Pará

Entenda a relação do paraense com o inseparável açaí

Na capital, todos os bairros possuem um local onde ele é batido, para alegria dos clientes. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.
Na capital, todos os bairros possuem um local onde ele é batido, para alegria dos clientes. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Pryscila Soares

Assim como o futebol é considerado uma paixão nacional, o açaí amazônico pode ser considerado uma paixão regional. Com propriedades antioxidantes e rico em vitaminas, o pequeno fruto da palmeira é um alimento que não apenas sacia a fome, mas virou um hábito de quem não consegue passar um dia sequer sem consumi-lo.

A relevância do açaí é tão forte que virou uma marca do estado do Pará e, ao longo dos anos, transpôs fronteiras ganhando o Brasil e o mundo. Para quem não sabe, o açaí produzido em solo paraense hoje é consumido na cidade de Dubai (Emirados Árabes Unidos), por exemplo.

Em geral, a atividade passa de geração para geração. Quem atua no ramo explica que o trabalho não é fácil. Porém, é o que garante o sustento de muitas famílias que integram a cadeia produtiva do fruto: desde o agricultor, o atravessador, até os chamados batedores de açaí, que muitas vezes empregam outros trabalhadores em seus estabelecimentos.

TRADIÇÃO

Seja na periferia ou no centro de Belém, é comum encontrar pontos de venda com a famosa plaquinha vermelha, indicando que naquele local tem açaí. Dentre os inúmeros pontos espalhados pelo bairro da Pedreira está o estabelecimento do batedor Neirivaldo Reis, 46. Ele aprendeu com o pai a atividade que até hoje é a fonte de renda dele.

“Meu pai, Francisco Cordeiro, já falecido, trabalhava na feira do açaí, na década de 1980, na época que tinham só maloquinhas. Eu trabalhava com ele e até hoje estou nesse ramo. Já pensei em fazer outra coisa porque agora tem muita concorrência. E cada vez mais a gente precisa se atualizar”, relata.

O fruto é a “cara” do paraense, sendo consumido todos os dias, alimentando famílias e sustentando pequenos negócios. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

“Acordo 2h50, chego lá (no Ver-o-Peso) 3h30 para comprar o fruto. São muitos anos acordando no melhor do sono. Sinto dores de cabeça e dia de segunda-feira já não funciono. Não estudei, então tenho que fazer isso mesmo. Conquistei meu carro, eduquei minhas filhas e agora estou querendo mudar o ponto para fazer na minha casa, com uma estrutura maior”, disse.

Na Feira da 25 de Setembro, no bairro do Marco, um dos pontos de açaí mais antigos pertence à empreendedora Walquiria Melo, 68, que atua no ramo há 31 anos. Ela iniciou a atividade quando era casada com um produtor de açaí, que cultivava o fruto na Ilha das Onças.

Para Walquiria, o principal gargalo enfrentado por quem desenvolve a atividade hoje é a concorrência e, consequentemente, o encarecimento do fruto. Neste período de entressafra, a polpa está custando a partir de R$ 20,00 (litro), dependendo do local de venda.

A empreendedora lembra que caprichou na estrutura do estabelecimento, com revestimento em pvc, enquanto que os demais eram de madeira. Segundo ela, isso chamava a atenção da clientela, que formava fila no local. Apesar do atendimento por delivery, o movimento é menor hoje.

“Lembro da amizade com o pessoal daqui, dos clientes. Hoje o nosso maior problema são as fábricas. Era para o açaí estar mais barato. Mas as fábricas compram muito para mandar para fora, então o valor não abaixa. A gente compra menos e caro. E em todo bairro tem açaí”, declara.

EXPANSÃO

Natural do estado de Roraima, o empresário Nazareno Alves, 53, decidiu trabalhar com a venda de açaí há 19 anos. Ele montou o primeiro ponto na casa onde morava, no bairro da Cidade Velha. Apaixonado por açaí com peixe frito, ele teve a ideia de montar um pequeno restaurante, que funcionava no mesmo espaço.

Natural do estado de Roraima, o empresário Nazareno Alves, 53, decidiu trabalhar com a venda de açaí há 19 anos. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Mas, para Nazareno, o grande diferencial para alcançar sucesso na empreitada foi a busca por capacitação e formalização. Aplicando o conhecimento, o negócio foi crescendo e hoje o empresário conta com 90 funcionários, que também passam por constantes capacitações.

Proprietário de três restaurantes que comercializam pratos variados acompanhados de açaí, três pontos de distribuição de açaí na capital e mais duas propriedades, onde está produzindo o fruto com o uso de tecnologias, o empresário trabalha para ser autossuficiente na produção em até dois anos.

“Percebi que a única maneira de crescer como batedor de açaí era fazendo treinamento. Vi uma grade grande de treinamentos no Sebrae e me propus a fazer”, informa. “Quando era adolescente, trabalhava no Ver-o-Peso, e tinha o sonho de montar um restaurante. Era muito viciado no peixe frito com açaí. Tive a ideia de montar o restaurante, deu certo e, com isso, fomos crescendo“, recorda.

“Hoje a minha equipe toda faz treinamento no Sistema S e foi uma das coisas que fez dar certo. Tem duas propriedades em Igarapé-Açu onde produzimos açaí, limão, farinha. Hoje sou presidente da AMA (associação de produtores de açaí irrigado) e incentivamos os empresários a plantarem açaí nas áreas de terra firme, que são degradadas”, assinala Nazareno.

CONSUMO

Na casa do estudante Alexandre Luciano, 22, tem que ter açaí todos os dias para acompanhar o almoço. Ele compra a polpa em um ponto de venda próximo de sua casa, no Marco. “Minha avó que nos acostumou. Todo dia tinha que ter açaí, desde quando eu era criança. A gente já compra um litro e meio e já fica para o outro dia. Só compro de um ponto, porque já conhecemos. O açaí daqui é de qualidade e muito saboroso. Açaí combina com peixe, carne assada, cozida, com farinha de tapioca ou de mandioca”, afirma.

O administrador José Tavares, 57, também não almoça sem. “Em casa, tomamos açaí todos os dias. Já sou cliente desse ponto há mais de 20 anos. É o melhor que tem por aqui. Quando ele não vem a gente briga com ele (o proprietário). Na hora do almoço a gente toma com farinha e camarão. Compro geralmente um litro. A tradição vem de família, do sangue mesmo. Lembro da casa do meu avô”, contou.