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Bienal das Amazônias prepara exposição inspirada na relação da região com as águas

"Água Boa", imagem feita pela fotógrafa paraense  Elza Lima no Marajó, em 2021. FOTO: ELZA LIMA/DIVULGAÇÃO
"Água Boa", imagem feita pela fotógrafa paraense Elza Lima no Marajó, em 2021. FOTO: ELZA LIMA/DIVULGAÇÃO

TEXTO: WAL SARGES

Com uma linguagem que ao mesmo tempo aproxima e universaliza, a exposição “Bubuia: Águas como Fonte de Imaginações e Desejos” abre ao público no período de 4 de agosto a 5 de novembro como parte da Bienal das Amazônias, em Belém. A mostra conta com a participação de mais de 120 artistas e coletivos de oito países que compõem a Pan-Amazônia e mais a Guiana Francesa. O público poderá ter acesso gratuito.

“Bubuia” surgiu a partir do conceito de “dibubuísmo”, defendido pelo poeta abaetetubense João de Jesus Paes Loureiro. É o que explica Vânia Leal, que assina a curadoria ao lado de Keyna Eleison e Sandra Benites. “Enquanto conceito curatorial, ‘Bubuia’ não é apenas estar à toa. A gente pegou essa metáfora para ampliar e trabalhar com essa questão de rio, floresta, devaneio, do caboclo ribeirinho e do que se passa quando ele está ali no meio de uma dupla realidade mencionada por Paes Loureiro”.

“Esse conceito, embora pareça localizado, é global porque as águas se espraiam para todos os lugares e, em sua maioria, deságuam nos oceanos. Aí está o nosso caráter também de universalidade dessas águas que se espraiam para outros lugares do mundo”, acrescenta a curadora.

O corpo curatorial recebeu o nome “Sapukai”, termo oriundo da língua tupi. Cada integrante traz a sua identidade e inspiração para o projeto. “Eu nasci no Amapá, fui criada às margens do Rio Amazonas. Sou uma cabocla do Norte. É importante colocar isso porque a minha identidade também é a força de uma mulher que está aqui na Amazônia pensando arte”, descreve Vânia Leal, que é Mestra em Comunicação, Linguagem e Cultura. Keyna Eleison, por sua vez, é escritora, pesquisadora, narradora, cantora, cronista ancestral e gestora cultural. Sandra Benites é pertencente ao povo Guarani Nhandewa, atua como educadora, pesquisadora e curadora, radicada no Rio de Janeiro.

“O Paes Loureiro segue uma linhagem dos poetas profetas, segundo Tenório Telles. Para ele, Loureiro é um dos poetas que têm a memória desse universo amazônico. Imbuídas pelo ‘dibubuísmo’, a gente trouxe o conceito de ‘Bubuia’, que traz essa perspectiva de flutuar sobre as águas, mas ao mesmo tempo, é uma conjugação de movimentos de inércia. Tem essa dualidade: movimento e inércia em favor de um prazer, da reflexão, da integração com o meio ambiente e do caboclo ribeirinho”, detalha Vânia Leal.

“Pulsante”, de Evna Moura, também está na exposição. FOTO: EVNA MOURA/DIVULGAÇÃO

EXPOSIÇÃO REÚNE MÚLTIPLAS LINGUAGENS

São múltiplas as linguagens artísticas da exposição, com objetos, pinturas, colagens, fotografias, instalações e performances. Vânia Leal cita a artista manauara Keila Sankofa, no eixo da Amazônia Legal, que dialoga sobre todo um processo de alimentação na Amazônia, de cura e o ato de reunir. “Ela traz uma linguagem muito interessante de uma performance orientada para a fotografia”. Há também artistas como Gervane de Paula, com vários bichos feitos de objetos e que serão soltos no espaço da Bienal.

