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Jorge Ben Jor completa 84 anos como foco de diferentes livros

Data de nascimento de Ben Jor era mistério até investigação recente da jornalista Kamille Viola, autora do livro “África Brasil: um dia Jorge Ben voou para toda a gente ver”. Foto: Bianca Figueiredo / Divulgação Copacabana Palace / LDL Music
Data de nascimento de Ben Jor era mistério até investigação recente da jornalista Kamille Viola, autora do livro “África Brasil: um dia Jorge Ben voou para toda a gente ver”. Foto: Bianca Figueiredo / Divulgação Copacabana Palace / LDL Music

Silvio Essinger/Agência O Globo/RJ

Nesta quarta-feira, Jorge Ben Jor – um dos arquitetos da moderna música popular brasileira, que estreou em LP em 1963 com o divisor de águas “Samba Esquema Novo” – chega aos 84 anos de idade ainda envolto em uma série de mistérios. Mas ao menos um deles foi desvendado: o da idade.

Para quem já o ouviu dizer ter nascido em 1942, 1945, 1947 e, mais recentemente, 1949 (ano passado, o jornalista Pedro Só trombou com Jorge na fila da quarta dose da vacina contra covid e o flagrou dizendo à enfermeira que tinha 73 anos), a revelação pode surpreender. Mas está amparada numa certidão de nascimento obtida por Kamille Viola, autora do livro “África Brasil: um dia Jorge Ben voou para toda a gente ver” (Edições Sesc, 2021).

“Tim Maia e Erasmo Carlos (amigos de Jorge na célebre Turma da Tijuca, do fim dos anos 1950) sempre faziam piada sobre isso, porque teve uma época em que o Jorge começou a dizer que tinha nascido em 1942. E, na minha pesquisa, vi até que, algumas vezes, ele dava um dia diferente de nascimento, 23 de abril, dia de São Jorge”, conta Kamille.

Com a pulga atrás da orelha, a jornalista resolveu pesquisar a certidão do cantor nos registros públicos, de 1942 para trás, com a ajuda do seu irmão mais velho, advogado. Num processo de “tentativa e erro”, ela descobriu nos arquivos um documento de 1939 que batia em tudo – nome do pai, data de nascimento -, mas não no nome da mãe. Depois que o e-book da obra saiu, duas pessoas que conheciam Jorge a procuraram para garantir que o registro era mesmo do esquivo astro.

E agora, enquanto Kamille enfim edita em papel o seu livro, finalista do Prêmio Jabuti, e planeja noites de autógrafos no Rio e em São Paulo, outros escritores se debruçam sobre os mistérios de Ben Jor – que continua fazendo shows e driblando o assédio da imprensa.

Tom Cardoso, autor de biografias de figuras tão diversas quanto o jogador Sócrates, o jornalista Tarso de Castro e o encalacrado ex-governador do Rio Sérgio Cabral Filho, começou uma investigação biográfica acerca do cantor que será publicada em livro, ainda sem data de lançamento, pela editora Planeta. E admite:

“Tárik (de Souza, jornalista), mestre de todos nós, meu guia (escrevi a biografia da Nara Leão também a partir de uma conversa com ele), foi quem cantou a bola: ‘A história musical de Jorge Ben é a mais fantástica da MPB. É um enigma. Uma esfinge.’ E é isso mesmo: quanto mais eu pesquiso sobre Jorge, menos eu sei sobre ele!”

Crítica subestima formação de Ben Jor, acreditam pesquisadores

Enigma é um termo que o mestre e doutor em Cultura e Educação pela USP, pesquisador bolsista de pós-doutorado, historiador e escritor de ficção Allan da Rosa usa com alguma frequência para se referir ao atual Ben Jor.

Ele e o pesquisador Deivison Faustino (um dos maiores especialistas no Brasil na obra de Frantz Fanon, célebre intelectual negro anticolonialista antilhano) lançam em julho o livro “Balanço afiado – Estética e política em Jorge Ben”, num projeto dividido pelas editoras Fósforo e Perspectiva.

Oriundos da literatura de favela e do movimento negro, os escritores adiantam esta semana, em rodas de conversa com jovens e professores em diferentes espaços da periferia de São Paulo, os resultados dos dois anos de pesquisa para o livro.

