SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O consentimento da Suécia à realização de atos que envolvem a profanação do Alcorão, o livro sagrado do islã, continua a gerar revolta em países de maioria muçulmana.
Na quinta (20) e nesta sexta (21), as chancelarias de Arábia Saudita, Qatar e Irã convocaram os diplomatas suecos em seus países, algo visto como uma reprimenda diplomática; Teerã chamou a população às ruas após as orações; e o Hizbullah, grupo islâmico xiita que os iranianos financiam, fez o mesmo no Líbano.
Por fim, novos protestos foram anunciados em Bagdá. Na quinta, a capital do Iraque foi palco de um ato com centenas de pessoas ao redor da embaixada sueca que terminou com o incêndio do local. O protesto foi organizado por apoiadores do clérigo xiita Moqtada al-Sadr, nome influente da política iraquiana.
Nesta sexta, a Suécia anunciou que transferiria os funcionários da embaixada para Estocolmo por razões de segurança. O governo europeu, porém, não se pronunciou acerca da série de ações promovidas pelo Iraque na véspera que indicava uma possível ruptura diplomática, como a expulsão da embaixadora em Bagdá e a convocação do encarregado de negócios iraquiano na capital sueca, além da proibição das operações da fabricante de equipamentos de telecomunicações Ericsson em território iraquiano.
Agora, porém, um conselheiro do premiê do Iraque, Mohammed Shia’ Al Sudani, negou o veto à companhia sueca. “Todos os acordos contratuais feitos com o governo serão respeitados, e nenhuma empresa será proibida de exercer suas atividades, incluindo a Ericsson”, disse Farhad Alaaldin.
No centro da controvérsia está a permissão, por parte da polícia sueca, para a realização de protestos que envolvam profanar o Alcorão sob o argumento da liberdade de expressão. A força de segurança afirma, por sua vez, que a autorização é concedida para o evento em si, não para as atividades que ele envolve.
Seja como for, um ato perto da principal mesquita de Estocolmo, em junho, acabou com um manifestante queimando o Alcorão. Apesar das reações de países de maioria muçulmana e de o refugiado iraquiano Salwan Momika, 37, autor da queima do texto religioso, ter sido detido e acusado de promover agitação contra grupo étnico e de violar leis anti-incêndio, novas licenças a protestos do tipo foram concedidas.
Foi o caso de uma manifestação realizada na quinta-feira em frente à embaixada iraquiana, que segundo os organizadores seria palco da queima de um Alcorão e de uma bandeira do Iraque. Ao final dela, o grupo chutou e destruiu uma cópia do que disse ser o livro sagrado, mas não ateou fogo a ele. Momika também pisoteou retratos de Sadr, o clérigo iraquiano, e do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã.
Não à toa, as respostas mais duras à profanação do Alcorão vieram desses dois regimes. Ao mesmo tempo, a Turquia, que em junho foi uma das críticas mais eloquentes à concessão de licenças a protestos dessa natureza pelos suecos, não se pronunciou sobre os últimos desdobramentos do imbróglio.
Não deixa de ser uma boa notícia para o país, que tinha em Ancara a maior opositora a sua adesão à Otan, a aliança militar ocidental. O presidente turco, Recep Tayyip
Erdogan, vinha travando o pedido de entrada de Estocolmo no grupo em razão da recusa da nação escandinava de extraditar opositores exilados, como membros do PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, e seguidores do Fethullah Gulen, clérigo que mora nos Estados Unidos e é acusado de liderar a tentativa de golpe contra o líder em 2016.
Em janeiro, um protesto contra Erdogan em Estocolmo em que um exemplar do Alcorão foi queimado fez a Turquia suspender as negociações sobre a Otan com a Suécia. Há cerca de dez dias, no entanto, ela afirmou que enfim aprovaria a demanda sueca em seu Parlamento, e não voltou atrás, mesmo que, na quinta-feira, a chancelaria turca tenha condenado o ato em que o Alcorão foi destruído.
Erdogan não mencionou diretamente o assunto ao falar à imprensa nesta sexta-feira, mas cobrou mais cooperação por parte da Suécia na luta contra os grupos que chama de terroristas.