FRANCISCO LIMA NETO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O médico Marcos Wesley Silva, que foi demitido depois de prescrever sorvete de chocolate duas vezes por dia e jogo Free Fire diário para um menino de 9 anos que tinha inflamação na garganta e sintomas gripais, foi recontratado.
O caso ganhou repercussão e levantou discussão se o atendimento foi humanizado ou debochado. Além de suscitar a eterna dúvida se alimentos gelados fazem bem ou não para o tratamento de dor de garganta.
O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) informa que chupar cubos de gelo, picolés e pastilhas é uma medida para diminuir a dor de garganta. O NHS, serviço de saúde pública do Reino Unido, também fornece uma orientação semelhante.
O neurologista atuava na rede pública de Osasco, na Grande São Paulo, por meio de uma OS (Organização Social) que administra a UPA Jardim Conceição. A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com o médico.
O atendimento prestado pelo profissional é alvo de uma investigação do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). A recontratação ocorreu nesta quarta-feira (31) por ordem do prefeito Rogério Lins (Podemos), de acordo com a Prefeitura de Osasco. O prefeito viu a atitude do médico como humanizada.
“Na receita há a prescrição de toda a medicação necessária ao paciente. Quando ele coloca o sorvete e o jogo, ele quis humanizar o atendimento”, disse.
A mãe da criança, Priscila da Silva Ramos, 37, afirmou que a prefeitura olhou apenas para a receita e não para o atendimento. “Só levaram em conta a parte da receita, mas não viram a parte que o médico não examinou meu filho, só prescreveu um monte de medicamentos”, afirmou.
Ela disse que está sendo criticada por ter exposto o caso. “Ele está saindo como certo e eu errada. A situação ficou pior para o meu lado, não foi o dele. O meu ficou muito ruim porque estão dizendo que eu estou querendo ibope, mas não é isso. Tanto que eu não quis aparecer em nenhuma imagem”, comentou.
A mãe da criança afirmou que apenas quis expor uma situação que ela afirmou ser recorrente. “Minha intenção era mostrar o caos da saúde aqui em Osasco, onde eles [médicos] não olham na sua cara, não examinam, debocham. Várias pessoas vieram falar comigo que passaram pela mesma situação de descaso”, explicou.
ENTENDA
O atendimento ocorreu na madrugada do último dia 18, na UPA Jardim Conceição, em Osasco, Grande São Paulo.
O médico atuava na rede pública por meio de uma OS (Organização Social) que administra a UPA e foi demitido depois de o caso vir à tona.
A mãe da criança reclamou do atendimento médico, que, segundo ela, não examinou o menino. O Cremesp não detalhou se há algum indício de má conduta por parte do médico.
“Ele começou a escrever a receita sem examinar meu filho, sem olhar a garganta, sem examinar o peito, sem nada nada. Aí ele perguntou para o meu filho se ele gostava de sorvete, ele falou que sim. Perguntou se de chocolate ou morango, meu filho respondeu de chocolate. Só que até então não imaginava que ele prescreveu o sorvete na receita. Aí ele prescreveu o sorvete e prescreveu o jogo”, contou ela, que entendeu as recomendações do médico como um deboche.
Na receita médica constam cinco indicações de medicamentos: amoxicilina, ibuprofeno, dipirona, prednisolona e acetilcisteína –além de sorvete de chocolate duas vezes por dia, mais Free Fire diário.
Para o advogado Henderson Furst, presidente da Comissão de Bioética da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo), esse tipo de prescrição, geralmente, tem o objetivo de humanizar a relação.
“Alguns médicos que têm uma prática de humanizar a relação fazendo umas receitas que contenham algumas coisas fora do comum, mas que representam naquela relação um um ato de humanização. Já vi receita, por exemplo, que o médico falava ‘cuide-se, você é especial, abrace mais’. É claro que essa mesma receita feita por um médico no contexto em que a relação médico-paciente está ruim pode soar muito estranha”, disse.