Cintia Magno
O nascimento da inglesa Louise Brown, em 25 de julho de 1978, deu início a uma nova perspectiva para casais que apresentavam dificuldade para viabilizar uma gestação. A partir deste, que foi o primeiro nascimento de um bebê gerado com o auxílio da Fertilização In Vitro (FIV) no mundo, o procedimento que revolucionou a medicina reprodutiva agregou avanços tecnológicos que permitem, hoje, a obtenção de melhores taxas de gravidez e segurança na saúde reprodutiva.
Em 2023, quando se comemoram 45 anos do marco histórico, os dados mais recentes do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbio), elaborado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apontam que foram realizados 110.070 ciclos de fertilização in vitro no Brasil apenas nos últimos três anos.
Quando foi desenvolvida, a fertilização in vitro (FIV) buscava beneficiar principalmente mulheres que tinham algum problema nas trompas, o que inviabilizava a gestação. Isso porque quando a gestação ocorre naturalmente, é justamente na trompa que os espermatozoides encontram o óvulo e formam o embrião que, posteriormente, se desenvolverá na cavidade uterina. Uma maneira de superar essa dificuldade, portanto, foi desenvolver uma técnica que possibilitasse cumprir uma dessas etapas fora do corpo da mulher.
O presidente da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Alvaro Pigatto Ceschin, explica que a FIV é justamente a capacidade de formar o embrião em laboratório. “Você tem a capacidade de coletar o óvulo da mulher, pegar o espermatozoide que é coletado e fazer a junção do espermatozoide com o óvulo fora do corpo, o que irá formar um embrião no laboratório, e depois colocar esse embrião dentro da cavidade uterina para viabilizar a gestação”, explica.
“Existem vários procedimentos quando se tem uma trompa alterada por uma inflamação ou por endometriose, por exemplo, como o procedimento cirúrgico. Mas, em algumas situações, você acaba não conseguindo adequar a trompa para cumprir a sua função, então, inicialmente, como técnica, a fertilização in vitro surgiu para tentar equacionar essa dificuldade que houve de conseguir arrumar as tubas uterinas, mas com o tempo ela tem sido indicada para várias outras alternativas”.
Observado o sucesso do procedimento para solucionar essa primeira indicação, a técnica se mostrou uma excelente solução também para outros problemas reprodutivos apresentados não apenas pelas mulheres, mas também pelos homens. “Houve uma evolução considerável desde a primeira indicação. Então, tem na mulher a questão tubária, que continua sendo uma indicação importante, mas também há indicação para casos de endometriose, alterações pélvicas importantes, falhas de ovulação ou quando a paciente não tem ovulação adequada, então essas são algumas indicações na mulher”, explica.
“E no homem, quando, muitas vezes, o homem tem uma quantidade ou uma qualidade de espermatozoides não tão adequada, a fertilização in vitro viabiliza que esse embrião seja formado, mesmo quando há uma alteração espermática significativa”.
Entre os marcos evolutivos mais importantes que a técnica apresentou ao longo desses 45 anos, o médico especialista em Ginecologia e Obstetrícia e membro da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Arivaldo Meireles, cita a técnica da injeção intracitoplasmática do espermatozoide (ICSI), desenvolvida em 1991.
“Com a ICSI, mesmo aqueles pacientes que tinham alguns poucos espermatozoides, que anteriormente tinham que recorrer a um banco de sêmen, passaram a poder ter a possibilidade de serem pais biológicos. Isso foi possível porque a ICSI pega um único espermatozoide e injeta no óvulo, enquanto na fertilização in vitro convencional você colocava um óvulo e cerca de 50 mil a 300 mil espermatozoides para que a fertilização fosse natural e, depois, de formado o embrião, se transferisse ao útero”.
Outra mudança apontada pelo médico, que também é diretor clínico e fundador da Pronatus Medicina Reprodutiva, localizada em Belém, é a possibilidade de prolongar o tempo de sobrevida dos embriões nos laboratórios.
“No processo da fertilização in vitro, até algum tempo, nós só podíamos cultivar o embrião até o terceiro dia no laboratório. Os meios de cultura não eram tão aprimorados para fazer com que o embrião tivesse uma sobrevida maior. Mas, com o tempo, esses meios de cultura foram aprimorados e hoje nós podemos ter um embrião no laboratório até o sexto a sétimo dia”, explica.
VANTAGENS
“E que vantagens isso trouxe? Hoje, nós podemos selecionar entre os embriões aqueles que realmente vão avançar com qualidade e, nesse sentido, a medida em que você seleciona o embrião, você pode escolher um ou no máximo dois embriões e transferir ao útero. Isso veio quebrar aquele mito de que a fertilização in vitro sempre proporciona gêmeos, trigêmeos. Isso, hoje, praticamente não existe mais”.
No aspecto geral, a fertilização in vitro também ganhou ‘parceiros’, técnicas adicionais que são nomeadas, em inglês, como add-ons. São procedimentos que foram acoplados à fertilização in vitro ao longo da sua trajetória para melhorar a qualidade embrionária ou para facilitar a implantação embrionária.
“Nós já passamos por várias tecnologias. Já passamos por tecnologias que afinavam a zona de proteção do embrião para que mais facilmente ele quebrasse essa zona e se implantasse, nós já aprimoramos os meios de cultura, nós já passamos por métodos que tentavam selecionar o melhor embrião do ponto de vista cromossômico e agora essas tecnologias de avaliação cromossômica evoluíram mais. Então, hoje, além de selecionar o embrião microscopicamente, você pode fazer uma biópsia de um pequeno grupo de células e saber se aquele embrião é, do ponto de vista cromossômico, normal ou anormal”.
