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Documentário resgata trajetória do músico Moa do Katendê, assassinado em 2018

Documentário resgata trajetória do músico Moa do Katendê, assassinado em 2018 Documentário resgata trajetória do músico Moa do Katendê, assassinado em 2018 Documentário resgata trajetória do músico Moa do Katendê, assassinado em 2018 Documentário resgata trajetória do músico Moa do Katendê, assassinado em 2018
Moa do Katendê era uma das referências da cultura baiana e dos blocos de afoxé. FOTO: DIVULGAÇÃO  https://www.instagram.com/gustavomcnair/
Moa do Katendê era uma das referências da cultura baiana e dos blocos de afoxé. FOTO: DIVULGAÇÃO https://www.instagram.com/gustavomcnair/

Ao longo de todo ano de 2018, Moa do Katendê vinha intercalando passagens por São Paulo, onde mantinha base no Brasil, em busca de meios para divulgar suas músicas e seu trabalho como ativista cultural. Compositor, dançarino, percussionista, artesão e militante do movimento negro na Bahia, Moa foi um dos criadores dos afoxés Badauê – cantado por Caetano Veloso e outros artistas – e Amigos do Katendê, além de ter sido compositor do Ilê Ayê. A despeito de sua importância para a cultura baiana e brasileira, e seu papel nos afoxés baianos – os blocos de rua ligados ao candomblé – pouco se falava sobre ele.

Foi nesse ponto que Moa encontrou o diretor, roteirista e escritor Gustavo McNair, nos bastidores das gravações do que seria o disco “Moa, Raiz Afro Mãe”, lançado apenas no final de 2022, com as composições do baiano interpretadas por nomes como Emicida, Baiana System, Fabiana Cozza, Criolo e Chico César. “A gente ficou encantado com ele e suas histórias”, lembra o diretor.

Das conversas nos estúdios da Mandril Áudio, surgiu o compromisso para um documentário sobre ele e a gravação das primeiras entrevistas de pré-produção. Mas Moa não pôde ver nem o disco nem filme finalizados. Ao final daquele ano, especificamente em 8 de outubro de 2018, o Brasil todo repetiria seu nome por outro motivo. O mestre foi vítima da violência que permeou o processo eleitoral, assassinado com 12 facadas por um apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro, após uma discussão sobre a disputa presidencial.

“Eu tinha muito pouco conhecimento sobre ele. Eu já tinha escutado falar do Moa, de Badauê, que é cantado em várias músicas, mas eu não conhecia ele de fato e esse foi um dos motivos que mais incentivou a gente. Como é que a gente podia não conhecer uma figura tão importante?”, lembra Gustavo.

O resultado da investigação sobre essa trajetória está em “Moa, Raiz Afro Mãe”, documentário distribuído pela O2 Filmes, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 3, mas ainda não tem previsão de estreia em Belém. O filme contém a última entrevista concedida pelo mestre, além de depoimentos de figuras que ajudam a dar a dimensão do seu papel cultural, especialmente na Bahia, como os músicos Gilberto Gil e Letieres Leite, morto em 2021, em decorrência da covid-19. É de Letieres, por exemplo, a declaração sobre a falta que faz às novas gerações, mesmo influenciadas por ele, não conhecerem o trabalho de Moa.

RIQUEZA DOCUMENTAL É FORÇA DO FILME

Além do próprio Moa, são os depoimentos e o grande acervo documental levantado pela equipe a grande força do filme, diz Gustavo. “Quando a gente começou, ele [Moa] tinha pouquíssima coisa em arquivo, então a gente teve um trabalho de pesquisa muito grande, de levantar material, organizar por datas, é meio uma investigação cruzando o que ele falava, o que as pessoas falavam, o que a gente via nos documentos, para gente entender essa biografia e traçar essa cronologia. Agora a gente vai doar esse material editado e organizado para o Instituto Mestre Moa do Katendê, que ele estava tentando levantar no Engenho Velho de Brotas [bairro de Salvador]”, diz.

