Aline Rodrigues e Tylon Maués
Cerca de 15 dias atrás, o guitarrista Tony Bellotto divulgou algumas fotos dele e dos demais membros da primeira formação dos Titãs se reencontrando para um ensaio. E o que se viu parecia muito com uma reunião familiar entre irmãos que não se viam com a constância que gostariam, mas todos com os afetos intocáveis.
A banda paulista anunciou em novembro do ano passado a turnê “Titãs Encontro: Todos ao mesmo tempo agora”, de celebração de 40 anos de estrada, com a presença de todos os membros originais, com exceção do guitarrista Marcelo Fromer, falecido em 2001.
O início da turnê de reencontro está marcado para o dia 27 de abril, no Rio de Janeiro, e inclui Belém no roteiro, com data confirmada em 12 de maio. A banda ainda passará por Belo Horizonte e São Paulo, Manaus, Aracaju, João Pessoa, Recife, Goiânia, Vitória, Curitiba, Florianópolis e Ribeirão Preto, e chegará a Lisboa, em Portugal.
Será a primeira vez, de fato, que a banda estará junta em sua totalidade desde que o vocalista Arnaldo Antunes partiu para carreira solo em 1992, seguido por Nando Reis dez anos depois, o baterista Charles Gavin em 2010, e o vocalista Paulo Miklos em 2016.
Não será algo totalmente inédito, pois eles já dividiram os palcos em anos anteriores, mas nada comparado com o projeto atual. O show terá canções interpretadas pelos diferentes vocalistas da banda, resgatando a potência que o grupo tem em grandes arenas.
“Não nos encontramos muito nesses anos, ainda mais para tocar. Juntos fizemos um show só para comemorar os 30 anos de carreira, mas não como será agora. Naquela ocasião, cada um entrava para fazer uma participação especial e, no fim, tocamos todos juntos algumas músicas. Agora não, será um show com todos juntos como fazíamos antes, há muito tempo”, afirma o vocalista e tecladista Sérgio Britto, que ao lado de Bellotto e do também vocalista Branco Mello foram os responsáveis por evitar que se dissesse que os Titãs não existiam mais como banda.
O clima de reencontro familiar tem se repetido em todos os momentos em que eles aparecem juntos. Na entrevista coletiva do ano passado em foi anunciada turnê, eles estavam lá com esposas, filhas e filhos e diante de jornalistas que cresceram vendo-os ou curtindo seu legado.
Em entrevista concedida ao DIÁRIO por videochamada, em meio a uma agenda cheia em que os Titãs se dividiram, Britto comenta que todas essas impressões sobre um encontro familiar têm suas verdades. Segundo ele, desde as primeiras conversas para viabilizar a turnê, parece que pequenas faíscas de amor e fraternidade foram sendo alimentadas para que uma chama fosse ganhando corpo, com anos de intimidade e amizade dando as caras, para que tudo passasse a fluir com a naturalidade dos anos passados.
“É uma alegria imensa compartilhar esse momento de celebração”, confirma Britto, que ressalta que o sentimento entre eles sempre foi esse mesmo, apesar de algumas distâncias inerentes à vida adulta.
ENTREVISTA COM SÉRGIO BRITTO
Tudo e todos ao mesmo tempo agora
No palco, Sérgio Britto sempre foi um dos mais furiosos do Titãs, a despeito de estar à frente de um dos instrumentos mais delicados, o teclado. A ele, Branco e Tony coube a missão de manter banda em atividades mesmo que num ritmo muito menor do que de décadas atrás, seja de shows ou de materiais novos. Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO, ele fala desse reencontro, do que se pode esperar das apresentações, da escolha do repertório e de nunca poder dizer nunca quanto a novos reencontros ou novas músicas.
P Quem vê de fora, tem a impressão de uma grande reunião familiar a partir da turnê. Como tem fluido essa volta, a relação entre vocês?
