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Trampo de 4 DIAS POR SEMANA já é realidade mundo afora. VINGA NO BRASIL?

Modelo de jornada de trabalho reduzido tem ganhado espaço na Europa e Estados Unidos, mas ainda é uma discussão que engatinha no Brasil. Conheça os prós e os contras. Foto: Agência Brasil
Modelo de jornada de trabalho reduzido tem ganhado espaço na Europa e Estados Unidos, mas ainda é uma discussão que engatinha no Brasil. Conheça os prós e os contras. Foto: Agência Brasil

Luiz Octávio Lucas

A depender da função do trabalhador brasileiro, se você for perguntar qual a jornada de trabalho semanal de cada um deles, a resposta deve variar entre “de segunda a sexta-feira, oito horas por dia” ou “de segunda a sábado, sendo que no sábado meio expediente”. Não se pode esquecer também os plantonistas, que trabalham inclusive aos domingos e feriados. Haja fôlego e disposição para manter o necessário salário ao final do mês, ajudar a empresa a funcionar e ainda encontrar tempo e motivação para cuidar da saúde mental, física e para a família e amigos.

Sim, a jornada do trabalhador brasileiro é comumente assim, mas e se houvesse uma luz no fim do túnel, como a que surge em Portugal, Espanha, Bélgica, Irlanda, Estados Unidos e Reino Unido, onde experiências com uma jornada semanal de trabalho de quatro dias têm ganhado corpo e sido cada vez mais discutida?

A tendência global para reduzir a carga horária do trabalhador, sem diminuição do salário, ainda é um sonho distante em terras tupiniquins, mas que tem se revelado bastante positiva para colaboradores e empresas que a experimentaram, segundo a ONG 4 Day Week Global, que promove e estimula tal modelo de trabalho. Os resultados da experiência no Reino Unido trouxeram um discreto aumento do faturamento, fruto de colaboradores mais produtivos e motivados, e levou 92% das empresas a decidirem seguir com a jornada reduzida. A situação tem sido semelhante nos demais países.

Especialista em Recursos Humanos, o administrador Tiago Fernandes, diretor do Auge Centro de Formação Profissional, pontua que “a redução da carga horária nada mais é do que a diminuição da jornada do colaborador. Isto é, se antes ele prestava oito horas de trabalho diariamente e 44 semanalmente, é garantir que o tempo de trabalho será menor do que este”, explica, antes de listar o lado bom para as empresas.

Tiago Fernandes, diretor do Auge Centro de Formação Profissional. Foto: Divulgação

“Ao realizar a diminuição da carga horária, as empresas buscam economia, como por exemplo com energia elétrica, e acima de tudo investir na qualidade de vida do funcionário, tendo assim maior satisfação do mesmo e gerando maiores resultados através do aumento da produtividade e eficiência”.

MAIS SAÚDE

Entusiasta da experiência, Tiago Fernandes teoriza. “Menor jornada de trabalho gera mais saúde”, afirma, ao citar estudo sobre isso. “Uma pesquisa da Henley Business School, no Reino Unido, mostrou que dentre os funcionários pesquisados que adotaram uma jornada de quatro dias por semana, três quartos estavam mais felizes (78%), menos estressados (70%) e tiravam menos dias de folga (62%). Com isso, os funcionários trabalharam mais satisfeitos, gerando maior comprometimento e resultados”, conta.

“Uma das principais vantagens se relaciona com a saúde mental dos profissionais. Quando os colaboradores têm um dia a mais de descanso, podem se dedicar à sua família, ter mais tempo para o lazer e amigos. Dessa forma, há uma enorme melhora da sua qualidade de vida”, vai além.

ENVOLVIMENTO

O especialista destaca ainda que a jornada de trabalho reduzida também é capaz de conferir benefícios para o negócio que adota o modelo. “Na medida em que pode ser verificado um aumento na produtividade dos profissionais. Com colaboradores mais satisfeitos, com menos estresse e com tempo suficiente para se dedicar à sua vida profissional, eles acabam se envolvendo mais com o trabalho e aprimorando a sua performance”, defende. “Além disso, a rotatividade dentro da organização diminui, já que colaboradores felizes não terão vontade de mudar rapidamente de emprego”.

REDUÇÃO DE CUSTOS

A redução de custos indiretos é outra vantagem importante trazida pela jornada de trabalho reduzida, cita Fernandes. “Como os profissionais ficam um dia por semana fora do escritório, são diminuídos os gastos com manutenção do espaço, conta de luz, água, entre outras taxas”, exemplifica.

