No texto da semana passada eu escrevi sobre uma crise que estava ocorrendo na fronteira da Colômbia com a Venezuela e, antes mesmo dele ser publicado, um novo conflito tomou o país colombiano, dessa vez muito mais letal e noticiado. Segundo a ONG Human Rights, já são 36 mortos nos protestos entre policiais e civis ocasionado por uma infame reforma tributária proposta pelo governo. Mas, tratando-se de política latinoamericana, é necessário esclarecer que nessa história há muito mais que uma revolta contra uma reforma.
Tudo começou quando o presidente da Colômbia, Iván Duque, enviou ao congresso nacional uma proposta de reestruturação tributária absurda e incompatível com o momento delicado em que o mundo atravessa. O ponto mais grave evidenciava que a classe média seria a mais atingida pois, segundo a reforma, haveria aumento de tributos para quem recebesse o equivalente a 3400 reais, com a pretensão de estender até 2023 a cobrança para os colombianos que recebem em torno de 2400 reais. Em um momento de pandemia, que a Colômbia passa por situação delicada de aumento de casos e desconfiança com as políticas adotadas pelo governo, além do estrangulamento do setor privado por conta do isolamento, esse foi o estopim para levar o povo às ruas e transformar um país relativamente calmo em um mar de caos.
A revolta popular levou à renúncia do Ministro da Fazenda e, depois de quatro dias de protestos e severas críticas de todos os lados – incluindo o seu partido – o presidente colombiano se viu forçado a suspender a proposta de reforma tributária enviada ao congresso. Iván Duque explicou que tinha o intuito de aumentar a arrecadação para sustentar os programas sociais implementados durante a pandemia da Covid-19. Tudo em vão, já que a tentativa de apaziguamento gerou a intensificação dos protestos.
O epicentro da crise agora é a cidade de Cali, que ficou fechada por terra e ar durante dias, ocasionando escassez de alimentos e gasolina, queima de prédios governamentais e saques a lojas e bancos. O governo respondeu com repressão, gerando mortes, desaparecidos e um incontável número de feridos.
Como havia dito, quando o assunto é política latinoamericana, é preciso analisar tudo com cautela porque há sempre muito mais do que está sendo dito. Se a reforma tributária fosse a grande razão dos protestos, eles poderiam ter sido encerrados assim que houve a suspensão da proposta, mas o que ocorreu foi exatamente o oposto, mostrando que há interesses muito maiores nessa história.
A direita colombiana é muito forte no país e há um consenso neste meio de que essa crise é uma tentativa da esquerda de ganhar, por meio de uma revolução, o que não conseguiram pelo voto. Basta uma rápida busca no twitter para ver cidadãos defendendo a polícia e a militarização das ruas através das hashtags #MilitarizarLasCallesYa e #YoApoyoAMiPolicia. Há também grupos de civis fazendo rondas armadas nos bairros para proteger casas e policiais.
Dentro do congresso há um representante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e um grupo de guerrilheiros anti-governo, que atua no contrabando de drogas e com assaltos nas fronteiras, que colocou nas suas redes sociais algumas mensagens polêmicas como: “Pátria ou morte!”, “Socialismo ou morte!”, “Venceremos!”. Isso alimentou a tese do governo e de parte da população de que essa revolta acontece por conta de um conluio da esquerda com guerrilheiros. A jornalista colombiana Vanessa Vallejo conta que essa é uma revolução sem um líder e que ocorre a partir de ataques em locais diversos, que rapidamente se dispersam e voltam de forma inesperada. O objetivo seria gerar medo e enfraquecer ainda mais o atual governo.
Vale ressaltar que os protestos na Colômbia muito se assemelham aos que ocorreram no Chile em 2019. Os dois países foram às ruas por uma causa social, com uma grande diferença: se no Chile a direita e a esquerda foram juntas às ruas por uma nova constituição, na Colômbia elas estão em lados opostos, com a direita pedindo inclusive o endurecimento da força policial nas ruas.
Diante de uma crise sem precedentes, com opiniões diversas sobre o assunto e um governo impopular abusando da força policial contra protestantes, a Colômbia saiu de uma relativa calmaria nos últimos anos para mergulhar no caos social em meio à uma pandemia e o aumento acelerado da pobreza no país.