Pará

Sim, a vida começa aos 40!

Sim, a vida começa aos 40!
Maria Raimunda Reis

Luiz Octávio Lucas

Envelhecer é um privilégio, afinal, significa que você está vivo nesse mundo cheio de desafios. E se estiver com saúde e disposição para traçar novos planos e se manter ativo, melhor ainda! Mas, nem todo mundo pensa assim, para alguns, ter a idade mais avançada significa limitação, restringir o que se pode ou não fazer, e aí se entra na discussão do “etarismo”, discriminação ou preconceito relacionado à idade e que pode, inclusive, resultar em violência verbal, física e psicológica.

O debate sobre o tema foi reaceso na semana passada, quando um vídeo em que três jovens universitárias de Bauru (SP) viralizou e causou indignação pelo fato delas debocharem de uma colega de turma que tem mais de 40 anos. Com frases como “gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade”, “como desmatricula um colega de sala?” e “não sabe o que é Google”, o trio fez a colega Patrícia Linhares, 45 anos, chorar, mas ao mesmo tempo receber solidariedade dos demais estudantes e ter forças para assegurar que não vai desistir do sonho da graduação em biomedicina.

Para quem já passou dos 40 anos e pretende fazer uma nova graduação, ou até mesmo a primeira, com o objetivo da satisfação pessoal ou mesmo da realização profissional, lidar com piadinhas, exclusão e preconceito pelo fato de estar em um ambiente com predominância de jovens pode ser assustador e criar receio, mas não deve ser motivo para desistir. Melhor sorte até aqui tem a universitária Maria Raimunda Reis, 51 anos, que está no primeiro semestre do curso de Farmácia, em uma universidade particular da Grande Belém. A estudante está radiante com o novo desafio.

Carla Guerra FOTO: divulgação

“Sempre me identifiquei com essa área. Cheguei aqui em 1994, vim do interior do Maranhão e a minha primeira oportunidade foi em uma farmácia, mesmo sem experiência”, conta. “Trabalhei oito anos e com menos de um mês eu já tomava conta da farmácia. Nessa época eu tinha 21 anos. De lá pra cá, trabalhei em várias farmácias, constituí família, tive meus filhos e só tinha o Ensino Médio”, pontua.

A virada para o ingresso no ensino superior veio quando o filho mais velho de “Rai” decidiu cursar Farmácia. “Eu disse que quando ele terminasse eu também faria. Em janeiro foi a formatura dele e eu ingressei. É uma experiência nova, formei-o e prometi que iria fazer a graduação”, explica.

A universitária está cheia de expectativa com o futuro diploma. “Quando terminar o curso, com 56 anos, se eu tiver oportunidade de entrar no mercado de trabalho eu vou, caso contrário eu pretendo montar a minha própria farmácia, porque eu gosto desse ramo”, avisa Maria Raimunda, que hoje tem uma loja de cosméticos e produtos naturais.

O receio é que haja preconceito na hora de disputar uma vaga de farmacêutica. “Eu acho que sim, pela idade, os jovens têm mais oportunidades, mas também depende da minha competência e desenvolvimento. Eu não penso nisso, tenho que aproveitar ao máximo o tempo perdido”, avalia.

Sobre a rotina na faculdade, ela conta que no começo ficou nervosa pelo fato de ser mais velha que os demais. “No primeiro dia eu sentei na cadeira da frente, para nem olhar para trás, porque achei que eles iam se assustar. Minha preocupação era ser a mais velha da turma”, admite. “Mas depois apareceu uma colega de 44 anos, outra de 31 anos. Eles não me olharam com cara de preconceito, não senti isso em momento algum”, assegura. “Fiz amizade com meninas de 18 anos, elas dizem que se eu precisar de alguma coisa posso contar com elas. Eu estava parada nos estudos há 30 anos, mas hoje me sinto parte da turma”.

Para quem duvida, saiba que Maria Raimunda já tem até o seu “grupinho”, com colegas de 18 a 22 anos e está muito feliz com o dia a dia de universitária. “Na minha família todos ficaram surpresos quando souberam que eu estava na faculdade, me deram parabéns, ficaram muito felizes”, afirma.