Emanuel Franco, que é do Pará, conta ela, está trazendo animais constituídos de lonas de caminhão com algumas frases escritas neles, propondo uma reflexão sobre quem está no habitat de quem. “Já a [fotógrafa] Walda Marques traz uma árvore de Bubuia, que é uma árvore imensa do ponto de vista fotográfico dela. Tem ainda uma instalação de parede, mas que é ao mesmo tempo, uma pintura e ainda, um objeto. Então tudo fica muito híbrido, as linguagens são híbridas”, caracteriza a curadora.

E é sempre desafiador pensar em quais artistas escolher, admite Vânia Leal. “A curadoria passou pela Amazônia Legal como um todo, do Amapá, passando por Tocantins, depois o Mato Grosso, indo pelo Maranhão. A Bienal propõe uma seta que aponta de dentro para fora do país, retratando a representatividade de artistas que estão fincados nas florestas”.

Um exemplo disso é Miguel Penha, um indígena que nasceu no Mato Grosso. “Ele vive nas Chapadas, aprendeu desde criança, com o pai, a andar na floresta e a reconhecer as espécies nativas. Ele diz que se depara com muita degradação de uma ambiência que já não é mais a mesma. Diz que pinta com a luz da floresta. Eu acho isso tão bonito porque, quando olhamos para a pintura dele, é como se quisesse captar mesmo aquela hora exata da luz ali, que está presente naquelas vegetações. E se o observador olhar para a pintura dele, que é um painel muito grande que vem para a Bienal, vai ver várias espécies nativas de vegetação, um rio muito limpo, então é quase que uma Amazônia idealizada, mas ele também aponta essas questões que perpassam pelo meio ambiente e que nós somos os guardiões dessa floresta”, destaca Vânia Leal.

Outro artista citado pela curadora é Gervane de Paula, que também é do Mato Grosso. “Ele é um artista que também pensa vários códigos sobre a Amazônia, sobre o seu lugar e que vai além do lugar. Pensar esta curadoria no eixo Norte foi trazer artistas que de fato têm uma experiência com o lugar. A Bienal é um divisor, trazendo essa voz que ecoa da floresta através da experiência desses artistas que pensam seus lugares e que vão assim abrir grande dialógica sobre vários pontos na arte, quer seja no meio ambiente, quer seja na ‘violentação da Amazônia’, que ocorre, por exemplo, com a obra do [paraense] Armando Queiroz, este que é fincado na experiência que tem em Serra Pelada [no sudeste do Pará]”.

“São várias nuances que tem na Amazônia, que até desmistificam a ideia de que a Amazônia é esse paraíso como muitos pensam e idealizam, mas que é um lugar também de conflitos. E a arte nos faz pensar, nos faz ver essas questões que aqui estão. Foi desafiador, mas eu estou bem feliz pela representatividade dos artistas da Amazônia Legal e para além das fronteiras que estão conosco nessa Bienal”, completa a curadora.

A mostra ainda reúne obras de artistas como a modernista paraense Antonieta Feio; a fotógrafa e ativista suíça, naturalizada brasileira, Claudia Andujar; e os contemporâneos paraenses Dirceu Maués, Éder Oliveira, Elaine Arruda e Mestre João Aires, Elieni Tenório, Elza Lima, Emmanuel Nassar, Evna Moura, Keyla Sobral, Mariano Klautau Filho, Miguel Chikaoka, Moara Tupinambá, Nay Jinknss, Pablo Mufarrej, Paula Sampaio, PP Condurú, Rafa Bqueer, Roberta Carvalho, Uýra Sodoma, Véronique Isabelle e Débora Flor.

CONTEMPORÂNEO

1ª Bienal das Amazônias

Abertura: 3 de agosto (para convidados e autoridades);

Visitação: 4 de agosto a 5 de novembro, de terça à sexta, das 9h30 às 19h; aos sábados, das 11h às 20h; e aos domingos, das 11h às 18h.

Onde: Rua Senador Manoel Barata, 400 – Campina

Quanto: Entrada franca