R O clima tem sido ótimo. Fizemos uns quatro ou cinco reencontros. Primeiro numa entrevista coletiva em que foi tudo muito bacana, emocionante colocar a conversa em dia. Aos poucos começamos a trabalhar no show. O pessoal fez os ensaios de base, depois entrei com meus sets de teclado, recuperando algumas coisas que não tocava há tempos. Em abril começam os ensaios para valer, com todo mundo para chegarmos afiados nos primeiros shows.
P Parece que foi apenas um intervalo para que vocês voltassem à rotina de antes?
R Nem sei dizer, parece algo assim. Eu nem sei dizer quando o Arnaldo (Antunes) saiu. Agora será bacana para quem viu aqueles shows e para quem sempre teve vontade de ver.
P A escolha do repertório foi algo natural ou deu trabalho? Tem algo que vocês não tocavam faz tempo?
R A grande maioria de nós, Titãs que estamos na ativa até hoje, mantivemos nosso repertório clássico que não poderiam ficar de fora. Mas, algumas de fato não tocamos há algum tempo. “Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas” não tocamos faz algum tempo, assim como o “Cego Do Castelo”, que vamos tocar nessa turnê. Essas duas, com certeza, não tocávamos há algum tempo.
P Vocês anunciaram a turnê e poucos dias depois tiveram que aumentar a quantidade de datas. Era algo esperado ou esses pedidos e a procura por ingressos surpreenderam vocês?
R A gente sabia que havia uma demanda grande, até porque os fãs pediam sempre [o reencontro]. Mas, não imaginava que seria nessa magnitude, pela quantidade de ingressos vendidos numa rapidez enorme. Nem estava prevista essa ampliação da turnê. Não sei se vamos ter mais datas, até porque nos impusemos um limite, mas à essa altura do campeonato, pode ser sim que haja mudanças. Pois nossa vontade é atender as pessoas”.
P Obviamente os fãs têm alimentado a expectativa de novos projetos, discos e músicas inéditas…
R Nunca diga jamais, mas acho pouco provável. Cada um tem sua história, seus caminhos. A ideia não era voltar a funcionar como banda plenamente, e sim fazer essa grande celebração e cada um seguir seu caminho. Mas não sei o que pode vir desses shows, dessa convivência pode vir alguma coisa que não foi planejada.
P E quanto a inéditas?
R Não seria um absurdo, é até provável. Não sei se lançaríamos algo assim. Sempre fizemos coisas por diversão e lazer e, depois de pelo menos dois meses intensos, pode sair alguma coisa. Sempre aconteceu alguma coisa nos hotéis, em aeroportos, então pode vir algo, mas sem planos para isso.
P Vocês estão registrando todo esse processo, de reunião, ensaios, conversas e futuramente os shows para um filme, algo assim?
R Sim, sim. Estamos registrando os ensaios e vamos registrar os shows. Com certeza virá um registro disso, um documentário.
P Vocês estão celebrando 40 anos de carreira. Então têm um público já maduro, que passou dos 40, e gente mais jovem, que conheceu a banda depois. Como acha que vai ser esse encontro de gerações na plateia?
R Quando lançamos o material acústico vimos muito disso, de várias gerações prestigiando os shows. Agora isso deve ser ampliado. Tem muito pai que mostra para os filhos, talvez para os netos. Independentemente da faixa etária, as pessoas se identificam com nossa música. Acho que isso será algo muito legal dessa turnê.
P Vocês começaram numa época de fim da ditadura militar. Como é fazer essa turnê agora depois dos últimos anos de ameaça à democracia?
R Isso soma esse caráter celebratório de nossa turnê. Passamos por coisas difíceis e as coisas não se resolvem de uma hora para outra. Mas, a impressão é que estamos no rumo certo. Ficou uma sensação de alívio, reafirmação da democracia e de seus valores, algo importantíssimo para que o país volte a crescer. Nossa geração é totalmente ligada ao momento de redemocratização do país. Tivemos algumas músicas censuradas na época. Isso tudo está carregado em nossas músicas, esses valores estão representados em nosso trabalho.