Cintia Magno
Em meio às discussões acerca do papel da iniciativa privada na adoção de práticas alinhadas com a sustentabilidade, uma sigla formada por apenas três letras é presença certa. Termo em inglês que faz referência às práticas ambientais, sociais e de governança, o ESG (environmental, social and governance) está relacionado à maneira como as organizações e empresas lidam com a sociedade e, consequentemente, com os recursos naturais.
Para compreender melhor o que significa o ESG, vale fazer uma distinção dele com outro termo também muito presente nas discussões atuais, a sustentabilidade. O presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, explica que o termo sustentabilidade é mais amplo e busca o desenvolvimento sustentável para suprir as necessidades da população sem que isso impacte negativamente seu futuro. Ou seja, o objetivo é cuidar para que se consiga fazer um uso racional dos recursos, a fim de que eles não se esgotem.
“Já o termo ESG, que no Ethos chamamos de ASG (Ambiental, Social e Governança), em português, faz parte da agenda de sustentabilidade e considera a atuação das empresas e instituições com foco nos três temas que compõem essa sigla”, explica. “A partir da gestão pautada nas diretrizes ASG, é possível analisar o desempenho das empresas com relação a esses critérios de maneira integrada, buscando o desenvolvimento das organizações de maneira consciente e sustentável”.
Diante de uma sociedade que, cada vez mais, cobra uma postura responsável dos diferentes atores que estão inseridos nela, os benefícios proporcionados pelas práticas ESG às empresas vão além do menor impacto ambiental e social – que por si só já ocupa uma importância imensurável. Hoje, a adoção de uma agenda de sustentabilidade pelas empresas pode estar relacionada à sua própria sobrevivência.
“Uma empresa que realmente adota as práticas ASG tem inúmeros benefícios, em diferentes aspectos, como inovação, gestão de riscos, geração de valor aos stakeholders etc. Essa empresa cria uma base para o desenvolvimento sustentável a longo prazo”, considera Caio Magri. “Além disso, as empresas que seguem as práticas ASG consequentemente passam a ter uma reputação melhor, pois mostram que se preocupam com fatores que vão além do lucro”.
O presidente do Instituto Ethos aponta que já existem diversas pesquisas e indicadores que demonstram o nível de capacidade das empresas lidarem com a agenda ESG, ou, na sigla em português, ASG. E isso não é à toa, já que a performance das empresas no que se refere às práticas ESG é naturalmente considerada por investidores que se preocupam com segurança e perenidade.
“De acordo com um levantamento da consultoria Euromoney, feito em 2020, para 85,8% dos investidores a atitude de uma organização em relação aos aspectos ASG é importante ou muito importante na tomada de decisão de investimento, número que chega a 93,4% dos investidores nas Américas (considerando Argentina, Brasil, Canadá, EUA e México)”, contextualiza Caio. “Atualmente, isso é refletido até mesmo nas bolsas de valores. A B3, a bolsa brasileira, tem índices que privilegiam as empresas ASG, como o ‘Índice Brasil ESG’ e o ‘Índice de Sustentabilidade Empresarial’. Isso é um grande avanço”.
Ao longo dos 25 anos de atuação do Instituto Ethos, enquanto Organização da Sociedade Civil que atua na mobilização e sensibilização de empresas para a gestão socialmente responsável de seus negócios, Caio Magri destaca que é possível perceber uma evolução no que se refere à conscientização das empresas sobre a importância de se preocupar com a adoção de práticas sustentáveis em suas organizações. “É perceptível que houve um avanço a respeito das práticas ASG em um conjunto de empresas, que têm incorporado critérios de responsabilidade social e empresarial nas suas decisões, na sua gestão e nas suas avaliações de resultados”.
Essa evolução também é destacada pelo CEO do Pacto Global da ONU no Brasil, Carlo Pereira. Ele considera que o próprio nível de exigência da sociedade em relação aos impactos causados pela ação do homem é o motivador deste cenário. “A sociedade em geral está cada vez mais munida de informações e, então, está cada vez mais atenta ao que consome. Ninguém permite mais a negligência, ninguém permite mais que as marcas e as empresas promovam mais impactos negativos, e esses impactos negativos são desde o impacto de uma grande hidrelétrica na natureza, até o impacto de uma empresa, por exemplo, do setor têxtil que tem uma associação ao trabalho análogo à escravidão e ao trabalho infantil”, avalia.
“Então, seja na questão social, seja na questão ambiental ou até de governança, que daí vem o acrônimo ESG, as pessoas querem que as empresas tenham uma conduta responsável. Sendo que conduta responsável não é um termo qualquer, é o termo que a OCDE usa para tratar dessa relação de empresas com a sociedade”.
