Rafael Soares/Agência Globo
Na madrugada de 21 de fevereiro de 2013, presos da maior facção do tráfico de São Paulo, o PCC, invadiram uma cela do pavilhão 2 da Penitenciária de Alcaçuz, a maior do Rio Grande do Norte, e mataram a facadas Lindemberg de Melo e Souza, o Berg Neguinho. O assassinato foi decretado pela cúpula da facção no estado: quatro anos antes, Berg, que era integrante da quadrilha, havia matado um comparsa com quem se desentendeu durante uma tentativa de fuga – e, pelas regras do bando, “sangue se paga com sangue”.
O crime mudou a história do crime organizado potiguar. Berg era respeitado na facção paulista, que até então era hegemônica no estado. Muitos comparsas não aceitaram a decisão da cúpula e romperam com a quadrilha. Nas semanas seguintes, os dissidentes se uniram para fundar, dentro de Alcaçuz, o Sindicato do Crime – facção por trás da onda de violência que aterrorizou o estado na semana passada.
Logo depois do homicídio de Berg – descrito em detalhes na dissertação de mestrado “O certo pelo certo e o errado será cobrado”, da pesquisadora Natália Firmino Amarante -, a facção saiu dos presídios e se espalhou pelas periferias da Grande Natal e outras cidades. O grupo aproveitou-se da insatisfação dos integrantes potiguares do PCC, que tinham que se submeter ao que era decidido em São Paulo.
“Nas cadeias, os criminosos passaram a dizer que não aceitariam ordens de outro estado, que quem mandava no Rio Grande do Norte era a facção local”, explica Juliana Melo, antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e orientadora da tese de mestrado sobre o Sindicato do Crime.
A nova facção, no entanto, foi constituída nos mesmos moldes da quadrilha paulista: um estatuto com 16 regras, datado de 27 de março de 2013, pregava que novos filiados deveriam ser batizados e todos os integrantes precisavam contribuir mensalmente para a “caixinha”. Detentos pagam R$ 100 e o valor dobra para quem está solto. Segundo o documento, o prazo para pagamento é de “20 dias mais 10”. Passado o prazo, “a final resolve”. Ou seja, a cúpula, formada pelos fundadores, daria a palavra final. Uma conversa interceptada pela polícia num grupo de WhatsApp da facção mostra como funciona uma deliberação da “final”. “Mais um vacilão”, escreveu, em agosto de 2014, um dos integrantes da cúpula, sobre um integrante flagrado roubando passageiros de um ônibus. “É parceiro, nós temos que falar pros boy novo que nós conhecemos para não tá roubando ônibus”, respondeu outro. “É passar a visão nas bocas”, completou José Kemps Pereira de Araújo, o Alicate, fundador da facção apontado como responsável pelos ataques da semana passada. A partir daí, roubos a ônibus passaram a não ser mais tolerados.
A convivência entre as duas facções foi pacífica nos primeiros anos. Em março de 2015, as quadrilhas chegaram a se unir num motim para pedir a mudança na chefia da Secretaria de Administração Penitenciária. No entanto, em 2017, após os potiguares se aliarem ao Comando Vermelho, do Rio, a rivalidade veio à tona: integrantes do grupo paulista invadiram um pavilhão do bando rival em Alcaçuz e promoveram uma matança. Ao todo, 27 detentos foram assassinados.
O episódio, conhecido como Massacre de Alcaçuz, marca uma virada na disputa entre as duas quadrilhas: os criminosos potiguares invadiram vários redutos antes dominados pelos paulistas e expulsaram os inimigos da capital. Pontos tradicionais do PCC passaram para as mãos dos rivais, como as favelas do Japão e Beira-Rio, na capital.