Pedro Strazza/FOLHAPRESS
Há algumas semanas, Helen Mirren viralizou nas redes sociais ao dizer que a história do filme “Shazam! Fúria dos Deuses” era uma coisa muito complicada de explicar.
A declaração, uma piada no talk show britânico “The Graham Norton Show”, veio colada a outro desabafo da artista, que confessou não entender as referências dos mais jovens, fãs do filme que discutia.
Pode não ser a intenção da atriz britânica, que discutia na hora a distância entre gerações, mas as falas não estão longe da experiência com o longa. A continuação é um grande desafio de concentração, e mesmo o público mais atento tem dificuldade de entender o que acontece.
A começar pelo próprio papel de Mirren, que ao lado de Lucy Liu e Rachel Zegler é uma das vilãs da história, as filhas do titã Atlas. O filme revela posteriormente que as três irmãs, deusas aprisionadas, se libertaram do cativeiro graças aos eventos mostrados no primeiro capítulo.
Mas em nenhum momento isso é mostrado, e a produção já começa com elas tocando o terror em um museu na Grécia para recuperar um cajado visto e usado no original.
CONTINUIDADE
A produção é rápida em mostrar que continuidade não é o seu forte. A trama não economiza em diálogos, cheios de lero-lero mágico, para preencher buracos que tem preguiça em justificar na tela.
Bom exemplo é o mago que morreu para dar os poderes ao herói Billy Batson no original, vivido por Djimon Hounsou, que de repente reaparece vivo. Por que? Ninguém sabe.
Do lado das antagonistas, a situação não melhora quando se tenta entender suas motivações. Como o título sugere, as irmãs estão furiosas pelo isolamento de milhares de anos e buscam vingança. Mas por que contra os humanos, que só testemunharam a briga?
Cada uma delas tem uma opinião sobre o assunto, desde a que nutre simpatia por nós, pobres mortais, à que só quer destruir a Terra, e a questão vira um impasse a certa altura. Nisso, o filme também muda o objetivo das vilãs, que passam a procurar uma semente do jardim do Éden para criar um novo mundo de deuses. O local de plantio da semente afasta de vez os interesses das três, com direito a traição.
A vingança é um prato que se come frio, dizia o velho provérbio Klingon que abre “Kill Bill”. No cinema, porém, é necessário pelo menos servir o prato para que se possa saborear, algo que o filme de Tarantino fazia bem até mesmo com a história de uma das vilãs, O-Ren Ishii, vivida por Lucy Liu.
“Shazam! Fúria dos Deuses” não só tem duração parecida, como tem a ótima presença de Liu para fazer uma vilã tão impiedosa quanto a O-Ren dos “Kill Bill”. Mas mal dá para entender as ambições da personagem, e resta à atriz viver de carão a cada cena, montada em um dragão de madeira feito em CGI – outro acontecimento inexplicável.
ADOLESCÊNCIA
Nem tudo é groselha na sequência, porém, que tem lá seus momentos na história do protagonista adolescente. Prestes a completar 18 anos, Billy passa por uma crise – ao chegar à idade adulta, o órfão não é mais protegido pelo governo, responsável por levar o jovem à sua família adotiva.
Para piorar, os irmãos, também órfãos e agora superpoderosos, estão tomando outros rumos, a exemplo da mais velha que trabalha para entrar na faculdade. Enquanto tenta salvar o mundo como Shazam, Billy luta para manter sua nova vida inalterada.
O diretor David F. Sandberg vê um bom drama nessa agonia e dá espaço a ele quando a trama precisa de um respiro da ação. Mas esses intervalos são minúsculos.
O roteiro de Henry Gayden, que escreveu o filme original, e de Chris Morgan, famoso pela franquia “Velozes e Furiosos”, está muito mais preocupado em encher a trama com o máximo possível de arcos de personagem. A história de Billy, assim, termina perdida entre os vários dramas pessoais de cada irmão e mesmo das três vilãs, que em nada se relacionam com eles.
O procedimento não é novo no atual cenário dos filmes de super-herói. É tanta preocupação em preencher o tempo, de justificar cada momento épico em cena, que se perde de vista o essencial da história.
Mas o novo “Shazam!” ao menos é honesto, o que é vantagem sobre os outros. O clímax, atenção para o spoiler, termina com as criaturas virando pó, em confissão à altura da banalidade divina em curso.