MATHEUS ROCHA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério da Cultura realiza nesta quinta-feira (23) um ato no Rio de Janeiro para apresentar um decreto trazendo mudanças na Lei Rouanet e desfazendo alterações feitas sob Bolsonaro. Além disso, o texto regulamenta as leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, criadas para ajudar o setor cultural na pandemia.
O decreto será assinado nesta quinta em evento no Theatro Municipal que contará com a presença de Lula e da ministra da pasta, Margareth Menezes.
No caso da Rouanet, uma das principais novidades é a retomada da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, a Cnic. Os membros do colegiado representam a sociedade civil e trabalham de forma voluntária para avaliar se os projetos apresentados estão aptos ou não a captar recursos.
Considerado essencial para o funcionamento da Rounet, o órgão teve as suas funções reduzidas durante o governo Bolsonaro e passou a ter apenas a atribuição de analisar recursos de quem não foi autorizado a captar dinheiro. O novo decreto fortalece o colegiado ao ampliar suas atribuições.
Secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural, Henilton Menezes diz que o órgão sofreu um processo de desmonte na gestão anterior e que, agora, voltará a ter papel de destaque. “O decreto traz de volta a Cnic para dentro da gestão. O papel dela é estabelecer prioridades, definir teto dentro das regras do programa e avaliar a própria lei.”
Visão parecida tem Aline Akemi Freitas, advogada especializada em cultura. Ela diz que limitar a participação da sociedade no colegiado comprometeu o caráter democrático do órgão.
“Nesses últimos anos, as decisões estavam concentradas na mão de uma única pessoa. Então não tinha essa diversidade de visões nem debate”, diz Freitas. “Os membros da sociedade civil trazem uma visão mais abrangente sobre as peculiaridades regionais do Brasil.”
Já o historiador Danilo César, integrante da Frente Ampla em Defesa da Cultura SP, diz que o fortalecimento da Cnic garante a boa execução da Rouanet. “Esse resgate do colegiado é imprescindível para que os investimentos obtidos por meio das leis de incentivo cheguem a projetos adequados do ponto de vista técnico”, diz ele.
Outra mudança é a valorização da diversidade e a luta contra o preconceito, demandas que Lula encampou durante a campanha. De acordo com o decreto, os mecanismos de fomento do país devem promover a diversidade cultural, a superação do patriarcado e a erradicação de todas as formas de preconceito.
Veja abaixo as principais mudanças que a medida trouxe.
COMISSÃO NACIONAL DE INCENTIVO À CULTURA
Com o novo decreto, a comissão será fortalecida após ter sido esvaziada durante o governo Bolsonaro. Em 2021, ela chegou a ser desativada durante a gestão do ex-secretário de Cultura Mario Frias.
Com isso, coube ao ex-policial militar André Porciuncula, que não tem experiência na área, decidir sozinho quais projetos poderiam ou não captar recursos.
A comissão voltou a funcionar no começo do ano passado, mas sem seu caráter consultivo, operando apenas como um órgão que analisava recursos de quem não foi autorizado a captar via Rouanet. O novo decreto amplia o escopo de atuação do colegiado, permitindo que ele aponte melhorias na execução da lei.
Além disso, o texto diz ser obrigatória a participação no colegiado de pelo menos um representante dos povos originários e outro de uma instituição cultural que atue no combate à discriminação e ao preconceito.
DESCENTRALIZAÇÃO REGIONAL
O texto dá diretrizes para descentralizar os recursos da Rouanet, concentrados no Sudeste do país. Historicamente, essa é uma das grandes dificuldades da lei. O governo diz que as mudanças introduzidas pelo decreto devem ampliar os investimentos nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
Uma das formas de se fazer isso seria por meio da nova possibilidade de serem criados editais públicos com recursos da Rouanet, que serão regulamentados. Isso fará com que o ministério atue junto aos patrocinadores, estabelecendo diretrizes e critérios que terão de ser respeitados nos editais.
AÇÕES CONTRA PRECONCEITO
O decreto prevê que as leis de fomento cultural no Brasil devem contribuir para estimular a diversidade cultural, a superação do patriarcado e a erradicação de discriminação e de todas as formas de preconceito.
Esse último item volta a constar no texto, após ter sido excluído por decreto editado por Bolsonaro em 2021.
O decreto prevê também o estímulo a atividades artísticas e culturais promovidas pelos povos indígenas e comunidades tradicionais. Esses pontos não estavam previstos no decreto da Lei Rouanet que Bolsonaro assinou em 2021.
PLANO PLURIANUAL
O decreto traz de volta esse mecanismo após ele ter sido extinto do governo anterior. Esses planos permitem que projetos possam ser realizados por um período de até quatro anos.
Eles são voltados a atividades de manutenção de instituições culturais, de espaços culturais e de corpos artísticos estáveis, além de realização de eventos com edições recorrentes, como festivais, mostras, bienais e feiras.
EDITAIS
O decreto determina que as minutas de editais –rascunho do documento – devem ser elaborados de forma democrática, ou seja, ouvindo conselhos de cultura e outros membros da sociedade civil.
O documento deve ser disponibilizado preferencialmente em formatos acessíveis para pessoas com deficiência, como audiovisual e audiodescrição. Além disso, o poder público poderá fazer busca ativa a potenciais a interessados, ou seja, entrar em contato diretamente com eles.
O edital poderá, inclusive, admitir a inscrição das propostas de grupos vulneráveis por meio da oralidade. No entanto, o órgão responsável pelo edital deve converter as propostas em documentos escritos.
O decreto determina também que o edital de prêmios deverá conter seção informativa sobre incidência tributária. A falta dessa informação em um edital da Lei Aldir Blanc fez com que artistas de São Paulo se endividassem com a Receita Federal, porque não sabiam que o recurso era tributável.
SEM ARTE SACRA
Em julho de 2021, o governo Bolsonaro assinou portaria que incluía arte sacra entre as áreas atendidas pela Lei Rouanet, movimento que foi criticado por especialistas.
Segundo o novo decreto, essa modalidade deixará de ser prevista. Os segmentos passaram a ser artes cênicas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural.