JOÃO PERASSOLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando fotografava Tina Turner em estúdio na década de 1980, Lynn Goldsmith queria se certificar de que os retratos da cantora mostrariam a maneira enérgica com que ela balançava a cabeça em seus shows. Então, para entrar no ritmo, a fotógrafa começou a girar sua cabeça enquanto clicava a estrela fazendo o mesmo. A sessão durou horas.
Quando Tina deixou o estúdio, a fotógrafa começou a sentir dores no pescoço. Dias depois, consultou um médico, que constatou que havia estirado os músculos de tanto girar a cabeça. Seu encontro com a cantora, que à época se lançava em carreira solo, resultou não apenas nas fotos, mas também em três semanas com um imobilizador de pescoço.
Ossos do ofício. Aquela era só mais uma das vezes em que Goldsmith, uma das principais fotógrafas americanas de ídolos pop na segunda metade do século 20, registraria os cabelos de Tina congelados no ar, em meio aos movimentos frenéticos que eram uma das marcas registradas da rainha do rock.
Desde o último dia 4, o público pode ver um punhado de fotos de Tina em ação feitas por Goldsmith. As imagens estão reunidas na exposição “Tina Turner: Uma Viagem para o Futuro”, no Museu da Imagem e do Som, o MIS, em São Paulo.
Além destas imagens, a mostra reúne dezenas de retratos da carreira da cantora entre as décadas de 1960 e 1990 feitos por outros nomes emblemáticos do showbiz os fotógrafos americanos Ebet Roberts e Bob Gruen e o britânico Ian Dickson.
“Nem todos os músicos ficam tão confortáveis em frente a câmera como a Tina. Trabalhar com alguém que entende o poder de sua imagem deixa muito mais fácil o trabalho do fotógrafo”, afirma Goldsmith, em entrevista por videoconferência. Ela sabe o que está falando em cinco décadas de carreira, fotografou Bob Marley, Freddie Mercury, Annie Lenox, Bob Dylan e Sid Vicious, por exemplo.
Embora tivesse fotografado Tina pela primeira vez no início da década de 1970, quando ela se apresentava numa banda com seu ex-marido, Ike Turner, Goldsmith conheceu de fato a cantora numa noite de réveillon anos mais tarde, quando ela fazia um show num hotel em Miami, nos Estados Unidos. Há algumas imagens desta noite na exposição.
Segundo a fotógrafa, naquela época não havia muitas mulheres atrás das câmeras ou com cargos importantes na indústria da música, e o fato de ela ser mulher deixava Tina mais à vontade. “Ela era um cavalo de corrida pronto no portão. Tudo o que você tinha que fazer era tocar o sino”, afirma.
Na mostra, o público também conhece Tina fora dos palcos. Há um momento capturado por Bob Gruen no qual ela e David Bowie bebem ao mesmo tempo no bico de uma garrafa de espumante, enquanto atrás deles Keith Richards, dos Rolling Stones, olha para a cena segurando uma garrafa de uísque.
Gruen também registrou Tina com Elton John durante o lançamento do filme “Tommy” uma ópera rock da banda The Who no qual ela fez o papel de Rainha do Ácido, e tocando guitarra ao lado de George Miller, diretor do clássico “Mad Max”, longa que contou com a atuação da cantora.
O fotógrafo retratou ainda Tina cantando e dançando nos bastidores de um show enquanto Ike Turner toca guitarra, além de um momento em que ela observa seu ex-marido mexer nos botões da mesa de som.
Considerado um dos inventores do rock’n’roll, foi Ike quem introduziu Tina à vida nos palcos, nos anos 1950. Anna Mae Bullock, uma adolescente negra do interior do Tennessee que cantava no coro da igreja de sua comunidade, virou vocalista da banda de Ike, de quem antes era tiete, e acabou se casando com ele.
Com a banda, ela excursionava os Estados Unidos enquanto aprimorava seus dotes vocais e ganhava notoriedade. Tudo parecia bem. Mas por trás das cortinas Ike se revelou um agressor. Ele batia em Tina com cabides, jogava café quente nela e a forçava a fazer sexo, segundo relatos da cantora no documentário da HBO “Tina”, filme que repassa a sua vida.
Seu desespero era tão grande que ela tentou se suicidar tomando uma cartela inteira de remédios para dormir. Depois de atingir o fundo do poço de seu casamento de mais de 20 anos com Ike, Tina o abandonou em 1978, num gesto de superação que mudaria a sua vida.
Ela então se aventurou em carreira solo e, seis anos mais tarde, lançou o disco com o qual escreveu seu nome na história do pop, “Private Dancer”, que tinha o megahit “What’s Love Got to Do With It”. Pouco depois, tocaria os sucessos do álbum numa apresentação no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, para mais de 180 mil pessoas, o recorde de público pagante para um show de um artista solo há uma instalação na mostra sobre esta noite.
“Não importa que ela tivesse 45 anos quando fez seu retorno [com ‘Private Dancer’], e que ela competisse no mercado pop com novatos como Madonna e Sade, para quem havia aberto a porta ela já era lendária”, escreveu Christian Wright num ensaio sobre a cantora no livro “Trouble Girls”, ou garotas problema, uma compilação de textos da revista Rolling Stone sobre mulheres emblemáticas na música.
Wright argumenta ainda que Tina se tornou um ícone para pessoas negras porque foi capaz de superar a segregação racial, para mulheres porque foi bem-sucedida no mundo predominantemente masculino da música, e para ela mesma porque passou por tudo isso viva.
Para Lynn, a fotógrafa, o maior legado da cantora é ter se reinventado aos olhos do público. “É ter sofrido nas mãos de outras pessoas como ela sofreu e não perder seu senso de si, voltar e se colocar no mundo como performer, mãe e mulher.”
TINA TURNER: UMA VIAGEM PARA O FUTURO
Quando De 4 de maio até 9 de julho; ter. à sex., das 11h às 20h; sáb., dom. e fer., das 10h às 19h
Onde MIS – av. Europa, 158, São Paulo
Preço R$ 30; grátis às terças