Entre as principais vantagens da avaliação cromossômica está a possibilidade de obter maiores chances de a gestação se desenvolver. “Hoje, o principal fator a prejudicar ou a impedir a implantação, são as alterações cromossômicas embrionárias, então, muitas vezes quando você transfere o embrião ele não implanta porque, cromossomicamente, ele não tinha a capacidade de se desenvolver”, considera.
“Então, se eu tenho, por exemplo, cinco embriões e sabendo que nem todos vão ser normais, se eu submetê-los à análise cromossômica, eu vou tirar os anormais e isso vai implicar em uma gravidez imediata porque aqueles que iriam falhar de implantar, eu já tirei. Isso vai encurtar o tempo entre a formação do embrião e a gravidez e, é claro, me dá mais segurança para escolher um embrião porque eu já sei que aquele embrião é normal e a chance de ele implantar é maior”.
A partir dessa e de outras evoluções vivenciadas pela ciência reprodutiva, o médico aponta que hoje já se consegue obter uma taxa de gravidez maior do que há algum tempo. “Eu já estou na área desde 1991, exatamente quando surgiu a injeção intracitoplasmática do espermatozoide (ICSI), e naquela época sucesso, para nós, era 28% a 30%. Hoje, nós chegamos a oferecer para casais que têm um bom prognóstico, de 65% a 80% de chance de gravidez”.
Desafio é garantir maior acesso ao procedimento
Com tantos avanços no que se refere às tecnologias adotadas pela medicina reprodutiva, o médico Arivaldo Meireles destaca que o desafio da fertilização in vitro, hoje, é garantir maior acesso ao procedimento.
“Para o futuro, a gente gostaria que ela se tornasse um método de acesso universal porque ainda tem muita gente que não tem condição, que não tem acessibilidade e que precisa da fertilização in vitro”, avalia. “Então, hoje, o nosso desafio é tornar esse procedimento mais barato porque, na prática, os planos de saúde e os convênios ainda não incluíram no seu rol de assistência, então, eles não custeiam esse tratamento e isso impede que muitos casais tenham acesso, que possam constituir suas famílias”.
Hoje, considerando o valor total, o procedimento de fertilização in vitro pode demandar um investimento de R$20 mil, porém, se a paciente optar por acoplar procedimentos add-ons, como o diagnóstico cromossômico, por exemplo, o valor pode chegar a R$25 mil ou a até R$30 mil. “Tem se procurado dar mais acessibilidade. Há cerca de um ano e meio o Conselho Federal de Medicina flexibilizou algumas vantagens para ajudar essa acessibilidade, a principal foi a doação voluntária de óvulos”, considera o médico.
“Mais ainda, no ano passado o conselho também permitiu a doação parental de gametas. Hoje, até familiares de quarto grau, respeitando a consanguinidade, podem doar gametas, tanto gameta masculino, como feminino. Isso facilitou ainda mais para aqueles casais que, mesmo tendo condição, não tinham gametas com qualidade e acabavam não engravidando. Hoje, se eu tenho 40 anos, mas tenho uma sobrinha de 18, ela pode me doar óvulos e eu posso engravidar. E isso é seguro porque o conselho também normatizou consensos informados, que são assinados por ambas as partes, e que dão ao casal a segurança”.
IMPORTÂNCIA
Diante dessas e outras evoluções, Arivaldo Meireles não tem dúvidas da importância que a fertilização in vitro ocupa na sociedade desde o seu surgimento. “À medida que a mulher foi ganhando espaço no mercado de trabalho, ela foi ganhando autonomia, empoderamento, ela passou a ter uma participação ativa na economia familiar, então, isso levou ela a engravidar mais tarde. Hoje, por exemplo aqui no consultório, 70% das nossas pacientes têm acima de 35 anos, a maioria delas entre 37 e 38 anos, ou seja, que já estão no final do timing reprodutivo delas. Então, após a pílula, sem dúvida alguma, um dos maiores avanços na área da saúde feminina são os avanços na medicina reprodutiva”.
SAIBA MAIS
FIV EM NÚMEROS
- Centros de Reprodução Humana Assistida no Brasil: 192, sendo dois no Pará.
Embriões congelados
- lJá foram registrados 284.210 embriões congelados em todo o Brasil entre 2020 e 2022. Apenas em 2022 foram congelados 97.312 embriões no país.
- Deste total, 12 embriões foram doados para pesquisas com células-tronco embrionárias.
- Os estados que mais concentram embriões são São Paulo (146.970), Rio de Janeiro (21.273) e Minas Gerais (18.606). No Pará foram registrados 2.101 embriões congelados.
Ciclos de FIV
- Entre 2020 e 2022 foram realizados 110.070 ciclos de fertilização in vitro no Brasil. Somente no Estado do Pará foram realizados 1.061 ciclos no mesmo período.
- No mesmo período, 45.236 embriões foram transferidos e 146.028 foram descartados em todo o Brasil.
Obs.: Considera-se como ciclo realizado de fertilização in vitro os procedimentos médicos nos quais a mulher é submetida à produção (estímulo ovariano) e retirada de oócitos para realizar a reprodução humana assistida (RHA).
Fonte: Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbio) – Anvisa. Dados atualizados em 24/08/2023.