Já sobre a justificativa por ter ingressado na vida acadêmica só agora, Maria Raimunda é sincera. “Antes eu me dedicava só para a família e trabalho. Tinha que criar meus filhos, não tinha marido, trabalhava e não tinha como estudar, por isso tive que adiar”.

Paulo Martins FOTO: Alberto Bitar

MOTIVAÇÃO

Outro que vive o desafio de fazer a primeira faculdade aos 60 anos é Paulo Martins. Dono de uma loja de plantas, a decisão foi por ingressar no curso tecnológico de Design de Interiores, em uma faculdade particular de Belém. A motivação, segundo ele, foi “a necessidade de manter a mente e corpo ativos e ocupados em atividades prazerosas e integradas à sociedade, além da busca de novos caminhos e possibilidades de realização”, comenta.

Segundo Paulo, a relação com os colegas é a melhor possível. “É uma relação de aceitação e cooperação mútua, uma boa aceitação”, conta. O novo universitário conta que tem mesmo outros desafios para a caminhada até a formatura. “O maior domínio das versões atuais dos programas computacionais: Word, Excel e Power Point; e também os específicos: Autocad, Sketch-up e outros”, lista.

Assim que conquistar o canudo, os planos de Paulo já estão traçados. “Quero exercer atividades relacionadas ao Design de Interiores e participar de eventos, como feiras, congressos e exposições”, se anima.

Para finalizar, Paulo deixa um recado aos “etaristas”, do alto de sua experiência. “É muito importante o ser humano ser produtivo na execução de atividades relevantes para a humanidade, assim como estar integrado com pessoas saudáveis e felizes”.

O medo é maior do que o desejo de estudar”

Carla Guerra, 30 anos, é psicóloga, especialista em saúde mental e mestranda em psicologia pela UFPA, além de docente no curso de psicologia da Unama Ananindeua. No bate-papo a seguir, ela comenta sobre essa possibilidade de recomeço profissional e estudantil a partir dos 40 anos.

P É possível mudar o rumo profissional depois dos 40 anos?

R Com certeza. Muitas pessoas depois de certo tempo de atuação e experiência em um ramo profissional, sentem necessidade de investir em outros ramos, os quais possivelmente não houveram oportunidades anteriormente. Então, não necessariamente, quem resolve mudar a atuação profissional, com qualquer idade que seja, se arrepende da experiência conquistada até então, o que pode ocorrer são novas oportunidades, reconhecimentos e resignação pessoal e social, o que abre novos caminhos de interesses e apostas.

P Por que para alguns é difícil aceitar que pessoas acima dos

40 podem recomeçar?

R Primeiro é preciso falar sobre o etarismo, que condiz na discriminação por conta da idade, o que ainda, infelizmente ocorre contra indivíduos ou grupos etários com base em estereótipos, que são conceitos sobre algo ou alguém. Em segundo, que infelizmente essas rotulações e preconceitos acabam produzindo sentimento de angústia e preocupação às pessoas que começam a sentirem-se “velhas” para tal. Por muitas vezes, o medo torna-se maior do que o desejo de estudar e, infelizmente, muitas pessoas desistem, antes mesmo de começar.

P Como quem tem mais de 40 pode lidar com o preconceito nas faculdades e no trabalho?

R É fundamental o combate a todo e qualquer preconceito, sobre o etarismo em questão, penso que primeiro é necessário tornar o assunto cada vez mais discutido e menos naturalizado, pois sabemos que é cultural, então falar sobre e cultuar a conscientização de que não há “prazo” para que se alcance metas, desenvolva desempenhos e invista em outras oportunidades, já estaremos diminuindo essa estatística. Agora, para as pessoas que sofrem com esse preconceito, afirmo que é e sempre será necessário e prazeroso investir em nossos desejos, sonhos e expectativas futuras, não apenas nos estudos (universidade), mas no mercado de trabalho e profissionalismo. É preciso se preocupar menos com quantidade e mais com qualidade.

P Quais os benefícios de se investir na educação mesmo com essa idade fora do “padrão”?