Carlo aponta que, muitas vezes, se utilizam os dados referentes aos signatários do Pacto Global como um indicador do engajamento das empresas na agenda ESG. Para compreender o porquê disso, ele explica que o Pacto Global surgiu a partir de uma iniciativa da ONU em contribuir com as empresas interessadas para que elas atinjam a transformação necessária no que se refere a princípios universais na área de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção.
“Havia um cenário em que muitas empresas vinham de países mais desenvolvidos para países em desenvolvimento para levar a sua produção porque era mais barata lá. E a produção era mais barata porque não se pagava o salário devido, porque se promovia violação de direitos humanos, porque não se tomava o cuidado ambiental devido que no país de origem essas empresas tomavam, e porque muitas vezes praticava-se corrupção. Então, por isso, no pico da globalização, a ONU decidiu chamar as empresas para conversar e disso veio a criação do Pacto Global”, contextualiza. “O que a gente faz é ajudar empresas a criarem esse caminho da sustentabilidade, o caminho do ESG, pela geração de valor para a sociedade”.
Neste sentido, as empresas que estejam preocupadas em adequar os seus processos podem ser signatárias do Pacto Global, seguindo um passo a passo que envolve o envio de uma carta endereçada ao secretário-geral da ONU, atualmente o António Guterres, em que a empresa se compromete com os 10 princípios do Pacto Global e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. A partir do momento que a empresa se torna signatária do pacto, passa a contar com o apoio da rede para que consigam identificar como trabalhar de forma estratégica, a partir de diretrizes para a promoção do crescimento sustentável e da cidadania na corporação.
Considerando que a iniciativa de aderir ao Pacto parte das próprias empresas, os números que demonstram a quantidade de signatários ajuda a compreender a importância que as empresas vêm dando para a agenda no Brasil. Carlo Pereira aponta que, hoje, a Rede Brasil do Pacto Global tem 2 mil empresas signatárias, sendo que há quatro anos esse número era de apenas 500. “Por exemplo, a gente levou 15 anos para chegar a 500 signatários, depois levou dois anos para chegar a 1 mil e mais dois anos para chegar a 2 mil, então, se vê um crescimento muito acelerado nos últimos anos”, considera. “Não há a menor dúvida de que as empresas estão mais preocupadas com essa agenda”.
PARA ENTENDER
ESG na prática
l Quando se avalia de que maneira as empresas podem passar a adotar o ESG em seus processos, o presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, considera que é preciso reconhecer que, hoje, existem empresas em diferentes níveis de maturidade com relação ao tema, no Brasil. Exatamente por isso, ele avalia que não é possível generalizar ou adotar apenas um modelo de implementação da agenda nas empresas. “Aquelas que estão em um nível avançado, muitas vezes têm equipes dedicadas a essa agenda, com profissionais treinados e com experiência de mercado. Esse, sem dúvida, é o melhor cenário. Porém, essas empresas são minoria. A maior parte das corporações ainda está no caminho inicial, dando os primeiros passos. Por isso, o mais importante é saber qual o cenário dessa empresa e seu nível de maturação para, a partir daí, buscar evoluir e se estruturar de uma maneira mais adequada”.
PRINCÍPIOS
10 princípios do
Pacto Global
Direitos Humanos
1. Respeitar e apoiar os direitos humanos reconhecidos internacionalmente na sua área de influência.
2. Assegurar a não participação da empresa em violações dos direitos humanos.
Trabalho
3. Apoiar a liberdade de associação e reconhecer o direito à negociação coletiva.
4. Eliminar todas as formas de trabalho forçado ou compulsório.
5. Erradicar todas as formas de trabalho infantil da sua cadeia produtiva.
6. Estimular práticas que eliminem qualquer tipo de discriminação no emprego.
Meio Ambiente
7. Assumir práticas que adotem uma abordagem preventiva, responsável e proativa para os desafios ambientais.
8. Desenvolver iniciativas e práticas para promover e disseminar a responsabilidade socioambiental.
9. Incentivar o desenvolvimento e a difusão de tecnologias ambientalmente responsáveis.
Anticorrupção
10. Combater a corrupção em todas as suas formas, incluindo a extorsão e o suborno.
Fonte: Pacto Global – Rede Brasil.
PARA ENTENDER
PACTO GLOBAL
l Lançado em 2000 pelo então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, o Pacto Global é uma chamada para as empresas alinharem suas estratégias e operações a 10 princípios universais nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção e desenvolverem ações que contribuam para o enfrentamento dos desafios da sociedade. É considerada, hoje, a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo.
ESG
l ESG é uma sigla em inglês que significa environmental, social and governance, e corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização. O termo foi cunhado em 2004 em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, chamada ‘Who Cares Wins’. Surgiu de uma provocação do secretário-geral da ONU Kofi Annan a 50 CEOs de grandes instituições financeiras, sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais.