Pará

A arte de transformar uma ideia em tatuagem

Com 22 anos de profissão, o tatuador Bruno Ferreira, conhecido na área como Lango, considera que a chamada tatuagem autoral, hoje, está muito ligada à tecnologia. Foto-Wagner Santana/Diário do Pará.
Com 22 anos de profissão, o tatuador Bruno Ferreira, conhecido na área como Lango, considera que a chamada tatuagem autoral, hoje, está muito ligada à tecnologia. Foto-Wagner Santana/Diário do Pará.

Cintia Magno

Mais do que compreender a ideia formada inicialmente na mente do cliente, conseguir transportá-la para uma arte personalizada que será eternizada na pele está entre os desafios diários de quem a escolheu a tatuagem como profissão. Diante de um processo que, em alguns casos, pode ser bem complexo, a busca pelas tatuagens autorais vem crescendo e conta com uma boa ajuda da tecnologia para transformar uma ideia em arte.

Se até algum tempo atrás o processo de transformar a ideia do cliente em uma tatuagem passava pelo trabalho na prancheta, com papel e caneta, hoje a etapa do desenvolvimento do desenho conta com a tecnologia digital, que não só agiliza o processo, como possibilita alterações imediatas até que se chegue exatamente ou o mais próximo possível do que o cliente tinha em mente.

Com 22 anos de profissão, o tatuador Bruno Ferreira, conhecido na área como Lango, considera que a chamada tatuagem autoral, hoje, está muito ligada à tecnologia.

“Vai ser muito raro conseguir chegar a um tatuador, hoje, que vai fazer um esboço na mão. Para se ter uma ideia, hoje nem fazer o decalque à mão não se faz mais. A gente já tem uma impressora só para imprimir o decalque, para não ter essa perda de tempo porque quando era feito manualmente você perdia até uma hora fazendo o desenho e, muitas vezes, o cliente que estava empolgado acabava até mudando de ideia”.

Com o auxílio de um tablet, aplicativos e um banco de dados, hoje é possível montar uma arte personalizada para o cliente em um período de tempo muito menor e, inclusive, já simular em uma foto do próprio cliente como a tatuagem ficaria no corpo antes mesmo de se fazer o decalque e partir para a agulha. “Os aplicativos ajudam muito para a gente fazer a simulação. A gente já faz um esboço para o cliente mostrando onde vai ficar, mais ou menos, ele vê se gostaria de acrescentar alguma coisa ou de retirar algo”, explica Lango.

“Eu tenho 22 anos de trabalho. No início foi muito mais difícil porque para a gente se manter atualizado tinha que comprar revistas. Eu ia para o aeroporto, eu já conhecia o dono da banca de revista e ligava para saber se iria chegar alguma coisa relacionada a tatuagem e, quando chegava, o evento noticiado já tinha passado há seis meses. Então, para a gente se atualizar demorava muito. Hoje não”.

Entre os serviços de tatuagem, um tipo específico chama a atenção pelo trabalho artístico do tatuador. Foto-Wagner Santana/Diário do Pará.

E não foi apenas a tecnologia que mudou nesses anos, mas também as tendências e as preferências dos clientes. Hoje, Lango aponta que as demandas dos clientes são muito diversificadas, desde pessoas que desejam prestar alguma homenagem a partir de uma fotografia, até referências do cotidiano.

“Hoje a demanda é bem diversificada, diferente da década de 90 até os anos 2000 em que as pessoas faziam muito aquela estrelinha atrás da nuca, o símbolo do infinito. Hoje tem muito cliente que quer fazer uma homenagem para o pai que é falecido e escolhe uma tatuagem realista; tem declarações de amor. Alguns anos atrás tinha muita demanda pelo tema marajoara, hoje você já vê muitas declarações para a própria cidade, como o cliente que quer tatuar o mercado de ferro e até mesmo costumes locais, como tatuar uma máquina de açaí, um guaraná da Amazônia”.

Quando se trata de uma arte que vai ficar marcada no próprio corpo e que vai ser vista muitas vezes ao longo de anos, a preocupação com o que vai ser eternizado ganha mais importância. Nesse sentido, traduzir uma imagem que está na mente do cliente é, normalmente, um desafio. O tatuador Deleon Brito, do Del Tattoo Studio, explica que o primeiro passo é tentar captar as ideias que o cliente já tem para a tatuagem que ele deseja fazer.

“Todo cliente que vai fazer uma tatuagem já tem aquela pasta no celular dele com um monte de imagens de referência que ele tem. Então, a partir dessas imagens é que a gente vai conseguir captar as ideias dele, chegar a um contexto para tentar entender o que ele espera”, considera, ao apontar que muitas vezes os clientes chegam ao seu studio com o desejo de fazer uma arte exclusiva.

“Eu tenho muitos clientes que me pedem para fazer exclusividade, ele não quer que eu copie de lugar nenhum. Nesses casos, eu parto para esse lado artístico mesmo. Eu me sento na mesa de desenho e vou desenhando com base no que ele me falou, com base nos meus traços, no meu estilo de tatuagem, mas eu peço apenas uma coisa para o cliente: que ele me deixe livre, que ele não me limite em tamanho, em cores”.

Em outros casos, os clientes demandam por tatuagens que são uma junção de imagens que ele pode já ter a partir de uma fotografia, por exemplo. Como no caso em que o desejo do tatuado é ter uma referência de uma foto que ele já possui, de um cenário ou mesmo de um objeto que é importante para ele. Também nesses casos, a tecnologia é uma grande aliada.

“Eu trabalho muito com artes digitais e com a montagem de artes”, conta Del. “Quando a gente faz uma montagem no Ipad, se o cliente resolve depois que não quer mais aquele elemento ou que queria mudar o fundo, a gente só faz desmarcar e tira o elemento na hora. Eu também posso diminuir ou aumentar o desenho na hora. Antigamente não tinha como fazer isso. Tinha que refazer totalmente o desenho a caneta”.

 

TABLET E FACILIDADE

Também com 23 anos de profissão, Del lembra bem do processo manual que se mantinha até pouco tempo atrás. Depois de ouvir as ideias e referências do cliente, era necessário pegar o papel e a caneta e desenhar cada elemento a mão. Quando a arte ficava pronta, caso o cliente decidisse retirar algum item que compunha aquela tatuagem, seria necessário refazer tudo. Já o desenho criado no tablet pode ser editado com muito mais facilidade.

O tatuador Deleon Brito, do Del Tattoo Studio, explica que o primeiro passo é tentar captar as ideias que o cliente já tem para a tatuagem que ele deseja fazer. Foto: Ricardo Amanajás / Diario do Pará

“Antigamente, a gente tinha que pegar um papel manteiga, colocar no braço do cliente e marcar com uma canetinha marca-texto no papel para saber o tamanho certo e você desenhava certinho dentro daquele espaço marcado ali no papel, não podia passar porque, quando o cliente voltava, se o desenho tivesse ficado grande, você tinha que refazer tudo e com isso, de certa forma, a gente perdia muito tempo. Já quando você faz a arte no tablet, você pode aumentar ou diminuir em segundos e ele vai te dar as medidas certinhas, então, você não vai errar”.

Outra mudança que também trouxe muita agilidade ao trabalho do tatuador é a possibilidade de imprimir a arte criada ou montada no tablet direto no papel do decalque. “Se eu quiser pegar esse desenho e enviar para a impressora térmica, ela vai imprimir em um papel especial e eu não vou mais precisar fazer o decalque como a gente fazia antigamente, de pegar a prancheta de desenho, com um papel carbono e desenhar à caneta”, diferencia Del. “Para fazer um desenho no papel, a gente leva mais ou menos 50 minutos a uma hora. Com a impressora, ela imprime em três segundos, no máximo. Então, a tecnologia veio para nos ajudar”.

EXPANSÃO

Mesmo diante do cenário de crise imposto pela Pandemia da Covid-19, o mercado de tatuagens no Brasil apresentou uma expansão considerável. De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Nacional), o setor de tatuagens apresentou uma taxa de crescimento de 25% no Brasil em 2021.