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“Os Encantados do Sossego” chega a SP com assinatura de Edyr Augusto e Monique de Boutteville

Fernanda Thurann está em cena no monólogo construído a partir das pesquisas de Monique de Boutteville sobre narrativas orais FOTO: VINÍCIUS MOCHIZUKI/ divulgação
Fernanda Thurann está em cena no monólogo construído a partir das pesquisas de Monique de Boutteville sobre narrativas orais FOTO: VINÍCIUS MOCHIZUKI/ divulgação

Wal Sarges

A relação que o paraense tem com o misticismo amazônico e a tradição oral é resgatada no espetáculo “Os Encantados do Sossego”, em cartaz em São Paulo neste mês. Protagonizada pela atriz curitibana Fernanda Thurann, a montagem é dirigida pela paraense Monique de Boutteville, que assina a dramaturgia com o escritor e dramaturgo paraense Edyr Augusto.

Foi a partir das histórias contadas em reuniões noturnas com a avó, ouvidas durante as férias escolares, que a menina Monique se encantou com o mundo dos mitos e lendas da região amazônica.

“A gente banhou um pouco nessa vida dos interiores. Na época, não tinha luz, o gerador apagava por volta das dez da noite e a gente sentava na porta. Tinha aquela reunião noturna com todo mundo na frente de suas casas. A minha avó contava histórias de visagens, de medo e a gente saía gritando pela rua (risos). Isso marcou muito a minha memória. A minha avó faleceu quando eu tinha 11 anos. Ela era uma poetisa e uma mulher bem expressiva, uma figura que influenciou muito a minha trajetória”, comenta a diretora.

A peça surgiu a partir do processo de doutoramento de Monique, em 2014, numa universidade francesa, para falar sobre alguns dispositivos de salvaguarda da cultura popular e ancestral.

“As narrativas orais se tornaram o meu objeto de estudo, entre outros. Dentro desse intuito de pensar formas que pudessem manter vivas as estruturas, a gente pensou na questão teatral. Então, a peça nasceu como dispositivo de pesquisa dentro do meu doutoramento, no intuito de manter vivo aquilo que eu via se perder. A minha mãe também morou no Marajó por muitos anos, então a minha relação com o Marajó foi constante. Como a gente viajou muito, é o único lugar que sinto onde tenho raiz”.

A peça é um monólogo e conta com os músicos Thiago Sobral e Lucas Fixel, que tocam ao vivo no espetáculo. “A trilha autoral é assinada pelo Thiago, que é paraense também. Então a peça tem carimbó, brega, lundu, e existe um diálogo entre a história e a musicalidade, que é muito forte”, destaca.

A atriz Fernanda Thurann, que protagoniza a peça, também começou a visitar o Pará em 2010. “Ela se apaixonou e se identificou com a região. A peça traz uma conexão das pessoas com a narrativa, a partir de histórias que são amazônidas, mas que também dizem respeito a elas. Achei um fenômeno bem interessante durante essa temporada. Não se tratava apenas de levar uma cultura diferente para outro lugar, mas de fazer com que as pessoas compreendessem que aquilo fazia parte da história delas também”, diz Monique.

A diretora acrescenta que o espetáculo propõe mudanças também. “A peça rompe esteticamente com arquétipos que as pessoas, muitas vezes do Sul e Sudeste, têm da nossa região. Quando as pessoas do Marajó viam a peça, se identificavam muito com a vestimenta e o linguajar. Quando a gente apresentava no Sudeste, as pessoas não imaginavam que a nossa região tem essa estética e diziam que ela é muito elegante. Isso se reflete na maneira como as pessoas tratam quem vem de fora, a elegância como a gente recebe; além do traçado marajoara, que tem refinamento alto e artístico. O Marajó tem uma elegância até mesmo na sua paisagem. A gente vê aqueles búfalos com aquelas árvores baixas, que mais parecem bonsais imensos, e as pessoas não têm muito essa dimensão da riqueza amazônida. A peça um olhar a mais sobre a nossa região”, reflete.

DESAFIOS

Em seu processo de pesquisa, Monique diz que eram poucas as pessoas mais antigas do lugar que contavam a narrativa com os encantados na perspectiva do encontro com esses seres. “O importante para mim era encontrar pessoas que falassem ‘eu vi, vivi, eu encontrei’, porque a peça parte desse princípio, da vivência da mitologia amazônica e como ela se constrói com seres do cotidiano”.

Outro desafio encontrado no percurso, diz a diretora, foi administrado pela genialidade de Edyr Augusto. “A base dessa narrativa foi escrita por mim e depois fiz uma associação com o Edyr Augusto para finalizar o texto. Como dispositivo, achava aquilo muito pedagógico. Sem mudar a narrativa e o que o texto estava contando, o Edyr Augusto, com sua genialidade, deixou o texto mais dinâmico e os vazios interpretativos muito mais potentes. A partir daí, consegui caminhar plenamente para a direção e criar algo mais espontâneo”, diz Monique.

A base do espetáculo é banhada de detalhes e memórias. E tem figuras como a Dona Serafina. “Ela cuidava de todos os netos porque tinha perdido sucessivamente os filhos. Teve sucesso porque os netos se tornaram professores universitários, pessoas muito bem encaminhadas. Cinco sobrinhos dela pegaram um barco em direção a Belém para assistir à peça. Eles se apresentaram e esse contato foi muito emocionante”, lembra Monique.

Há um projeto de circulação da peça para que ela retorne à região Norte em breve. “A gente estreou em Belém, no Teatro Waldemar Henrique, porque todos os criativos da peça são de Belém ou marajoaras. A gente queria mesmo era levar o espetáculo para Soure, no formato do que é a peça hoje, com iluminação, som e cenário, um espetáculo pleno”, almeja Monique.