Tylon Maués
Faltando duas partidas para o fim da primeira fase da Série C, os confrontos contra CSA-AL e Altos-PI podem marcar os últimos tendo Fábio Bentes à frente do Clube do Remo. Em novembro, a agremiação passará por processo eleitoral e, após dois mandatos, ele declarou que não pretende ir para uma terceira empreitada, embora possa se candidatar. “Não quero. É algo pessoal. Houve uma mudança de estatuto no meio do meu mandato. Mas não quero”, afirma.
Passado seu período como mandatário, ele possivelmente será lembrado dentro da média de seus antecessores. Ele conseguiu um acesso, jogou a Série B, caiu de novo, conquistou a Copa Verde, mas no fim entregou o time azulino no mesmo lugar que encontrou, na Terceirona. Fora dos gramados houve avanços com a compra do antigo CT do Carajás, reabertura e reformas dentro do Baenão, além da negociação e pagamentos de dívidas na Justiça do Trabalho. Mas o gosto final é agridoce.
O Leão Azul entra em campo neste domingo com remotas chances de classificação para a segunda fase, mas são quase imperceptíveis diante das dificuldades e da própria irregularidade da equipe azulina. Bentes está na capital amazonense com a delegação. Antes de viajar, ele concedeu entrevista exclusiva ao Bola, em que fez um balanço de sua passagem pelo cargo, com erros e acertos.
P – O que deu errado no futebol azulino dos últimos anos para cá, com um rebaixamento e dois anos seguidos sem se classificar para a segunda fase da Série C?
R – Futebol não é uma ciência exata. Procuramos minimizar os erros, mas tem gente que não consegue render aqui. Em 2021, na Série B, montamos um bom elenco e o time chegou a estar em oitavo. Foi feita uma avaliação que o time largou de mão, que o ambiente ficou prejudicado e isso só foi detectado na reta final. O time era bom, tanto que conquistou a Copa Verde. No ano seguinte montamos um elenco muito bom, talvez o melhor tecnicamente da competição. Depois avaliamos que muitos deles não tinham o perfil de Série C. Este ano é diferente, com um fator que ainda foge ao nosso controle. Montamos um elenco no começo do ano, um treinador de nome e que foi muito comemorado, um executivo com bons trabalhos, inclusive na análise de mercado. Começamos o ano com nove vitórias seguidas, vencemos o Corinthians-SP, fomos para a semifinal da Copa Verde. A derrota no segundo jogo semifinal deu sinais de que algo poderia estar errado, quando entregamos o resultado. O planejamento foi mantido e o início do Campeonato Brasileiro foi de uma forma impensável. Trouxemos reforços, mas sempre priorizando atletas nota 9, o que não foi possível contratar, daí passamos para notas 8, 7. Esse início difícil atrapalhou nossa campanha. Se tivéssemos vencido uma daquelas quatro partidas não estaríamos fazendo contas agora. Não falta empenho e ainda acredito numa classificação.
P – Há avanços estruturais, administrativos, mas o carro-chefe sempre será o futebol. Quais os desafios principais da gestão que virá?
R – Entendo que o futebol seja o carro-chefe do clube e é importante ter isso em mente. Mas, se analisarmos friamente, nesse período fizemos sete finais, o Remo foi três vezes campeão, conseguiu um acesso, chegou três vezes na terceira fase da Copa do Brasil nesse momento de maior remuneração, o que é importante. Obviamente que gostaríamos de mais, mas o balanço é bom. Nas categorias de base o nosso desempenho é totalmente dominante, com seis títulos estaduais e um vice na base. Os resultados aconteceram, não foi algo frustrante. Quando assumimos, o clube estava vindo de dois anos brigando para não cair e sem ganhar nada, com seis meses de salários atrasados do elenco, devia uma fortuna à Justiça do Trabalho, não tinha onde treinar, não tinha academia. Grandes clubes passaram por períodos de reestruturação e nós estamos nele. Há uma tendência em resumir tudo aos resultados recentes, mas não pode ser assim. Tudo é consequência do bom trabalho administrativo. Reabrimos o Baenão com a ajuda da torcida, compramos um CT e ano que vem o profissional vai treinar mais lá, fizemos o NASP e os números dele mostram uma redução de lesões e de desempenho físico. Não atrasamos salários desde o começo da nossa gestão, pagamos a Justiça Trabalhista e no final do ano vamos encerrar a Vara que centralizava as ações. Quem assumir em novembro vai pegar um clube que terá R$ 4 milhões no começo de 2024, que é uma largada e tanto. Nós aumentamos em quatro vezes a arrecadação do clube. Mas só isso não decide.
P – Você citou dificuldades em contratar porque o Remo não estava atrativo a partir da metade do campeonato. Seria o momento de um sacrifício maior para tentar montar um elenco mais forte desde o início do ano, com nomes dados como certos para a temporada inteira?
R – Este ano trabalhamos assim. Tanto que na virada do Paraense para o Brasileirão fizemos poucas contratações. Nosso elenco de início de ano foi o mais caro dos últimos anos. Contratamos um treinador fora da realidade financeira local dentro dessa lógica para ele ficar até o fim do ano. Tem algo pouco falado que é uma dificuldade a mais em contratações, que é o impedimento estatutário de eu trazer alguém além do meu mandato, que termina em novembro. Muita gente preferiu um contrato mais longo em outro clube, mesmo recebendo mais.