Que começou quando Allan, hipnotizado pela música de Jorge Ben que ouvia deitado no quintal de casa, resolveu chamar o amigo de mais de 20 anos para embarcar numa investigação que ele define como “livre, mas fundamentada” sobre o artista.

“Jorge Ben está para ser decifrado. Mas, sem a pretensão de dissecar e encerrar o enigma, o que queremos mesmo é elevar a crítica cultural”, diz o historiador.

Em suas análises sob a perspectiva da negritude, os autores se propõem a ir além do deslumbramento acrítico e mesmo do racismo mal disfarçado com que, acreditam, a obra de Jorge estava sendo tratada pela intelectualidade acadêmica.

A intenção deles, com seus estudos e escritos, foi a de desafiar os muitos lugares-comuns acerca do artista, como o de que ele é um intuitivo, desprovido de erudição (sendo que ele chegou ao ponto de citar títulos de livros de Dostoiévski na música “As rosas eram todas amarelas”) ou, então, um ser apolítico (que, por sinal, lançou em 1971 o LP “Negro é lindo”, bem no calor da ditadura militar que oprimia os movimentos negros).

“Jorge Ben é um estudioso profundo da alquimia, passou pelo canto gregoriano… Ele é um artista de grande sofisticação, que teve uma formação eclética, mas muito estudiosa. Ele tem muitos fundamentos espirituais e mundanos. Ele é um cientista”, afirma Allan da Rosa. “Suas músicas trazem mensagens cifradas que muitas pessoas não conseguiram entender. São coisas que ele malandramente colocou nas canções e que até hoje não se esgotaram.”

Para Allan, a produção artística de Jorge Ben ainda tem uma grande virtude, que é a de ampliar a presença da negritude na música popular brasileira.

“O (sociólogo e grande estudioso das questões negras do Brasil) Muniz Sodré diz que João Gilberto faz um samba tão perfeito que deixa de ser samba. Jorge Ben põe o fervo nessa história”, analisa. “Ele aprofunda a ideia do território negro, um território da justiça e da alegria. Sua música é circular, ele repete a mesma frase, mas cada vez de uma forma diferente. Ele renova a circularidade da música com pequenos detalhes.”

Autora do livro que parte da história de um dos discos de mais marcada negritude da carreira de Jorge Ben (“África Brasil”, de 1976) para esquadrinhar vida e obra do artista, Kamille se afina com o discurso de Allan e Deivison em “Balanço Afiado”.

“Jorge faz o resgate da ancestralidade negra, de uma história que não começou e nem terminou com a escravidão. Ele exalta a cultura negra de uma forma que não era feita na MPB”, diz ela, para quem “faltou sensibilidade entre a intelectualidade branca” para entender as músicas e a interpretação do cantor e compositor.

Na feitura de seu livro, ela insistiu e conseguiu entrevistar Ben Jor algumas vezes. Os autores do “Balanço Afiado” nem tentaram.

“Jorge sempre optou muito pela discrição, e creio que nos comunicamos com ele pelo seu maior fruto, que são suas músicas. Acabamos o livro, mas continuo a ouvir Jorge Ben dez horas por dia”, admite Allan, que promete um volume “apaixonado”, todo escrito a quatro mãos, com um formato fluido, onde se misturam cartas para os personagens das canções (como Hermes Trismegisto, Maria Conga e o Zagueiro), diálogos, contos e até partituras.

E enquanto todas as palavras são ditas sobre ele, Jorge Ben Jor toca a vida adiante com uma agenda que inclui shows em Campinas/SP (dia 1º/4) e nos festivais MITA (27/5, no Rio de Janeiro) e Turá (24/6, em São Paulo).

Visto pelo que apresentou recentemente em apresentações no Rock The Mountain, no Festival Village e no Copacabana Palace (onde mora há alguns anos), ele passará pelos clássicos (“Chove Chuva”, “País Tropical”, “A Banda do Zé Pretinho”), pela cultuada “O Homem da Gravata Florida” (em arrepiante versão piano-e-voz) e a pop “Quero Toda Noite”, que gravou em 2011 com Fiuk. Com sorte, rola a música inédita sobre Copacabana, bairro onde ele morou também por volta de 1963.