Carol Menezes
O momento é de preocupação e prevenção, sim, mas de alarde e pânico não. A recomendação é do professor Washington Luiz Assunção Pereira, médico veterinário e preceptor na residência em Patologia Veterinária da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), em relação a uma suspeita de ocorrência de “doença da vaca louca” informada esta semana pela Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará) em uma localidade no sudeste paraense.
De acordo com o órgão, foi positivo o resultado do caso suspeito de encefalopatia espongiforme bovina em uma propriedade de 160 cabeças de gado, por consequência inspecionada, interditada e isolada pelo órgão.
Ainda segundo a Adepará, a sintomatologia indica que se trata da forma atípica da doença, que surge espontaneamente na natureza, não causando risco de disseminação ao rebanho e ao ser humano. E aí está a informação mais importante de todas, segundo o professor titular da Ufra.
“O consumo pode continuar, é uma ocorrência esporádica, em um a cada dez mil animais. Um animal doente não vai transmitir para outro com o qual convive. Isso já é um fator de tranquilidade. Identificou o animal, realiza o abate sanitário, os exames necessários. Infelizmente ocorre de as exportações ficarem paralisadas, o abate idem, até que o consumo seja novamente normalizado”, justifica o pesquisador.
Para confirmar esta situação de isolamento e controle, amostras foram enviadas para laboratório no Canadá para tipificação do agente, se clássica ou atípica. O governo do estado está em contato permanente com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) em função da suspeita.
“Se eles chegaram a notificar a ocorrência é porque algum exame detectou doença priônica. Se o material foi enviado para o Canadá é melhor ainda, porque lá eles tem a experiência da ocorrência das duas formas da doença – clássica e atípica. Tem mais tecnologia para poder fazer os exames necessários para confirmar a forma”, avalia.
Washington classifica o sistema de vigilância sanitário brasileiro como excelente e modelo para o mundo. “Temos no Mapa uma Secretaria de Defesa Agropecuária, que possui Departamento de Saúde Animal, e lá há uma coordenação destinada somente a doenças encefalopáticas: raiva, encefalopatia espongiforme transmissível. Já ocorreu no Brasil a forma atípica, e da mesma forma pode continuar exportando, é caso isolado”, sugere.
ENTENDENDO MELHOR
A “doença da vaca louca” é o nome popular de uma encefalopatia que tem como característica a produção de uma lesão espongiforme, com vacúolos no tecido nervoso, e que é transmissível.
A doença ocorre em animais e tem manifestações também em seres humanos. Neste último caso, pode ter como consequência a doença de Creutzfeldt-Jakob, uma variante de doença priônica que o humano pode contrair se comer de produtos de origem animal, por exemplo ruminantes e bovinos, contaminados pelo príon – do inglês Proteinaceous Infections Particles, que pode ser traduzido como partícula proteinácea infectante.
Na explicação detalhada pelo médico veterinário, o príon é uma proteína produzida nos organismos humanos de forma fisiológica, ou seja, de forma normal, principalmente pelo tecido nervoso. Possui funções úteis na célula. O que ocorre: se o humano ou o animal que não tem essa proteína infecciosa ingere a proteína infecciosa, transmissão de via oral, a proteína infecciosa vai interagir com a proteína normal e transformá-la também em infecciosa. Pesquisas comprovam essa interação. O resultado disso é que a proteína modificada vai se acumulando na célula, ela não é utilizada, e a célula vai desenvolvendo um processo de vacuolização, vai ficando com vacúolos até que chega o momento em que a célula morre.
Essa forma descrita por Washington configura a contaminação “clássica”, e há ainda contaminação “atípica”, quando o gen responsável pela produção da proteína priônica normal sofre mutação, assim passando a produzir a proteína priônica anormal ou infecciosa. Geralmente acomete animais idosos, e também pode ocorrer em humanos. Esta última forma é a que teria sido identificada em um animal no sudeste paraense.
Apesar dos níveis de infectividade bastante distintos, uma vez contraída, a doença possui um único processo degenerativo, e com desfecho fatal para humanos e animais. “Esse processo afeta o tecido nervoso, que envolve vários neurônios, e com o tempo há uma destruição desse tecido, e isso leva a pessoa a uma sintomatologia e o desfecho será a morte. Não tem cura. Da mesma forma isso também ocorre no animal quando ingere o subproduto animal, que pode ser farinha de carne, farinha de sangue, farinha de osso, procedente de um animal que tinha a doença”, explica o professor.
NÃO É NOVIDADE
A primeira notificação na Inglaterra foi em 1986, e em 1990 o Brasil tomou sérias medidas sanitárias proibindo a importação de produtos de origem animal e de animais no sentido de resguardar seres humanos e animais de ter contato com essa proteína que poderia vir do exterior.
Já foi notificada no Brasil em alguns momentos, tendo sido recentemente notificada e comprovada a forma atípica da doença priônica em bovinos do Mato Grosso e também em Minas Gerais.
“Não existe preocupação. A infectividade da carne pela proteína não é grande. As vísceras concentram as maiores probabilidades de infectividade, principalmente as do Sistema Nervoso Central, ou seja, do encéfalo, os órgãos linfóides, o trato digestivo. Se no abate houver a eliminação desse material, não encaminhá-lo para consumo humano, a carne por si, digamos assim, tem menos potencial infectante. Existe a possibilidade, claro. Por isso existe a preocupação das autoridades, do sistema geral de vigilância sanitária, ao nível nacional e ao nível regional”, resume Washington.