P – Muitos clubes têm políticas de aproveitamento dos garotos da base no profissional, com uma quantidade mínima de atletas jovens no elenco de cima, independentemente de serem escalados. Como funciona essa política no Remo?
R – Existe um debate forte e eu sou um entusiasta que, pelo menos no Estadual, a gente use mais atletas da base. Esse ano nós utilizamos em alguns jogos. No clássico contra a Tuna o time terminou com 80% de jogadores oriundos da base. Existe um problema crônico que é a quantidade de jogos para a base e a federação, e isso temos que ser justos com o trabalho que está sendo feito, vem, buscando soluções. A média de jogos até ano passado era de até 12 jogos ao ano, quem disputava competições nacionais tinha mais jogos. O Ronald, quando chegou ao profissional, tinha apenas 40 jogos oficiais em toda a base dele. Isso impacta na experiência do jogo, não adianta apenas treinar. Hoje os meninos do sub-17 e sub-20 têm mais tempo de jogo com as novas competições da FPF e até outras não oficiais, mas que servem para que eles tenham essa experiência. Ainda tem a questão da tolerância menor com os atletas da casa. Acredito que já ano que vem teremos jogadores mais experientes e mais fortes e preparados com o trabalho que vem sendo feito. Eu sou entusiasta que no Parazão haja, no mínimo, três atletas abaixo de 23 anos.
P – O CT está realmente quitado?
R – Já temos o dinheiro para quitar, é cerca de 10% do valor total. Temos um resíduo para ser passado aos antigos proprietários. Estamos esperando a finalização do trâmite burocrático. São prazos normais na aquisição de qualquer patrimônio. O dinheiro está em conta e os antigos proprietários estão cientes disse, não haverá nenhum imbróglio. Até setembro isso estará feito.
P – Como esses anos na presidência do Remo tiveram efeitos na tua vida pessoal? Além dos casos de assédio e ameaças.
R – Eu sinto mais esse impacto nas redes sociais. No dia a dia não vejo muito isso, pelo contrário. Mesmo em um momento difícil como o atual, eu recebo muito apoio. Obviamente que eu evito sair muito, me expor, meu foco tem sido total para minha família, Clube do Remo e minha empresa. Mas não posso evitar de sair. Vou comer algo na rua, faço compras, resolvo minhas situações e a maior parte do contato é bom. Para tudo eu me preparei, o que não estava pronto era para o assédio, comentários pessoais, acusações de corrupção. Reclamam das contas, mas todos os balancetes estão no site e foram postados no tempo legal. Tudo está bem transparente lá, basta pesquisar lá.
P – Em época de redes sociais, as cobranças passaram a ter um caráter mais imediato e com maior abrangência. Como foi essa relação?
R – Esse é um fenômeno que explodiu pós pandemia. As pessoas ficaram isoladas e houve uma situação ruim com acusações. Eu tomei providências quando aconteceram coisas graves, como ameaças, ataques à honra. Reclamações fazem parte e não me incomodam, mesmo não concordando com algumas opiniões. Esses episódios são desgastantes e já consegui algumas condenações na justiça, algumas em execução. Internet não é terra sem lei. É um processo chato e demorado, mas é importante dar esse exemplo.
P – Vai tentar reeleição, se isso é possível, claro? Ou, então, quem vai apoiar?
R – Existe a possibilidade de reeleição, mas não quero. É algo pessoal. Houve uma mudança de estatuto no meio do meu mandato. Mas não quero. Houve um desgaste pessoal muito grande nesse período, e preciso dar atenção a outras coisas, mas nunca me afastarei do clube. Sou ligado ao Remo desde criança. Minha vida sempre é melhor quando o Remo ganha e o que me motivou a vir foi ver que algo precisava ser feito. Ao longo desses anos tivemos muitas conquistas, a concepção da Loja do Remo que gera muita receita, as negociações originais com as marcas. Foi por amor e sempre será assim. Provavelmente ficarei no Conselho, pretendo me candidatar a Benemérito. Espero que o próximo presidente esteja alinhado com as ideias, nem precisa ser meu amigo, e que traga coisas melhores. O Remo comprou a sede campestre e nunca mais havia comprado outro patrimônio até adquirirmos o CT. O Baenão foi vistoriado pela CBF e pré-selecionado para servir de local e treino para a seleção.
P – Se pudesse dar uma nota, de 1 a 10, qual daria a si mesmo e sua diretoria envolvendo tudo sobre o Remo?
R – Podemos setorizar as notas. Quanto à situação estrutural, nota 9. Quanto às categorias de base e esportes olímpicos e de base, onde temos um desempenho muito bom, nota 9. No futebol profissional, uma nota 7 pelas conquistas, pelas finais. Conquistamos a Copa Verde, chegamos a quatro finais do Campeonato Paraense. Poderia ser melhor, mas não foi ruim. Não tivemos notas vermelhas e não há nada para se envergonhar. Se os resultados não vieram não foi por falta de esforço, o torcedor pode ter certeza disso.