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Carisma de Schwarzenegger é a razão da existência de “Fubar”

Sempre gostei do lado cômico do Schwarzenegger. As interações com as pessoas ao seu redor não raro transmitem uma sensação de curiosa inadequação, especialmente em relação a sentimentos. Alguns de seus melhores trabalhos focam prioritariamente nesse aspecto, com a ação ficando em segundo – mas não menos importante – plano. Assim foi em “True Lies”, “Um tira no jardim de infância” e, em certa medida, o próprio “Exterminador do Futuro 2”. Humanizar os seus personagens para buscar nuances para além da brutalidade a que nos acostumamos em sua carreira é um tiro certeiro. Ainda mais porque o Arnoldão, convenhamos, pode até ser um senhor canastrão, mas suas tentativas de fazer comédia acabam mesmo que involuntariamente tendo o efeito esperado.

Dessa forma, houve até uma demora em trazê-lo para o mundo dos streamings com uma série que pudesse explorar ou satirizar essa sua habilidade como ator. Com “Fubar”, da Netflix, não há mais essa pendência. A série, em oito episódios na sua primeira temporada, faz praticamente uma releitura da trama de “True Lies”, com bem menos qualidade, é verdade, mas que, ainda assim, diverte, sendo altamente recomendável assisti-la em um final de semana descompromissado. Tanto é que, mesmo sendo detonada pelos críticos, alcançou boa recepção do público e garantiu a renovação para uma segunda temporada. É o poder do carisma do bom e velho Schwarza.

Mas eu compreendo as críticas. “Fubar” não traz nada de novo em termos narrativos. Ao contrário, é uma grande reciclagem de ideias. Fora que usa uma muleta, de fato, aborrecida: cada episódio termina com uma situação aparentemente impossível de ser resolvida, uma verdadeira encruzilhada. Contudo, no início do próximo, tudo é resolvido magicamente, comprometendo uma necessária suspensão de descrença. Ah, e sequer as sequências de ação são de tirar o fôlego – o próprio Schwarzenegger já fez melhor em sua filmografia. Então, qual o motivo para acompanhar e se envolver com a série? Porque é exatamente neste mais do mesmo que reside o seu charme. Ela é confortável, segura, nos dá o que esperamos, como aquela sitcom que assistimos ao almoçar ou para relaxar antes de dormir.

Pai e filha tendo que resolver seus problemas particulares enquanto salvam o mundo – Foto: Divulgação

O próprio título já mostra o objetivo da produção em não se levar a sério. “Fubar” é um acrônimo para “Fucked up beyond all recognition”, gíria militar utilizada para situações em que você se vê sem saída. No popular: “fodido e mal pago”. E tudo começa quando Luke Brunner, o personagem de Schwarzenegger, está prestes a se aposentar do seu trabalho de décadas como agente secreto, mas precisa terminar uma última missão: resgatar outro agente que está em território inimigo correndo o risco de ser desmascarado. Para a sua surpresa, trata-se da sua filha Emma (Monica Barbaro), com quem terá que trabalhar junto a partir de então, surgindo vários conflitos, especialmente pela personalidade similar dos dois.

Ao redor dos protagonistas orbitam aqueles personagens secundários tradicionais – e, nesse caso, igualmente carismáticos – que fazem parte da equipe ou da família de Luke. A química entre eles funciona e consegue salvar até mesmo derrapadas do roteiro ou piadas clichês. Mas o grande destaque coadjuvante vai para a participação especial de Tom Arnold (que fez “True Lies” com Schwarza) como o agente torturador, totalmente sádico e, paradoxalmente, engraçado. Ah, e Fabiana Udenio, como a ex-esposa que Luke tenta a todo custo reconquistar, foi uma escolha inspirada, pois ela é sempre uma presença adorável – percepção que não mudou desde “Curso de Verão”, de 1987, quando ela interpretou uma estudante de intercâmbio; ou a imitação de Bond Girl Alotta Fagina, em “Austin Powers” (1997).

Enfim, embora traga essa sensação de déjà vu da carreira de Schwarzenegger, “Fubar” não deve ser vista como homenagem ao seu legado. Está mais para uma expansão, a conquista de um novo território. O austríaco sempre foi um desbravador, nunca teve medo de explorar possibilidades no cinema, se entregando a papéis que poderiam render uma senhora vergonha alheia, mas que, ora veja, funcionaram. Se ele foi “Irmão Gêmeo” de Danny DeVito e até engravidou – oi, “Junior” –, por que não iria encarar o desafio do streaming? A série poderia ser melhor caso ele estivesse no auge da sua energia, podendo fazer cenas de ação mais elaboradas e centralizar mais a ação? Com certeza. Mas isso não o impede de seguir adiante aos 75 anos de idade. Com todo o carisma que Deus lhe deu.

ONDE ASSISTIR:

  • Netflix

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