Até aquele fatídico outubro, Gustavo McNair diz que a equipe do filme fez vários encontros com Moa, numa troca de informações e referências que se seguiu à distância, quando ele foi para a Europa cumprir compromissos de trabalho. “Ficamos conversando, ouvindo as pessoas. Na última diária que a gente teve, a gente fez a entrevista que aparece no documentário, que a princípio era uma entrevista de pré-produção, para ter material para fazer promo, e gravar umas músicas dele cantando. Ele falou mais de uma hora e acabou sendo uma entrevista superimportante; depois da passagem dele, ganhou outra proporção. É provavelmente uma das mais completas e é a última”, lembra o diretor.

A construção do roteiro partia da ideia de que Moa conduzisse a própria história, indicando os personagens importantes para contá-la. A morte dele, em paralelo às dificuldades trazidas pela pandemia de covid-19, trouxe a necessidade de redefinir caminhos. Financiado com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, o projeto acabou tendo tempo maior de maturação com o processo lento desde a aprovação até ter dinheiro em caixa para rodar – o que só ocorreu em 2020.

“Foi um baque muito forte, a gente viveu esse luto. E entendeu que precisava, mais do que nunca, continuar a fazer o filme. E que o filme tinha que continuar sendo sobre a vida dele. Com toda essa repercussão que ele ganhou nesse lugar de figura política, a gente entendeu que isso é importante, mas que o filme precisava devolver ele para o lugar da música, do artista, do arte-educador”, reflete Gustavo, que explica que o filme foi repensado no formato, mas não na intenção, que era de celebrar a vida.

“O formato que a gente pensou, a princípio, era ir seguindo o Moa e ele ir levando a gente para esses lugares. A gente tentou continuar com isso, seguindo as pistas e as pessoas que o Moa indiciou, e com uma pessoa indicando outra. Foi um quebra-cabeça de várias pessoas para montar”.

Os músicos do Baiana System e Gilberto Gil estão entre os entrevistados do documentário., FOTOS: DIVULGAÇÃO03

REAFRICANIZAR É PRECISO

A figura que surge desse quebra-cabeças, Gustavo McNair tem clara: “Músico, compositor, dançarino, artesão, mestre de capoeira, e o melhor de tudo, um arte-educador, um cara que dedicou a vida a levar a mensagem da negritude. A mensagem de que, através da nossa cultura original, a gente tem acesso a um Brasil para uma possível união das diferenças que o país guarda. A gente precisa se reconectar com a nossa cultura e reafricanizar a juventude. Ele falava isso, de que estava aí o caminho para a gente se reencontrar com o Brasil e ter orgulho das nossas origens, da nossa história”, diz o documentarista.

Para Gustavo, tudo isso significa também falar de desigualdade social, de racismo, preconceito, e da importância de rever o movimento periférico de Salvador, onde essa história se insere, como um exemplo.

“O Moa era um homem preto, periférico, vindo do candomblé, do Engenho Velho de Brotas, que é um bairro supernegro, supercultural de Salvador. No filme se fala como se fosse o Harlem brasileiro, tem muitos terreiros convivendo no mesmo bairro. O Moa é um exemplo vivo de como a cultura alimenta a gente e como a gente pode, através dessa cultura, igualar a sociedade, encontrar uma união social e cultural”.

Se o fato de ser alguém branco, do Sudeste, a contar essa história, preocupa o diretor? Ele diz que não. “Claro que é uma questão sempre presente, e a gente teve que ir com muito respeito. Estudei muito, li bastante, tentei me aproximar ao máximo dessas pessoas. Mas o que ajudou a respaldar foi que a gente tinha a abertura dada por ele, que nos aproximou das pessoas para manter a direção certa”.

Gustavo avisa, no entanto, que “Moa, Raiz Afro Mãe” não se pretende definitivo. “Nosso grande objetivo com o filme é contribuir um pouquinho para a continuação da mensagem do Moa, do legado dele… o Moa e o universo dele são enormes, não cabem nesse filme”.