, a gente observa que houve uma apropriação indevida de um movimento civil pelos militares. É uma construção de uma narrativa, principalmente por conta da República, já que aqueles que declaram a República são militares e que por muito houve uma mistura entre esse perfil das Forças Armadas com as tomadas de decisão políticas”.
NACIONALISMO
Nesse sentido, é natural considerar que a ideia de patriotismo mudou ao longo dos anos e, para a cientista política, acabou muito influenciada por uma ideia de que o patriotismo resgataria uma era de ouro, mas que nunca existiu.
“Tem um historiador famoso, o Eric Hobsbawm, que fala um pouco dessa ideia do nacionalismo como sendo uma construção artificial para a legitimar o estado político. Então, houve no decorrer do tempo, uma mudança significativa em relação a esse patriotismo porque ele acaba se escancarando com demandas de grupos que querem não mais uma política progressiva, mas querem conservação”, analisa.
“Então, houve um avanço não só no Brasil e na América Latina, mas no mundo como todo, de um discurso que tenta trazer um passado que nunca existiu porque, no fim das contas, essa ideia de patriotismo e nacionalismo tenta resgatar uma era de ouro, só que essa era de ouro, de fato, nunca aconteceu”.
A professora considera, ainda, que, por si só, o termo patriotismo é controverso, possibilitando diferentes interpretações. “O que a gente vê, hoje, é que no contexto de acirramento político o termo patriotismo é utilizado como uma espécie de verniz para legitimar uma liberdade de expressão que nega o direito de novas identidades. Então, você acaba trazendo o discurso da ideia do pátrio poder, do poder patriótico ou do patriotismo como uma forma de negar a existência política, a existência social, a existência jurídica de grupos que não se conformam com as regras que estão aí, com os valores éticos que estão aí”.
A professora Karen Santos considera, ainda, que, por si só, o termo patriotismo é controverso, possibilitando diferentes interpretações.
Karen considera, ainda, que os últimos acontecimentos, principalmente o 08 de janeiro, foram emblemáticos ao deslegitimar grupos que traziam, no discurso, o patriotismo e o nacionalismo como bandeiras, mas que, na verdade, depredaram justamente alguns dos símbolos desse patriotismo e desse nacionalismo.
“Ainda cabe a exaltação à pátria? Cabe a gente ter uma percepção da história, cabe entender o que foi a Independência, o que foi o processo de construção do país. Isso é muito necessário porque a gente precisa olhar para a nossa história para entender o nosso presente e futuro”, considera.
“O 7 de setembro é um momento familiar, de reencontro, das famílias irem ver os seus filhos desfilando, e é muito complicado você romper com uma lógica familiar do Brasil, já que é ela a organização primária da vida. Então, a noção de patriotismo tem que ser discutida nos espaços educacionais, assim como essa exaltação da Independência. O 7 de setembro possivelmente não ficará abalado por ser uma tradição não só militar, mas cívica. Talvez essa seja a grande mudança que possa vir a acontecer ao longo do tempo, da proeminência do cívico em relação ao militar”.