R Importante destacar sobre a qualidade de vida e de saúde mental, pois fazer o que nos traz prazer é necessário. Então, se começar um curso superior foi oportunizado aos 40 ou 50 anos, agarre e faça valer esta trajetória. Pois, investir em si mesmo nunca será perda de tempo ou dinheiro, já que é o conhecimento que nos auxilia em como encaramos o mundo, pensamos e até mesmo tomamos decisões importantes.

Tecnologias e cotidiano são desafios ao estudo

Docente na Unama do curso de Administração e Recursos Humanos, John Pablo Pinheiro é consultor de carreiras e observa os pormenores de quem busca um curso universitário após os 40 anos, que vão muito além da aceitação por parte dos colegas mais novos. “Iniciar uma faculdade a partir dessa idade ou até mesmo cursar uma primeira graduação é desafiador. No caso de uma nova faculdade, certamente essa pessoa já tem um histórico profissional, passou por empresas. O desafio é este estudante se adequar às novas tecnologias presentes no sistema de ensino, na tecnologia que faz parte do dia a dia, a Inteligência Artificial que está em ascensão”, exemplifica.

“Quando esse aluno chega, se tiver perfil tradicionalista e for pra sala de aula comparar seu novo estudo com a formação que teve anteriormente, ele vai precisar se ambientar em novo espaço. Os novos métodos estarão presentes, tem Internet; Google Acadêmico, onde se pode pesquisar trabalho e pesquisas com fundamentação teórica, dissertações de mestrado, teses, artigos científicos, é o básico para interagir”, complementa.

“Por incrível que pareça, existem pessoas que ainda não estão habituadas com esse contexto, hoje tem o portal do aluno, plataformas, games, então esse impacto, com esse novo contexto tecnológico que vai qualificar e dar suporte a esse profissional, se ele tiver dificuldade com isso, será um empecilho”, analisa o professor, que também repudia o etarismo. “Não deve existir esse preconceito em relação a idade. Isso acontece porque esses mais jovens veem os mais velhos como pessoas defasadas, que não têm o mesmo pensamento que eles têm, duvidam da capacidade”, critica.

No caso de empresas que privilegiam colaboradores mais jovens, John lista as vantagens da contratação de um profissional mais maduro. “A experiência no mercado de trabalho, de onde essa pessoa passou anteriormente, vivência, experiência de vida. Isso pode contribuir muito com a empresa. Mas seja qual for a idade, isso precisa ser avaliado”.

John Pinheiro diz que escolha de curso requer pesquisa e propósito de vida
FOTO: divulgação

Para quem passou dos 40 e pretende entrar na faculdade, o consultor de carreira dá algumas recomendações. “Existem os cursos mais tradicionais e os novos cursos de graduação, então é pesquisar. Ver seu propósito de vida, por que vai estudar uma segunda graduação? Necessidade profissional, do mercado de trabalho ou sonho, satisfação pessoal? Isso precisa ser avaliado”, frisa. “Para cada formação existe um tempo em que ele vai precisar dedicar anos de estudo. Tem os cursos de menor duração de 2 a 2,5 anos, como os de graduação tecnológica como os de redes de computadores, gastronomia e design de interiores”, sugere.

Sobre o mercado de trabalho, também não é preciso desanimar com a maior preferência das empresas por colaboradores mais jovens. “Existem programas de contratação de pessoas com mais de 60 anos ou idade aproximada”, lembra o professor. “Existe, sim, a possibilidade de iniciar uma carreira a partir dos 40 anos, considerando que são pessoas jovens, que ainda têm todo vigor e força para trabalhar, tanto física quanto mentalmente, com exceções de pessoas impossibilitadas fisicamente ou com problemas emocionais, mas isso não tem nada a ver com a idade”.

E se você for vítima de preconceito, não desanime. “Quem recebe esse preconceito precisa ter automotivação, se está redirecionando sua carreira, buscando flexibilidade e autonomia financeira, tem que ter foco nesse objetivo e se preparar para estar nessa posição”, ensina. “O estudo da inteligência emocional traz essa visão. É foco naquilo que se quer”.