A pandemia causada pelo Covid-19 pode ter pegado muitas pessoas de surpresa, mas não representa um fenômeno inteiramente novo. Ao longo da história, testemunhamos o surgimento de várias novas doenças infecciosas que criaram quadros de devastação semelhantes às guerras.
No segundo século da era cristã, o Império Romano era uma superpotência global, com uma em cada cinco pessoas do planeta vivendo dentro de seus limites.
A cidade de Roma, a maior do Império, chegou a ter mais de um milhão de habitantes, considerada a primeira grande metrópole urbana.
Responsáveis por enormes avanços tecnológicos, como um incrível sistema de estradas e de dutos que forneciam água, era a existência de uma infraestrutura muito eficiente que mantinha a coesão do Império.
Com uma das mais poderosas forças navais e de infantaria, o exército romano, a máquina de guerra mais formidável do mundo antigo, composto de centenas de milhares de soldados bem treinados e equipados com as ermas mais sofisticadas, estava preparado para proteger as fronteiras do Império a qualquer custo, não existindo civilização tão grande ou poderosa como o Império Romano.
Para defender o seu domínio, que se estendia, em um território de milhares de quilômetros, da Europa Ocidental e Oriente Médio a regiões da África e do Mediterrâneo, por mais de dez anos o imperador Marco Aurélio travou batalhas contra as tribos germânicas e outros povos nômades que ameaçavam a fronteira norte.
A partir de 160 d.C., e durante anos, a guerra devastou as fronteiras do Império, cobrando um alto preço de seu imperador e do povo romano.
Porém, quase uma década depois do início do conflito, Marco Aurélio enfrentou outro inimigo mortal, um inimigo que se espalhou pelo Império e dizimou boa parte da população: a Peste Antonina.
Roma chegou a contabilizar duas mil mortes por dia e o exército romano foi quase inteiramente dizimado ao longo de seus 15 anos de duração.
Os 800 mil quilômetros de estradas construídas pelos romanos forneceram o caminho perfeito para a disseminação da doença. Um dos pontos fortes de Roma, tornou-se uma fragilidade fatal.
Documentos antigos sugerem que a peste Justiniana, que atingiu o Império Bizantino (ou Romano oriental) em 541 d.C., transformou a Europa, Ásia, o norte da África e parte do Oriente Médio em um cenário apocalíptico.
Estima-se que metade da população da Europa possa ter sido eliminada. Constantinopla – a capital do império – teve mais da metade da população morta, obrigando o imperador Justiniano I (daí o nome da praga) nomear um oficial especial para a remoção dos cadáveres das ruas da cidade.
Uma das epidemias mais mortais da humanidade, com cerca de 75 milhões de mortes (um terço da população na época), a Peste Negra durou de 1347 a 1351, acometendo a Europa, Ásia e norte da África.
Apenas um século atrás, a gripe espanhola de 1918 causou pelo menos 50 milhões de mortes em todo o mundo.
Reconhecida em 1981, a pandemia causada pelo HIV (AIDS) contabiliza, até 2020, pelo menos 37 milhões de mortes.
Nos dez últimos anos testemunhamos explosões pandêmicas sem precedentes: influenza “suína” H1N1 (2009), Chikungunya (2014) e Zika (2015), bem como emergências semelhantes a uma pandemia de febre Ebola em grandes partes da África (2014 até o presente).
O coronavírus (SARS-CoV) da síndrome respiratória aguda grave (SARS) surgiu de um animal hospedeiro, provavelmente um gato, entre 2002 e 2003, para causar uma “quase pandemia” antes de desaparecer em resposta às medidas de controle de saúde pública.
Já o coronavírus relacionado à síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) surgiu em humanos a partir de camelos dromedários em 2012, mas desde então foi transmitido de forma ineficiente entre humanos.
Diante de uma análise da linha do tempo, em especial na última década, podemos concluir que “entramos em uma era pandêmica”, o que merece uma séria análise, em especial quando dados já mostram o surgimento de muitas bactérias e fungos multirresistentes no período Pós-Covid-19.
Pesquisadores como a Dra. Priya Nori do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) ressalta que “não necessariamente veremos novos patógenos, mas agentes infecciosos que tínhamos antes e que estavam começando a receber muita atenção nos últimos anos”.
Desde a Idade da Pedra que nós, humanos, nos envolvemos em disputas territoriais. Com o passar do tempo, os avanços tecnológicos possibilitaram o surgimento de verdadeiras máquinas de matar, tal como as forças armadas do Império Romano, responsáveis pela morte de muitos.
E assim como a Peste Antonina, atribuída por pesquisadores, séculos depois, à varíola ou sarampo, não podemos esquecer que microrganismos, como vírus e bactérias, têm sido protagonistas centrais, não meros coadjuvantes, de nosso processo histórico de registros de vítimas em batalhas vencidas.