NÃO É PARA TODOS

Mas, nem tudo são flores, já que nem todos os tipos de empresas estão preparadas para implementar a jornada de trabalho reduzida. “Esse regime não é aplicável a todas as empresas. Alguns setores demandam a presença de colaboradores 24 horas em todos os dias da semana, algo que impossibilita a semana de quatro dias úteis. Há ainda o aspecto da mão de obra não utilizada, pessoas querem trabalhar mais horas e não conseguem”, sinaliza.

ADAPTAÇÃO

A dificuldade de adaptação é mais um aspecto que pode ser apontado como um aspecto negativo da jornada de trabalho reduzida, diz Fernandes. “Tanto as empresas como os colaboradores terão que se adaptar para conseguir finalizar as suas tarefas em menos dias. Cabe ressaltar ainda que os profissionais terão que desenvolver outras habilidades como gestão do tempo e foco”, ressalta.

“Ou seja, cada negócio deve estudar como se adaptar a essa e outras tendências internacionais corporativas que acabam influenciando o nosso contexto. Por isso, é essencial que os profissionais se capacitem cada vez mais no sentido de estarem prontos para mudanças e atenderem as demandas do mercado de trabalho”.

Por fim, Tiago Fernandes observa a importância de estudar bem essa nova jornada antes de experimentá-la. “Precisa ser muito bem analisada, a exemplo de empresas que funcionam 24h por dia, fazendo com que tenham uma obrigação de novas contratações para que possa funcionar os processos dentro da empresa”, comenta. “Assim, custos e despesas com folha de pagamento sendo onerada. Esse tema ainda será discutido por muitos anos no Brasil para que de fato seja implementado na íntegra”, antevê.

REALIDADE DISTANTE

Mesmo assim, para Nara d‘Oliveira, diretora da Gestor Consultoria, de RH, a redução da jornada para quatro dias no Brasil ainda é uma realidade bem distante pelos mais diversos motivos. “O Brasil se encontra numa fase de construção de um país. Até há 20 anos, a maioria das cidades não tinha ensino superior. O MBA no Brasil surgiu há pouco mais de 20 anos no formato que a gente conhece hoje. Então essa geração de profissionais que hoje está aí é uma primeira geração”, introduz.

Nara d‘Oliveira, diretora da Gestor Consultoria. Foto: Divulgação

“Até há 25 anos o Brasil era fechado pro mercado global. Para nós, é muito pouco. O Brasil passou a fazer parte do mundo global, competir com as empresas globalmente, mas caminhamos pouco”, constata Nara. “O Brasil de hoje é muito diferente, mas temos um desafio enorme, essa geração de hoje está construindo um país, um mercado de trabalho. Os profissionais que têm mais de 40 anos ainda são filhos da velha economia, cresceram e estudaram numa escola, tiveram seu primeiro ingresso no mundo adulto como um país fechado, onde a crítica era pouco estimulada, uma obediência, um dever que era cultural, com processos muito rígidos”.

OUTRA CULTURA

Por tudo isso, a especialista defende que uma semana de trabalho mais curta não deve ser introduzida no Brasil tão cedo. “Essa discussão de semana de quatro dias é para um país que tem uma cultura de trabalho diferente, economia num patamar diferente, um estado diferente”, pontua. “Se formos ver por outro aspecto, no Pará, um estado em que a economia gira em torno do extrativismo mineral, do agronegócio, indústria de base, pouca verticalização, então esse tipo de segmento, de trabalho, não está na discussão de uma jornada de quatro dias”, cita.

“A maioria das empresas de grande porte do Pará estão em zona remota, então essas empresas têm um desafio diferente das que estão na capital. Se 98% das indústrias estão nessas zonas remotas, então como se vai falar de jornada de quatro dias? Meu parecer é de que é uma discussão para um outro país e, mesmo assim, para alguns segmentos”, avalia. “Aqueles segmentos extremamente expostos à competitividade, nunca vão ter jornadas de quatro dias semanais, porque esse dia que se dá para o colaborador se perde para o ‘business’”.

DISCUSSÃO ABSURDA

Com esse ponto de vista, Nara reitera que a jornada de quatro dias semanais “é uma discussão global, mas que ainda não chegou ao Brasil. Imagina uma empresa em zona remota que a cidade mais próxima está distante seis horas e se vai ter que levar o trabalhador para alojamento. Como vai se ter jornada de quatro dias?”, questiona. “Isso é uma realidade do Pará, que tem uma atividade econômica importante em todo o Estado. Para as empresas que movem o PIB do Pará, isso é uma discussão absurda”, observa.

