MARCOS GUEDES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A apresentação oficial do técnico Cuca no Corinthians, não teve a abundância de sorrisos e o clima de entusiasmo habituais nesse tipo de cerimônia. Foi com constrangimento que o presidente do clube, Duilio Monteiro Alves, e o gerente de futebol, Alessandro Nunes, entregaram ao paranaense uma camisa alvinegra com o número 10.
Do lado de fora do centro de treinamento alvinegro, no Parque Ecológico do Tietê, cerca de 200 torcedores protestavam. O grupo era majoritariamente formado por mulheres, como as participantes do coletivo Loucas Por Ti Corinthians, que se manifestavam contra a chegada do profissional de 59 anos.
O motivo é o caso de violência sexual registrado em Berna, na Suíça, em 1987. Na ocasião, Cuca era jogador do Grêmio e foi detido ao lado de três companheiros. Julgado e condenado, não chegou a cumprir a pena estipulada para o crime, que prescreveu, mas o caso voltou à tona e vem provocando forte rejeição.
“Eu não sou do mal”, afirmou o treinador, em uma entrevista na qual falou mais sobre 1987 do que sobre 2023. Bastante cobrado -relevante exceção é a organizada Gaviões da Fiel, que foi ouvida e aprovou a contratação-, Duilio nem sequer fez o protocolar discurso de boas-vindas ao comandante recém-chegado. Sentou-se e ouviu sua defesa.
“Eu não sou bandido”, disse Cuca. “Não sou culpado de nada. Sou inocente. Tenho minha consciência tranquila, durmo tranquilo. Eu sou uma pessoa decente, acima de tudo. Minha bandeira sempre foi a correção”, afirmou, enquanto torcedores empunhavam faixas com os dizeres “fora, Cuca” e “respeita as minas???”.
A tesoureira Priscila Clementino de Almeida, 36, chamou a chegada do técnico de “inadmissível”. “O Corinthians nunca foi só futebol, e com essa contratação estão manchando completamente a história do clube e toda a sua luta social. Aqueles que escolheram estar ao lado dessa diretoria que em nada acerta são cúmplices. A hashtag #respeitaasminas é puro marketing”, esbravejou, agitada.
Há 36 anos, além do então meia Cuca, foram detidos na Suíça, onde estava o time do Grêmio, o goleiro Eduardo, o zagueiro Henrique (que depois teria longa passagem pelo Corinthians) e o atacante Fernando. A acusação era de violência sexual contra uma garota de 13 anos no quarto em que estava o quarteto.
“Subiu uma menina para o quarto em que eu estava com mais três jogadores. Eram duas camas de casal. Essa foi minha participação. Sou totalmente inocente”, afirmou o ex-atleta, que pela primeira vez se dispôs a responder a uma série mais extensa de perguntas sobre o tema, mas declarou ter “uma lembrança muito vaga, porque faz muito tempo”.
“O quarto era em [formato da letra] L. Você não sabe, você não vê”, disse o técnico, que se apoia no fato de a garota não tê-lo reconhecido como um dos agressores. “O mais importante não é a palavra da vítima? Ela falou: ‘Eu não conheço, não vi, não estava’. Foram três vezes. A palavra da mulher era que o Cuca não estava lá. Como posso ser condenado? Pelo quê?”
Mas foi. Liberado ao fim da fase de instrução no processo, Cuca voltou ao Brasil. No julgamento, teve sentença de 15 meses de prisão e pagamento de US$ 8.000, mesma pena aplicada a Henrique e Eduardo. Fernando foi considerado apenas cúmplice do ato –tratado à época, por Eduardo e Henrique, como consensual– e condenado a três meses de prisão, com multa definida em US$ 4.000.
Cuca não foi à Suíça para se defender nem para cumprir a pena estipulada. “Eu era um quebrado, tinha 23 anos [24, na verdade], não tinha dinheiro para pegar o voo. Se eu pudesse voltar ao passado, iria lá. Pronto. Já estou absolvido”, declarou o ex-meia, que jura ter ficado sabendo da condenação “coisa de um ano depois”.
O caso teve repercussão na imprensa, mas esfriou e não foi grande empecilho para a carreira de Cuca, que saiu do Grêmio em 1990 para jogar no Valladolid, da Espanha, e passou por outros grandes clubes, como Internacional e Palmeiras. Tornou-se treinador ainda mais vitorioso e tem na Copa Libertadores de 2013, com o Atlético Mineiro, seu maior título.
Foi só nos últimos anos, na esteira de transformações na sociedade e no crescimento de feministas, que o episódio ressurgiu. E a rejeição ao paranaense cresceu.
“Por que devo desculpa para a sociedade se eu não fiz nada? A vida passou quase 37 anos. Joguei aqui do lado, treinei vários times, nunca fui questionado. Nos últimos dois anos, a coisa mudou. O mundo mudou, de um jeito melhor, a mulher tem uma defesa muito maior, e sou parte disso, quero isso. Sou pai, sou marido, sou filho. Quero que as mulheres estejam cada vez mais protegidas.”
Segundo Cuca, seus dois erros ligados ao tema foram não ter se defendido no processo -que até hoje é de difícil acesso, pela lei de proteção de dados da Suíça e da sensibilidade do crime- e não ter falado mais sobre o assunto anteriormente. Na tarde de sexta-feira (21), falou bastante, ainda que não tenha sido exatamente esclarecedor.
Em sua tensa entrevista de apresentação, só esboçou brevemente um sorriso ao recordar um lance de 2010, quando era técnico do Cruzeiro e se revoltou com a marcação de pênalti para o Corinthians, uma disputa entre Gil, hoje também no Corinthians, e Ronaldo. “Não foi pênalti. Se bem que o Gil chegou aqui e falou que foi, né? Está bom, foi pênalti. Estou brincando.”
Logo voltou o semblante sisudo, apropriado para quem tem a missão de ajeitar um time problemático, sem a torcida ao seu lado.
“Estou energizado. Vou fazer um bom trabalho aqui. Tenho certeza e convicção de que vou fazer um bom trabalho aqui. Hoje, pode ter protesto, e eu vou passar por cima de tudo. Se tiver protesto, vou saber como passar por cima, mas de consciência tranquila. Isso é a maior coisa que um homem pode ter: saúde e paz. Você tendo isso, você dorme tranquilo. Eu durmo tranquilo, graças a Deus.”