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Qual o momento certo de pedir demissão?

Gilvane Ferreira Moreira (amarelo) trabalhava de carteira assinada, mas largou o emprego para montar junto com o irmão José Luis, uma oficina de funilaria e pintura. Foto-Wagner Santana/Diário do Pará.
Gilvane Ferreira Moreira (amarelo) trabalhava de carteira assinada, mas largou o emprego para montar junto com o irmão José Luis, uma oficina de funilaria e pintura. Foto-Wagner Santana/Diário do Pará.

Luiz Octávio Lucas

O mecânico Gilvane Ferreira Moreira, 42 anos, decidiu há nove anos que não queria mais ser empregado formal com carteira de trabalho assinada. Assim que a chance de montar o próprio negócio surgiu, ele não pensou duas vezes, pediu demissão e investiu na própria oficina de funilaria e pintura de veículos. A pequena empresa é familiar, ao lado do irmão José Luis Moreira, que também deixou o cargo de motorista profissional em uma empresa, com carteira assinada, para passar a se dedicar somente ao ramo automotivo.

“Eu trabalhava em uma fábrica da antiga Coca-Cola, a Compar, e passei um período lá, como mecânico industrial. Depois apareceu uma proposta para eu seguir carreira solo, então comecei a me preparar para isso, comprar equipamentos, até que saí e montei a oficina de serviços automotivos”, conta Gilvane.

Dono do próprio negócio, ele destaca que até hoje existem desafios para se manter no mercado, mas lembra que no início as coisas foram mais complicadas. “No começo foi difícil conseguir uma cartela de clientes, por ser um ambiente novo de trabalho. São poucos clientes que te conhecem, mas eles mesmos foram fazendo a divulgação e com isso conseguimos fidelizar alguns”, cita. “Não é uma empresa grande, ainda estamos como um pequeno negócio de família que pretendemos evoluir no futuro”.

Gilvane admite que a decisão de deixar de ser empregado para ser o próprio chefe tem seus prós e contras.

“Se eu tivesse trabalhando neste período de carteira assinada, eu teria uma indenização agora para receber de cerca de R$ 50 mil, mas como não estou com CLT, eu preciso fazer um fundo de reserva”, pontua. “Nosso fluxo ainda não é constante, é um mercado incerto, a gente fica apreensivo, mas não tenho arrependimento,nunca tivemos problemas com roubo, furto. A vantagem é a pessoa gerir seu negócio, mas precisa ter aptidão”, alerta.

“Muitos amigos meus tentaram o mesmo caminho, mas não conseguiram gerir o dinheiro que entrava e voltaram para trabalhar de carteira assinada, porque gastaram com coisas desnecessárias, foram ‘jogados’ na justiça”, ilustra. “Não me arrependo, mas os valores (ganhos) não são tão diferentes de quando se trabalha com carteira assinada”.

FENÔMENO ATUAL

A história de transição profissional dos irmãos Moreira reflete um comportamento cada vez mais comum. Apesar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicar quase 12 milhões de desempregados no país, ao mesmo tempo, um terço dessas demissões foram voluntárias, confirma um levantamento da LCA Consultores. O estudo aponta que mais de 600 mil brasileiros deixaram seus empregos formais em um único mês por livre e espontânea vontade.

A situação é analisada pelo docente na Unama do curso de Administração e Recursos Humanos, John Pablo Pinheiro, que também é consultor de carreiras. “Chega um momento na vida do profissional que ele precisa de novas experiências, novos desafios. Ele vai precisar de novos fatores motivacionais para continuar nesse universo tão difícil, que exige muito das pessoas: capacidade, competência… então as pessoas passam a definir o que elas querem para a vida delas”, justifica. “A vida profissional interfere na vida pessoal desse trabalhador, com suas frustrações, resultados, que terão reflexos no desempenho da vida pessoal, social e emocional”.

A insatisfação é muito presente nas empresas, aponta John Pablo. “Existem pessoas que estão insatisfeitas por não terem reconhecimento. Aquele que é pontual, se dedica, trabalha, mas não é visto. As oportunidades sempre são dadas para pessoas que têm o mínimo de participação na empresa, ou porque são indicadas pelo diretor, amigo de algum sócio ou outros interesses”, ilustra. “São pequenos exemplos que infelizmente acontecem nas empresas. Muitos gestores não conseguem criar apreço e admiração por aquele profissional, mesmo sabendo que ele é muito competente, o que limita as chances de crescimento na empresa”.

A questão salarial também é um ponto que pesa na hora de pedir as contas. “Muitos são motivados com bônus, gratificações, mas têm pessoas que são motivadas com reconhecimento, status, verem seu nome sendo bem comentado. A motivação é algo particular e individualizado. São vários fatores que podem gerar essa insatisfação”.

Para quem vive essas insatisfações e pensa em deixar o ponto eletrônico de lado para gerir um negócio próprio, é preciso planejamento, indica o especialista. “É importante que o profissional avalie sua presença nessa empresa, colocar na balança se está valendo a pena, a sua remuneração, se está compensando, se tem reconhecimento, se a cultura organizacional dessa instituição é equivalente aos seus traços comportamentais, crenças e valores”.

A partir dessas reflexões, pedir demissão e buscar outra oportunidade no mercado de trabalho pode ser uma excelente decisão, comenta o professor. “Se o profissional percebe que na empresa ele não tem oportunidade de crescimento, quando ele percebe que se dedica, tem boa relação com as pessoas, preza pela política da empresa, mas nem assim a oportunidade de crescimento chega para ele”, destaca. “Às vezes a empresa não pode aumentar o salário, não tem progressão de carreira. Se a insatisfação vem desses fatores, é o momento de reavaliar sua permanência”.

Da demissão ao investimento no próprio negócio, é preciso estar preparado. “Compreender o momento econômico; o público consumidor que tem perfil volátil. A empresa desse profissional está dentro desse universo de opções e precisa abrir de forma muito bem estruturada, não de forma aleatória, dando tiro no escuro. Tem de ser estruturado, planejado com todo rigor. Precisa estudar muito esse negócio”, recomenda John Pablo.

Além disso, é preciso avaliar se você tem recursos materiais e financeiros para iniciar um negócio. “Não pode tomar uma decisão e se arrepender. Se o negócio não der certo, ele precisa ter um plano B, pensar em todas as vertentes. Estar muito seguro de si, não fazer isso na base da empolgação, mas seguro do que se quer, do que precisa, de seus ideais”, dá a dica. “Não pode tomar uma decisão aleatória porque existe agora uma tendência de investimento e abertura de negócio. De fato, precisa estar ciente do que deseja para sua vida a partir desse momento”.