QUALIDADE DE VIDA

Se o objetivo principal da redução da jornada é trazer qualidade de vida para os colaboradores, Nara faz mais observações. “Qualidade de vida não é algo que se conquista por que se tem um dia a menos de trabalho, isso é processo, de maneira sustentável, no seu dia a dia”, diz. “Tem gente que trabalha pouco e não tem qualidade de vida e gente que, apesar de ter um cargo estratégico, de muita responsabilidade, faz exercício físico todo dia, se alimenta bem, tem tempo para a família”, ilustra. “Isso não é uma coisa de quantos dias você trabalha, mas de você conseguir organizar sua vida. Qualidade de vida é um aspecto muito pessoal, não passa por você ter mais um dia para ver futebol, tomar cerveja, isso não é qualidade de vida”, critica.

“O brasileiro tem muitos valores para serem revistos. Somos filhos do militarismo, então ainda temos esse ranço que trabalhar é algo perverso, que bom mesmo é ‘o dia que vou me aposentar, que o chefe é um cara desonesto,e quer me dar muito trabalho sem fazer nada’. Temos essa fala construída de um regime social, ainda temos esse ranço, fomos criados para pensar assim”, comenta a consultora de RH. “Qualidade de vida é você conciliar as várias dimensões da sua vida, não é não fazer nada. O trabalho também pode ser uma grande diversão, não tem por que ser algo pesado, também pode ser motivador, te convidar todos os dias a ser melhor”.

 

ENTREVISTA:

“A pandemia trouxe grandes mudanças, veio para nos permitir novos modelos”, diz especialista

Alexandre Mendes, diretor da Adapt Consultoria RH. Foto-Wagner Santana/Diário do Pará.

Como se pode perceber, o assunto é polêmico e rende discussão. Outro que dá sua contribuição sobre o tema é o administrador Alexandre Mendes, diretor da Adapt Consultoria RH. No bate papo a seguir, ele comenta a possível implementação da jornada reduzida no Brasil.

  • Nos últimos tempos muito se tem ouvido falar em redução de carga horária de trabalho e até de dias de trabalho na semana. Qual o objetivo disso?

O mundo de uma forma geral vem passando por diversas mudanças, e as organizações fazem parte desse processo. O conceito de trabalho vem mudando consideravelmente. Antes, as organizações prezavam por cumprir carga horária, hoje o que importa para as empresas é produtividade, o quanto o trabalhador consegue entregar de resultado. Dessa forma, as organizações vêm observando o que de fato podem fazer para que as pessoas produzam mais, já que toda organização é constituída por pessoas, e que são seu maior patrimônio.

  • Quais os benefícios de se reduzir a carga de trabalho? 

Temos alguns benefícios com essa nova proposta de modelo de trabalho. Muito se tem falado em meio ambiente e aquecimento global, os dados do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC na sigla em inglês) da ONU são alarmantes. A atividade humana já elevou a temperatura do planeta em 1,07 ºC com previsão de alcançar entre 1,5 ºC e 2 ºC ainda neste século. Nesse contexto, têm surgido diversas iniciativas para mudar o modo como vivemos e consumimos. Uma delas é a redução da carga horária de trabalho, reduzir o número de horas trabalhadas gera queda nas emissões de carbono. Uma diminuição na emissão de carbono, principalmente pela diminuição com o deslocamento e com o consumo de energia elétrica.

 

  • O que traz de benefício para o trabalhador?

Além desses benefícios, ao reduzir a carga laboral, o trabalhador muito ganha elevando sua qualidade de vida sem gerar perdas de produtividade, tendo mais tempo para o descanso e para tratar determinados assuntos que somente são resolvidos em dias úteis. Dessa forma, reduz o absenteísmo e turnover, visto que o trabalhador tem avaliado cuidadosamente os benefícios da empresa em que ele irá fazer parte. Antes se avaliava apenas remuneração e a redução de carga horária pode ser um grande atrativo para reter talentos. Uma pesquisa global da International Workplace Group (IWG), publicada em 2019, revelou que 83% dos profissionais são mais produtivos em uma rotina flexível, ou seja, conseguem performar melhor e com isso aumenta os resultados das organizações.

  • Quais os aspectos que precisam ser observados? 

Assim como todo experimento, esse modelo tem seus pontos de atenção a serem observados, é preciso ficar atento se o tempo reduzido não irá sobrecarregar demais os trabalhadores, tornando-os individualistas em focar no cumprimento do seu cronograma de atividades, desmoronando o sentido coletivo da empresa ou tornando pessoas cada vez mais desconectadas do time. Isso irá exigir mais do que nunca administração do tempo, aproveitar bem o tempo de trabalho.

 

  • Essa tendência pode chegar ao Brasil?

Sim, é possível que o Brasil também possa fazer esse teste piloto. A pandemia trouxe grandes mudanças, veio para nos permitir novos modelos, pode ser que não se adeque a todos os ramos de negócio, mas é possível sim visto que os resultados em outros países até o presente momento foram positivos.